Imagem do século 18 seria vendida no mercado paralelo em leilão com lance mínimo de R$ 3,5 mil -  (crédito: Tulio Santos/EM/D.A.Press)

Imagem do século 18 seria vendida no mercado paralelo em leilão com lance mínimo de R$ 3,5 mil

crédito: Tulio Santos/EM/D.A.Press

Uma imagem de São Benedito, que iria a leilão em Belo Horizonte e foi retirada após denúncia ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), retornará ao seu altar de origem, na Capela Nossa Senhora da Soledade, no distrito de Lobo Leite, em Congonhas, na Região Central de Minas. Na terça-feira (16), moradores estiveram na sede da Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Proteção do Patrimônio Cultural e Turístico (CPPC/MPMG) e fizeram o reconhecimento da peça sacra do século 18, em madeira policromada, com 38 centímetros de altura.

 

“Faremos uma reunião para combinar com o pároco sobre a data de retorno da nossa imagem. E vamos festejar, pois é motivo de grande alegria”, disse a costureira Maria Ângela Santana da Silva, de 65 anos, que esteve em BH para reconhecer a peça furtada da capela de Lobo Leite em 1996. Ela veio na companhia do também morador de Lobo Leite, Jorge André Claudino, de 62, e do diretor de Patrimônio Histórico da Prefeitura de Congonhas, Hugo Cordeiro, sendo recebidos pelo coordenador da CPPC, o promotor de Justiça Marcelo Maffra.

 

A comercialização online, conforme anunciado por uma casa de leilões, seria na quarta-feira (17), pelo valor inicial de R$ 3,5 mil – a denúncia sobre o pregão foi feita no Sondar – Sistema de Resgate de Bens Culturais Desaparecidos, do MPMG. “Com o reconhecimento pela comunidade, temos certeza absoluta de que a peça pertence a Lobo Leite. Fizemos um termo de ajustamento de conduta com o detentor da peça, que nos entregou a imagem de São Benedito e disse tê-la recebido em herança. Só falta agora marcar a data de devolução à comunidade”, disse ontem Marcelo Maffra.


NOME DO SANTO TROCADO

A peça sacra foi retirada do leilão na sexta-feira e entregue na segunda-feira ao coordenador da CPPC que, juntamente com sua equipe e especialistas do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG), deu início à perícia técnica para identificação e investigação da origem. Para surpresa, verificou-se que se tratava da imagem de São Benedito, de acordo com as fichas de inventário do Iepha-MG, e não de São Elesbão, como estava anunciado no site da casa de leilões.

 

No parecer assinado pela historiadora especialista em cultura e arte, Paula Carolina Miranda Novais, o MPMG destacou que “ao se tornar cabal a comprovação de que a escultura pertence ao município de Congonhas, que a peça retorne, tão logo seja possível, ao seu local de origem e procedência”. 

 

Marcelo Maffra acompanhou a análise técnica e ressaltou a importância do Sistema de Resgate de Bens Culturais Desaparecidos, que trouxe agilidade no resgate do patrimônio cultural, e da participação da comunidade no processo. “Recebemos a denúncia via Sondar na terça-feira passada (9/4) e na quinta-feira já tínhamos um laudo técnico pronto e informações encaminhadas. Na sexta-feira (12/4), a presidente do Iepha-MG, Marília Palhares Machado, e eu expedimos a Recomendação Conjunta, no mesmo dia em que a casa de leilão retirou o anúncio do ar e o responsável se comprometeu a entregar a peça”.

 

A colaboração é essencial para a proteção do patrimônio. “Importante como as comunidades, a participação social, a vigilância são fundamentais, pois ações assim nos ajudam a manter o patrimônio no local de origem. A partir da divulgação desses casos, alimentamos o sistema para que novas denúncias sejam recebidas”, explica Maffra. Criada em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a plataforma virtual Sondar (sondar.mpmg.mp.br) conta com 2,5 mil bens culturais entre desaparecidos e resgatados.


OUTRAS PEÇAS ROUBADAS

A imagem de São Benedito foi furtada da Capela Nossa Senhora da Soledade, do distrito de Lobo Leite, em Congonhas, na madrugada de 4 de outubro de 1996 – foi a segunda ocorrência, sendo a anterior em 23 de janeiro de 1981. Os ladrões levaram 13 peças sacras, incluindo a padroeira Nossa Senhora da Soledade. Desse dia triste para a comunidade, se lembra muito bem o aposentado Jorge André Claudino, de 62, nascido e criado na localidade distante 12 quilômetros da sede municipal.

 

“Das peças furtadas, foram encontradas quatro (Santo Antônio, Nossa Senhora das Dores, São José e São Benedito). Estou com um sentimento difícil de explicar, pois é algo que mexe muito com a gente. Sou nascido e criado em Lobo Leite e mantenho a esperança de ter todas as peças sacras”, diz Jorge, que esteve anteontem na sede da CPPC, na capital, e trazendo reportagens do Estado de Minas sobre o assalto à capela. Antes de fazer a festa para receber a imagem de São Benedito, a comunidade vai se reunir, para marcar a data, com o padre Geraldo Barbosa, titular da Paróquia Mãe da Igreja, à qual está vinculada a Capela Nossa Senhora da Soledade.

 

Também muito satisfeita se mostra a costureira Maria Angela Santana da Silva, de 65, que não vê a hora de ver a imagem em seu altar. “Ficava ao lado de Santa Efigênia e Nossa Senhora do Rosário, ambas roubadas”, contou a moradora. Na avaliação do diretor de Patrimônio de Congonhas, Hugo Cordeiro, o resgate da imagem de São Benedito poderá puxar um fio na investigação e levar as autoridades à localização de outros bens desaparecidos do templo tombado pelo Iepha-MG em 1978.

 

Conforme registro, foram levadas em 1981 as imagens de São Brás, Nossa Senhora da Conceição, duas de Nossa Senhora do Rosário (uma grande e outra pequena), São Sebastião (pequeno), Santana com a filha e do Menino Jesus da imagem de São José, além de um crucifixo, 12 coroas de prata e uma âmbula e um cálice, todos de ouro.

 

No segundo roubo, em 1996, desapareceram dos altares as imagens de Nossa Senhora da Soledade (padroeira do distrito), Nossa Senhora das Dores, São José, São Joaquim, São Benedito e Santo Antônio.


ENTREGA DO OBJETO DE FÉ

Na sexta-feira, o promotor de Justiça Marcelo Maffra, pela CPPC/MPMG, e a presidente do Iepha-MG, Marília Palhares Machado, encaminharam à casa de leilões uma Recomendação Conjunta para retirada da imagem do pregão e entrega às autoridades para realização de perícia técnica.

 

Ao instaurar procedimento para apurar a denúncia recebida sobre a comercialização de imagem cadastrada no Sondar, a CPPC/MPMG verificou, na página da empresa de leilão, a seguinte descrição: “Lote 344 – Santo Elesbão em madeira policromada. Mede 38 cm de altura.” Também na Recomendação Conjunta, há a explicação de que está cadastrada no Sondar uma peça desaparecida descrita como "São Benedito", de procedência da Capela de Nossa Senhora da Soledade, distrito de Lobo Leite, em Congonhas.

 

Eis a descrição da imagem de acordo com o parecer técnico: “Figura masculina em posição de pé, frontal, com o pé direito em ângulo e um pouco atrás do esquerdo, apresenta a tez negra, cabeça inclinada para a esquerda e olhar para baixo. Cabelos curtos, encaracolados deixando as orelhas aparentes. O braço direito está flexionado para a direita e o esquerdo flexionado com a mão sobre o cordão na cintura da túnica. Veste hábito sobre túnica, cintados por cordão nodal e pés descalços aparentes sob a túnica. Possui peanha em formato de meia lua, virada para baixo, trabalhada em chanfros irregulares.”

 

Na ficha de inventário do Iepha-MG, órgão responsável pela proteção do bem, há a informação de que “uma imagem de madeira policromada, identificada como sendo um bem do século 18, foi furtada da Capela de Nossa Senhora da Soledade, edificada no distrito de Lobo Leite, em Congonhas, na madrugada de 4 de outubro de 1996”.


DENÚNCIAS AJUDAM INVESTIGAÇÃO

A denúncia sobre o leilão da imagem de São Benedito foi feita via Sistema de Resgate de Bens Culturais Desaparecidos (Sondar), ferramenta colaborativa que tem se mostrado eficaz na preservação do patrimônio cultural de Minas Gerais. Em plataforma digital única, reúne todas as informações presentes nos bancos de dados sobre os bens culturais desaparecidos no estado, de modo a consolidar dados que antes eram restritos a cada órgão de fiscalização.

 

O principal objetivo, segundo o MPMG, é conferir ampla publicidade às informações e, consequentemente, trazer a população para participar ativamente da recuperação dos objetos desaparecidos. “A ideia é colocar a vigilância do patrimônio cultural na palma das mãos da comunidade, que poderá contribuir com os órgãos de fiscalização fornecendo informações sobre o paradeiro das peças desaparecidas”, ressalta Marcelo Maffra.

 

Atualmente, constam no Sondar mais de 2,5 mil materiais móveis mineiros cadastrados, os quais podem ser livremente consultados por qualquer pessoa, resultando em ampliação significativa da participação popular no processo de vigilância e proteção do patrimônio cultural de Minas Gerais. 

 

AJUDE A DENUNCIAR

Lançada em 2021, a plataforma digital Sondar foi desenvolvida em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pode ser acessada pela internet, por meio de computador, tablet ou celular, no endereço sondar.mpmg.mp.br.