Infectologista Estevão Urbano afirma que carnaval e volta às aulas são fatores de riscos tanto para dengue e COVID, quanto para outras doenças que pioram com aglomerações

 -  (crédito: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)

Infectologista Estevão Urbano afirma que carnaval e volta às aulas são fatores de riscos tanto para dengue e COVID, quanto para outras doenças que pioram com aglomerações

crédito: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press

Milhões se jogam no carnaval sem se importar com o amanhã. Vivem uma verdadeira fantasia. Mas a realidade chega e tem um preço. O efeito folia de Momo, com a aglomeração de pessoas, um mar de gente reunida, juntas pelas ruas atrás dos blocos, somados à instabilidade climática (BH teve dias de chuvas e chegou a 30º), podem desencadear uma explosão de casos tanto de dengue quanto de COVID.
Na segunda-feira, o Brasil atingiu 512 mil casos de dengue em 2024, segundo os dados atualizados pelo Ministério da Saúde. Os números incluem o volume de casos confirmados e aqueles que ainda estão em investigação, em todos os estados, de janeiro até 12 de fevereiro. Foram confirmadas 75 mortes. Outras 340 estão em investigação. Os casos de dengue são quase quatro vezes mais do que os registrados no mesmo período de 2023. À época, foram 128,8 mil notificações. Minas Gerais é a unidade da federação com mais casos, 171.769 ocorrências.


A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) informa que em 2024, até o momento, foram confirmados 2.649 casos de dengue na capital, com cinco óbitos. Há 13.034 casos notificados pendentes de resultados de exames laboratoriais e avaliações epidemiológicas. Foram investigados e descartados 1.587 casos. Neste ano, foram confirmados ainda 206 casos de chikungunya em residentes de Belo Horizonte. Há 265 casos notificados pendentes de resultados. Não há registro de casos de zika em BH.

 


No fim de semana do carnaval, mais de 1.500 pessoas com sintomas de dengue procuraram as 11 unidades de saúde abertas no sábado (10/2) e domingo (11/2) em Belo Horizonte. De acordo com a PBH, somente nos centros de saúde Francisco Gomes Barbosa/Tirol (Barreiro), Vera Cruz (Leste), Aarão Reis (Norte), São Paulo (Nordeste), Betânia (Oeste) e Rio Branco (Venda Nova), foram atendidos 887 usuários entre as 7h e às 19h. Já para as Unidades de Reposição Volêmica (URVs), nas regionais Centro-Sul e Venda Nova, foram encaminhadas 89 pessoas do total de atendidos nos centros de saúde e CAAs. Os dados não incluem pessoas que foram atendidas nas Unidades de Pronto Atendimento (UPA), segundo a prefeitura.


TRAMPOLIM PERIGOSO

O médico infectologista Estevão Urbano, presidente da Sociedade Mineira de Infectologia (SMI) e diretor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), destaca que “quando se tem muitas aglomerações, gera-se muito material que pode acumular água, favorecendo, portanto, a multiplicação do mosquito (Aedes aegypti).” Ele acrescenta: “Muitas pessoas juntas podem, obviamente, ser mais contaminadas pelo mesmo mosquito. Como tivemos essa situação durante o carnaval, está feito o cenário. E com a volta às aulas também há aumento da movimentação das pessoas, geração de resíduos e a possibilidade de acúmulo de líquidos. Isso pode ser um trampolim para a dengue, que já está em número alarmante e pode aumentar exponencialmente”, alerta.


Estevão Urbano destaca as consequências: “O aumento exponencial é acompanhado de inúmeros problemas. Acarreta tanto para as pessoas, quanto para o sistema de saúde, sobrecarga para os postos, entre outros. E até aumentando, às vezes, número de internações e óbitos”.


O médico infectologista lembra que carnaval e volta às aulas são atividades com riscos não só para o aumento de casos dengue, como também para a COVID-19 e outras doenças que pioram com aglomerações: “Então, o pós-carnaval será de alerta”, avisa.


O prefeito de Belo Horizonte, Fuad Noman (PSD), em coletiva para falar sobre o carnaval na capital, nessa terça-feira (13/2), declarou que o atendimento a pacientes não foi prejudicado no feriadão. “Tivemos postos volantes durante o carnaval. Não comprometemos nenhuma estrutura física de saúde porque, junto com o carnaval, estamos enfrentando uma epidemia de dengue. Não paramos de atender. Ontem (segunda, 12/2), tivemos todos os postos de saúde abertos para atender (os pacientes). Hoje (terça), vamos ter novamente, porque a dengue é um problema e a prefeitura tem que estar mobilizada para atender a todos.”

SAZONALIDADE

A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) esclarece que a dengue é uma doença sazonal, sendo que 30% a 50% dos casos podem cursar de forma assintomática, com ocorrência e ampliação de casos de janeiro a abril, e queda até maio, sem impacto direto do carnaval, mas que tem curva epidemiológica regular de crescimento neste período. A PBH informa ainda que monitora a situação epidemiológica da capital e esclarece que possui um Plano de Enfrentamento às Arboviroses, que contempla ações que têm como objetivo "ofertar uma assistência oportuna, segura e de qualidade, de forma a evitar a ocorrência de maior gravidade de casos". O plano está sendo ativado gradativamente, mediante o atual cenário da cidade."


TRANSMISSÃO SILENCIOSA

Quanto à dengue assintomática, a chamada transmissão silenciosa (o assintomático tem o vírus da dengue circulando pelo corpo e se for picado pelo Aedes aegypti, o inseto se contamina e já é capaz de espalhar a doença), é outra realidade preocupante: “A dengue assintomática realmente ocorre, algumas pessoas não têm sintomas, são vetores de transmissão porque, obviamente, quando o mosquito se alimenta do sangue dessas pessoas, se já estão contaminadas, se infecta e depois transmite para outras. Na aglomeração, vai aumentar o número de pessoas infectantes e, em cadeia, vai desaguar nos problemas já mencionados”, enfatiza Estevão Urbano.


A infectologista Melissa Valentini, do Grupo Pardini, destaca que a maioria dos casos de dengue, na verdade, são assintomáticos. Portanto, o número de contaminados é muito maior do que é divulgado e contabilizado.


Melissa ainda explica que, como choveu, foram formados bolsões de água parada, veio o calor e o aumento da temperatura. “Ou seja, o ambiente perfeito para o mosquito se reproduzir." A infectologista lembra que BH já enfrentou situação caótica com o grande número de casos de dengue: “Houve ano em que lidamos com o ciclo da dengue até maio, ele se estendeu diante da situação climática (chuva e alta temperatura), sendo que o comum é a redução de casos entre março e abril”.


PREVENÇÃO COLETIVA

De acordo Melissa, “a dengue ainda não chegou ao pico e, associada ao período de carnaval, ao lixo acumulado, aos bolsões de água para refrescar do calor, só beneficiam a reprodução do mosquito”. Para ela, o fundamental é a prevenção com a responsabilidade individual e coletiva. E uso de repelente.
"É preciso estar atento e se cuidar. Além do repelente, que tenha o selo da Anvisa e usado da forma correta, pelo tempo indicado para reaplicação, o uso de roupas mais cobertas, mesmo com o calor de 30°, ou seja, priorizar calça e blusa de manga comprida. Claro, além de toda a limpeza das casas e espaço público, não deixar água parada para eliminar os criadouros", detalha.

INCUBAÇÃO E SINTOMAS

Em caso de suspeita de contaminação pelo Aedes, a orientação é a pessoa passar por consulta médica para evitar complicações da doença. Os sintomas mais comuns são febre alta, dor no corpo e nas articulações, dor atrás dos olhos, mal-estar, dor de cabeça e manchas vermelhas pelo corpo.


A Secretaria Municipal de Saúde orienta que as pessoas com sintomas procurem, inicialmente, os centros de saúde e os Centros de Atendimento às Arboviroses (CAAs) da capital. Neles, os usuários vão receber a assistência necessária e, se preciso, encaminhados a outras unidades de saúde. O endereço de todos os locais específicos para o atendimento de pessoas com dengue e outras arboviroses pode ser verificado no portal da PBH.


A dengue grave leva ao comprometimento orgânico, falência de órgãos/sistemas, podendo evoluir para choque e óbito. O período de incubação da doença varia de quatro a 10 dias sendo, em média, de cinco a seis. A transmissão ocorre enquanto houver presença de vírus no sangue do homem (período de viremia). Esse período começa um dia antes do aparecimento da febre e vai até o sexto dia da doença.

VACINA EM FALTA

A vacina contra a dengue, o imunizante Qdenga, diante do quadro em BH, já está em falta em clínicas, farmácias e laboratórios particulares da capital. A a Takeda, empresa biofarmacêutica que produz a vacina, comunicou que o fornecimento prioritário do imunizante será para o Ministério da Saúde.


O Ministério da Saúde em conjunto com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) decidiu quais partes do país receberiam a vacina, com Minas na lista. A princípio, o público-alvo são crianças de 10 a 14 anos.

CUIDADOS EM CASA

Para evitar que focos de dengue se propaguem pela a cidade, a Superintendência de Limpeza Urbana (SLU) faz campanhas de mutirões de limpeza durante todo o ano. Em 2024, conforme a pasta, já foram feitas 14 ações, que resultaram no recolhimento de mais de 17 toneladas de resíduos em cerca de 3.200 imóveis. As larvas do mosquito reproduzem, cerca de 80%, em focos dentro de casa. De acordo com o último Levantamento Rápido de Índices para Aedes aegypti (LIRAa), de outubro de 2023, 86,9% dos focos estão nas casas. Os criadouros predominantes em cada área são: 33,1% em pratinhos de plantas, 21% em inservíveis (embalagens de algum produto) e 8,9% em recipientes domésticos.

NÚMEROS DA COVID-19

De acordo com o último Boletim Epidemiológico de combate ao coronavírus – COVID-19, em Belo Horizonte, de 7 de fevereiro, divulgado pela SMS, 5.271 casos foram notificados, 580 confirmados, com dois óbitos em 2024. O número de casos da doença cresceu 53% em Belo Horizonte, entre 31 de janeiro e 7 de fevereiro, segundo dados dos dois últimos boletins epidemiológicos divulgados pela Secretaria de Saúde de BH. O número de infectados saltou de 378 pessoas para 580, em apenas uma semana.


O infectologista Leandro Curi, enfatiza que a transmissão da COVID, mesmo com a vacinação, continua ocorrendo. "O que não quer dizer que vai aumentar a mortalidade, mas o número de casos da COVID-19 certamente.”


Curi destaca que, como já se verificou o aumento de números de casos de COVID em outros carnavais e festas de fim de ano, o avanço agora é também esperado. "Como é uma virose comum, tem sintomas que podem assemelhar a outras, como gripe, dengue, resfriado, etc. Sinais parecidos nos primeiros dias, como mal-estar, febre, dor no corpo, falta de apetite, diarreia.” (Com Sílvia Pires) 

EMERGÊNCIA EM MINAS

No dia 29 de janeiro, Minas Gerais entrou em estado de emergência de saúde pública causada pelos aumentos de casos de dengue e chikungunya. A medida foi publicada no Diário Oficial do Estado e é válida pelos próximos seis meses. No decreto, o governador Romeu Zema determinou a criação do Centro de Operações de Emergências de Arboviroses (COE-Minas Arboviroses) para o acompanhamento dos casos.