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Filho de judeus que fugiram da ocupação nazista e neto de um casal assassinado em um campo de extermínio, Vlado transformou a herança do medo em compromisso com a verdade. Refugiado no Brasil após a guerra, foi assassinado pela ditadura militar em 1975, tornando-se símbolo da resistência e da luta pela liberdade que seus avós jamais puderam viver

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Desde os primeiros anos de vida, Vladimir Herzog esteve envolvido em uma história que ultrapassa o jornalismo e a ditadura brasileira — estava também marcada por uma fuga dramática da Europa em plena guerra. Nascido em 1937 na então Iugoslávia, Herzog viveu com sua família até que, em 1941, o exército nazista ocupou o país. A invasão tornou insuportável a permanência de judeus e outros considerados “indesejáveis”, o que obrigou os Herzog a buscar refúgio imediato.

A família partiu para a Itália, onde sobreviveu entre deslocamentos e esconderijos. De acordo com os registros do Instituto Vladimir Herzog, viveram em diferentes regiões italianas até chegarem a um campo de refugiados, onde permaneceram por cerca de dois anos. Ali experimentaram a precariedade e a incerteza que marcaram a vida de milhões de famílias judias durante o conflito. Em dezembro de 1946, os Herzog desembarcaram no Brasil, encontrando finalmente um porto seguro.

Essa “outra guerra”, feita de fuga, medo e reconstrução, moldou profundamente a consciência política e humana de Vladimir Herzog. Ainda criança, ele aprendeu o valor da liberdade e da dignidade em meio à perseguição e ao exílio. As marcas dessa travessia o acompanhariam por toda a vida, transformando-se em princípios de atuação profissional e ética.

A mãe, Zora Herzog, nascida Zora Wollner, e o pai, Zigmund Herzog, deixaram para trás uma Europa despedaçada. Os avós paternos de Vladimir — Moritz Herzog e Gisela — foram mortos em um campo de extermínio na região que hoje corresponde à Croácia, onde milhares de judeus, ciganos e opositores políticos foram executados. O genocídio familiar deixou uma ferida silenciosa, mas também um compromisso ético que se revelaria anos depois em sua carreira jornalística.

No Brasil, o pequeno Vlado encontrou um país que, embora distante da guerra, também enfrentava suas contradições políticas. Cursou o Colégio Estadual de São Paulo, participou de grupos de teatro amador e ingressou na Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP). A formação intelectual e o gosto pela cultura e pela palavra escrita nasceram nesse ambiente de reconstrução. Em 1959, iniciou sua trajetória na imprensa e, mais tarde, na televisão — sempre guiado pelo ideal de que o jornalismo era, acima de tudo, um instrumento de liberdade.


A experiência de refugiado o tornara especialmente sensível à censura e à mentira institucionalizada. Herzog sabia, por experiência familiar, que o silêncio diante da injustiça é o primeiro passo para a barbárie. A memória dos avós assassinados e a lembrança da infância sob o medo nazista fizeram dele um homem atento aos sinais do autoritarismo. Seu compromisso com a verdade tinha raízes profundas: era uma resposta pessoal às forças que, décadas antes, haviam tentado apagar sua própria história.

No Brasil dos anos 1970, quando a ditadura militar restringia direitos e perseguia jornalistas, Herzog tornou-se diretor de jornalismo da TV Cultura. Em 25 de outubro de 1975, foi preso e morto sob tortura nas dependências do DOI-Codi, em São Paulo. A tragédia de sua morte, que marcou uma geração, é inseparável da história de sua vida. Pois o homem que enfrentou a repressão brasileira era o mesmo menino que sobrevivera à perseguição nazista — duas faces da mesma luta pela verdade.

Essa travessia, do campo de refugiados à redação, revela uma coerência rara. Herzog conheceu, desde cedo, os efeitos do ódio ideológico e da desumanização. Ao escolher o jornalismo como profissão, ele reafirmou a esperança no poder da palavra contra o terror das armas. Sua “segunda guerra”, a vivida no Brasil, teve o mesmo inimigo da primeira: o autoritarismo travestido de ordem.

A saga dos Herzog, da Europa ocupada ao Brasil democrático, é um testemunho do século XX. É a história de um menino que sobreviveu a um genocídio, cresceu em liberdade e, quando o país que o acolhera mergulhou na escuridão, não hesitou em erguer novamente a voz. Essa coragem não nasceu em 1975 — nasceu nas ruínas da guerra, quando uma família decidiu viver.

No fim, o menino refugiado encontrou no Brasil o mesmo silêncio que conhecera na Europa: o silêncio do medo.

Naquela manhã de outubro, no porão frio do DOI-Codi, Vlado não enfrentava apenas seus algozes — enfrentava a repetição da história.

O filho de uma família que fugira do nazismo morreu nas mãos de outro regime que também temia a verdade.

Mas se o corpo de Herzog foi vencido, sua voz não foi. Ela atravessou o tempo, os tribunais e as gerações, lembrando que a liberdade é frágil, mas nunca inútil.

E, assim, aquele menino sem pátria que encontrou refúgio no Brasil tornou-se símbolo de um país inteiro: um homem que morreu dizendo a verdade — e, por isso mesmo, continua vivo.

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