Rocío San Miguel se posiciona diante de um grupo de agentes que mantêm detidos dois jornalistas e, com firmeza, cita artigos de várias leis e exige uma explicação para suas prisões. Ela não teme os militares como muitos na Venezuela. Os repórteres logo são libertados.

San Miguel, advogada de 57 anos detida em 9 de fevereiro, é fundadora da ONG Controle Cidadão, que registra violações dos direitos humanos de civis e militares.

Mas ela também é uma autoridade em assuntos da hermética e poderosa Força Armada da Venezuela, o pilar do governo do presidente Nicolás Maduro e alvo de denúncias de abuso e corrupção.

A procuradoria, alinhada com o governo, a vincula com um suposto plano para assassinar Maduro, pelo qual cerca de 30 pessoas foram presas. San Miguel foi detida junto com sua única filha, Miranda, de 24 anos, que está em liberdade condicional.

Ela é acusada de "traição à pátria", "conspiração" e "terrorismo", acusações que outros ativistas venezuelanos também receberam e que ela mesma condenou no passado. Seu ex-marido, um coronel aposentado, também foi preso sob suspeita de "revelação de segredos políticos e militares".

Seus irmãos e o pai de sua filha também foram detidos, mas depois acabaram sendo libertados.

"Falar da doutora Rocío San Miguel é falar do exemplo mais amplo de uma defensora dos direitos humanos", diz à AFP Martha Tineo, coordenadora da ONG Encontro, Justiça e Perdão.

"Ela participou de diferentes ações judiciais justamente em defesa da democracia e dos direitos humanos da Venezuela", acrescenta. "Por que está presa? Podemos pensar que atacar Rocío San Miguel é atacar todas as mulheres defensoras dos direitos humanos na Venezuela."

- 'Apartheid' venezuelano -

No volátil ano de 2016, a jornalista Andreina Flores foi detida junto com um colega pela Direção de Contrainteligência Militar, um corpo temido acusado de torturar opositores.

Estavam filmando Caracas para um canal de televisão na véspera de uma grande marcha da oposição.

"Rocío chegou e foi implacável com os militares, embora sempre serena", explica Flores, que hoje reside em Paris, à AFP.

"Citava artigos do regulamento militar, da Constituição, pedia cópias das declarações, da acusação. Foi uma defesa sólida, ela falava com segurança e os militares concordaram com o que ela pedia [...] Eles nos soltaram e ela nos tirou de lá em seu carro", lembra.

San Miguel, que também tem nacionalidade espanhola, é advogada com especialização em Direito e Política Internacional e possui mestrado em Segurança e Defesa do Instituto de Altos Estudos de Defesa Nacional, ligado à Força Armada venezuelana.

Fundou o Controle Cidadão para Segurança, Defesa e Força Armada Nacional em 2005, logo após ser demitida do serviço público por apoiar, em 2003, a coleta de assinaturas para convocar um referendo revogatório do mandato do ex-presidente Hugo Chávez (1999-2013).

Após coletar e publicar cópias das listas dos assinantes, o governo realizou um expurgo nos órgãos estatais, manobra rotulada por San Miguel como "apartheid".

San Miguel, que trabalhava no Conselho Nacional de Fronteiras, e outras duas ex-funcionárias do mesmo órgão, venceram em 2018 uma ação contra a Venezuela perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos por violação de direitos políticos e de expressão.

- 'Salta, pula, grita' -

Do Controle Cidadão, ela denunciou desde "interesses" militares na mineração ilegal no sul do país devido à presença de guerrilheiros e bandos criminosos, até um recente feminicídio dentro da Força Armada. Também falou sobre o papel que a instituição terá em uma "transição política" no país.

Maduro - que frequentemente denuncia planos contra ele para derrubá-lo ou matá-lo - já a havia acusado como golpista em 2014, quando estava há apenas um ano no governo após a morte de Chávez.

"Ela tentou dividir nossa Força Armada, [mas] continuará esbarrando na moral de nossa Força Armada", declarou o presidente na época.

"Vocês verão como ela salta, pula, grita. Como é uma mulher, vão sair dizendo 'Maduro agride as mulheres', eu não a estou agredindo, apenas estou apontando" porque "aparece na investigação" para "promover um levante militar contra a ordem estabelecida na Venezuela".

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