em harmonia com o casario da cidade, os músicos executam obras fúnebres de autoria do compositor  mineiro lobo de mesquita -  (crédito: carlos andré pereira/divulgação)

em harmonia com o casario da cidade, os músicos executam obras fúnebres de autoria do compositor mineiro lobo de mesquita

crédito: carlos andré pereira/divulgação

Com o Centro Histórico reconhecido como Patrimônio Mundial, título que completará 25 anos em dezembro, Diamantina, no Vale do Jequitinhonha, guarda tesouros sonoros que engrandecem ainda mais as cerimônias da Semana Santa, fazendo a união harmoniosa da arte sacra com os sons barrocos. Em destaque, os motetos, tocados e cantados nas procissões de Nossa Senhora das Dores, que ocorrerá amanhã (22/3), e do Encontro, na próxima quarta-feira (27/3).

“São obras fúnebres, ouvidas apenas nas procissões da Paixão de Cristo, nunca em outras épocas”, conta o maestro Edison Soares de Oliveira, que, durante 15 anos, esteve à frente da Banda Euterpe Diamantinense (hoje, o regente é Carlos Henrique Lemos), continuando presente nos ensaios dos músicos e regendo as bandas do Terceiro Batalhão da Polícia Militar de Minas Gerais e a infantil.

As obras musicais apresentadas nas solenidades religiosas são de autoria do compositor mineiro José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita, que viveu no século 18 no antigo Arraial do Tijuco (hoje Diamantina) e entrou para a história como Lobo de Mesquita. “Os motetos expressam cultura, fé, arte e a beleza da Semana Santa de Diamantina. O povo daqui tem como característica a musicalidade, e isso fica evidente nas procissões e demais cerimônias da paixão, morte e ressurreição de Cristo”, destaca o padre Júlio César Morais, pároco da Catedral da Sé e coordenador das solenidades em quatro paróquias.

 

“Na Sexta-feira da Paixão, na Procissão do Enterro, temos a apresentação da Guarda Romana, algo espetacular e único”, acrescenta o sacerdote.

 

VALORIZAÇÃO DA ARTE ASSOCIADA À DEVOÇÃO

Neste ano, para valorizar a importância cultural dos motetos, a Prefeitura de Diamantina apresenta uma publicação com explicações detalhadas sobre essas músicas da Semana Santa. Conforme a pesquisa, trata-se de gênero musical polifônico interpretado por meio de articulações do texto, criando uma sucessão de momentos musicais contrastantes: “Composição poética constituída de poucos versos em rima, de caráter popular e brilhante; forma sacra polifônica vocal ou vocal-instrumental que se desenvolve a partir do século 13: diminutivo de motto (dito, ditado, palavra, epígrafe). O elemento estilístico encontrado em todos os motetos é de caráter penitencial, por se tratar de música que ilustra as passagens dos últimos momentos da vida de Jesus Cristo”. Executados pelo coral da Catedral Metropolitana, os motetos são únicos e compostos por Lobo de Mesquita –em cada uma das paradas da procissão, o coro apresenta um em latim.


MOMENTOS EXCEPCIONAIS NAS CERIMÔNIAS DE MINAS

Contando a história da paixão, morte e ressurreição de Cristo, as cerimônias da Semana Santa em Minas são retratadas, com fervor, nas missas, ofícios, procissões e nas encenações de quadro bíblicos. A historiadora Adalgisa Campos divide esses ritos entre litúrgicos e para-litúrgicos, situando ambos no contexto da “pompa barroca” que faz com que tais celebrações sejam momentos excepcionais.

 

Segundo Adalgisa Campos, especialista em arte colonial, “nessa cultura (barroca) houve tendência para se investir bastante no sagrado, uma prodigalidade nos gastos, sobretudo na Quaresma, tempo propício para a interiorização psicológica e exteriorização, penitência e convívio social, fortalecimento da fé e das práticas de sociabilidade confrariais”. Nesse tempo excepcionalmente forte, ela registrou, “ocorria a desobriga (preceito da confissão e da comunhão quaresmal), através da qual se arrolavam todos os membros dos fogos das freguesias, atividades feitas pelos reverendos vigários e coadjutores.”

 

Conforme a pesquisadora mineira, em documento lançado pela Prefeitura de Diamantina, as cerimônias quaresmais demandavam sistematicamente a atuação de oradores, músicos, escultores, pintores e oficiais mecânicos, constituindo um verdadeiro fenômeno cultural. Adalgisa Campos argumenta que as celebrações ultrapassam o sentido meramente religioso, relacionando crença, manifestação, doutrina, vivência, religiosidade leiga, pompa cerimonial e cultura artística e material. “Requerem saberes de produção de ornamentos, estruturas, vestimentas, músicas e outras artes diversas, conectando dimensões materiais e simbólicas.”


O LEGADO DE UM ARTISTA ETERNO

Conforme a pesquisa divulgada pela Prefeitura de Diamantina, o antigo Arraial do Tijuco produzia, no século 18, obras musicais extraordinárias, com traços bem particulares. Tinha destaque o compositor mineiro José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita, sendo seu legado cultuado na atualidade.

 

Lobo de Mesquita residiu no Arraial do Tijuco, estima-se, entre os anos de 1783 e 1798, quando trabalhou como compositor, organista, regente e professor de música. Viveu em Diamantina numa época de intensa riqueza e atividade cultural, período que corresponde à sua atividade profissional mais intensa. Sem provas documentais a respeito de sua origem, é considerado nascido na Vila do Príncipe do Serro Frio (atual Serro), por volta de 1746, tendo falecido no Rio de Janeiro em 1805.


SONS MARCAM OS PASSOS DA PAIXÃO

“Sempre me perguntam o que é um moteto”, conta Edison, figura presente na cena cultural de Diamantina por ser músico, instrumentista, compositor e arranjador. Para começo de conversa, moteto vem do francês – “mot”, que significa palavra – e deriva de uma composição não litúrgica, do século 13, que misturava alemão e francês, sem ser na língua oficial da Igreja (o latim). “No início, então, era uma provocação, quase uma brincadeira, mas que, no século 16, influenciou a música barroca e, mais tarde, o romantismo.

 

Quem já acompanhou as cerimônias da Semana Santa em Diamantina não se esquece das procissões seguindo ao longo do casario e dos monumentos, da Guarda Romana batendo as lanças nas pedras capistranas (pedras-laje, mais largas) do cenário de tempos coloniais pontuado pelos motetos. É uma experiência fascinante, de que se mantém na participação dos moradores e fica na memória dos visitantes.

 

Segundo o maestro Edison, os fiéis que acompanham as procissões ouvem os motetos compostos por Lobo de Mesquita, do qual não se tem muitas informações biográficas. No cortejo de Nossa Senhora das Dores, escuta-se a obra composta especialmente para a ocasião, enquanto no Encontro são apresentados os Motetos dos Passos: “Miserere”, que é um pedido de perdão, “Bajulans”, “Exeamus” “Angariant verunt”, “O vos omnes”, “Filiae Jerusalem” e “Jesus Clamat”.

 

O maestro explica que o sexto moteto não é cantado, pois a partitura desapareceu. Assim, para não ficar a lacuna na procissão, um deles, geralmente o quarto, é repetido. O Moteto de Nossa Senhora das Dores vem de uma antífona dedicada à santa, cujos textos foram extraídos da Bíblia Sagrada e musicados por Lobo de Mesquita. 

 

 

PROGRAME-SE

Semana Santa em Diamantina
(Catedral da Sé)

Dia 24, Domingo de Ramos
9h – Bênção dos ramos, procissão e missa
9h30 – Bênção dos ramos, na frente da Igreja do Rosário
19h – Missa

Dia 25, segunda-feira
19h15 – Ofício de Trevas

Dia 26, terça-feira
15h – Missa com unção dos enfermos.

Dia 27, quarta-feira
20h – Sermão do Encontro, em frente à Catedral de Diamantina
Dia 28, quinta-feira
19h30 – Santa Missa da Ceia do Senhor

Dia 29, Sexta-feira da Paixão
9h – Via-sacra encenada
15h – Solene ação litúrgica da Paixão do Senhor

Dia 31, Domingo de Páscoa
10h – Missa da Páscoa, seguida de procissão