Colegas de um jovem surdo, que estuda na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), estão se mobilizando para tornar a convivência mais acessível e acolhedora dentro da república onde moram na cidade, localizada na Região Central de Minas Gerais. Para isso, articulam a participação em um curso de Libras, oferecido pela própria instituição, além de contarem com o apoio de alunos que já entendem a Língua Brasileira de Sinais.

Apesar de ser uma iniciativa estudada há alguns meses, ela ganhou força depois que o Estado de Minas publicou uma reportagem sobre os desafios enfrentados por deficientes auditivos matriculados na universidade, na qual denunciavam a falta de intérpretes na instituição. Um dos alunos mora na república onde ocorre a movimentação.

"Essa ideia surgiu no final do período passado, quando recebemos a visita de dois estudantes surdos para poder olhar a vaga aqui na república. Mesmo eles não ficando, a gente observou que poderia ter a necessidade de aprender Libras e de entender melhor a comunicação com pessoas surdas”, contou Luiz Reis, aluno do oitavo período de Engenharia Metalúrgica.

Com a chegada do novo colega surdo, no início deste semestre, a ideia ganhou força, mas foi depois da reportagem que eles viram a urgência. “Antes a gente já buscava interagir um pouco para ele não se sentir como um visitante. Ele lê lábios, então conversamos com ele devagar e entendemos alguns gestos que ele faz. Quando acontece alguma dúvida de alguma palavra ou frase, a gente escreve e ele ensina como que é na Libras. Mas depois da matéria, começamos a entender realmente a dimensão do problema”, conta Guilherme Xavier, estudante do quinto período de Química (licenciatura).

A convivência também trouxe à tona as dificuldades enfrentadas por alunos surdos dentro da UFOP. O novo morador relatou aos colegas problemas causados pela ausência de intérpretes em algumas disciplinas e a velocidade das aulas, que tornam o acompanhamento mais difícil. “Ele reclama que, em aulas de cálculo, por exemplo, o professor fala muito rápido. Essas aulas são mais extensas e os professores precisam falar muito rápido, e mesmo lendo lábios, é complicado acompanhar sem pausas”, conta Guilherme.

Para mudar esse cenário, o grupo com oito estudantes procurou o projeto de extensão Libras na UFOP, que oferece cursos básicos da língua de sinais. No entanto, com a diferença de horários entre os estudantes nem todos vão poder frequentar o curso. Como alternativa, o grupo convidou dois colegas que fazem parte do projeto para darem apoio direto na república.

“Estamos combinando para eles virem aqui na república, para ensinar o básico da Libras e ajudar a gente a se comunicar melhor. A ideia é aprender sinais ligados à nossa rotina, como coisas da cozinha, da faculdade, das conversas do dia a dia. Assim fica mais fácil colocar em prática o que aprendemos”, explicou Guilherme.

Luiz reforça que a ideia é começar com sinais básicos e expressões comuns, expandindo o vocabulário aos poucos. “Queremos aprender o essencial para manter uma boa comunicação com ele, mas também seguir estudando. É um processo contínuo.”

Aline Gonçalves Bastos, estudante do nono período de Letras (Português) na UFOP é uma das pessoas que vai ajudá-los. Ela conta que apesar de ela e do colega não serem intérpretes, quando recebeu a proposta, aceitou na hora.

"Isso é fundamental para a inclusão, para que o calouro tenha uma boa experiência na república e universidade. Não é fácil mudar de cidade, sair da sua zona de conforto e ir para uma cidade nova com pessoas novas, e isso é ainda mais difícil se você pensar que nesse novo lugar as pessoas não sabem a sua língua, porque é isso, a Libras é uma língua."

Para Aline, a iniciativa dos meninos mostra uma real preocupação em aprender, incluir e acolher. "Apesar de não saber libras eles estão buscando aprender, buscando maneiras de incluir e como fazer da forma certa e da melhor maneira", conclui a estudante.

Apesar do movimento acontecer no convívio entre os moradores, os estudantes esperam que a ação inspire outras repúblicas e grupos estudantis a se engajarem. “A gente percebeu que o problema não é falta de vontade, é falta de informação e de preparo. Quando a gente entende o que é inclusão de verdade, percebe que pode começar dentro de casa. E outros estudantes passam por isso e eles também precisam ser incluídos”, afirmou Luiz.

Os estudantes também destacam a importância de a UFOP investir mais em políticas de inclusão., ampliando o número de intérpretes e incentivando cursos de Libras para alunos e professores.

Para eles, o maior aprendizado dessa experiência é que a inclusão se constrói com atitudes cotidianas. “Empatia é a palavra. Todo mundo tem alguma dificuldade, mas isso não é motivo para excluir. A dificuldade do outro deve ser o motivo para a gente querer ajudar”, finaliza Luiz.

Já Guilherme reforça a importância de agir com respeito e solidariedade: “Inclusão é amor ao próximo. É entender as limitações e os potenciais de cada um, respeitando o espaço do outro e buscando formas de caminhar juntos.”

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Nota da UFOP

Procurada pela reportagem, a Pró-reitoria de Gestão de Pessoas (Progep) da universidade informou, em nota, que tem hoje quatro ocupantes no cargo de Tradutor e intérprete de libras. Um deles está em exercício na Coordenadoria de Saúde Comunitária, como coordenador.

Segundo a UFOP, desde que o Decreto Federal nº 10185/2019 extinguiu os cargos de intérprete na administração pública federal impedindo a realização de concurso, o que levou a universidade  a perder duas vagas destinadas a esses profissionais. Em razão dessa legislação, a UFOP não conseguiu ampliar o quadro desses cargos por meio de servidores efetivos. "Estamos buscando alternativas, dentro da legislação, de contratação temporária e contratação para prestação de serviço. O Ministério da Educação liberou duas vagas para a UFOP realizar a contratação temporária de intérpretes", informa a nota.

Questionada sobre como os alunos surdos estão acompanhando as aulas, a Coordenadoria de Acessibilidade e Inclusão (Cain) da UFOP informou que tem quatro alunos surdos atualmente. A universidade admite que o número de intérpretes não é adequado. "O ideal é que todos os alunos tenham intérprete de libras, pois nenhum desses recursos citados é adequado. Atualmente, dois alunos estão totalmente desassistidos em sala de aula e dois são atendidos parcialmente em sala de aula", conclui a nota. 

*Estagiária sob supervisão da subeditora Juliana Lima 

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