Falando de flores
"Pareceu uma passagem secreta que me levaria a um local que só quem sabe ser grato é capaz de vislumbrar"
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Adoro flores. Adoro distribuí-las. As que estão em vasos, em plena troca de seivas e fluídos com a terra ou o ar, e as cortadas, separadas de seu caule principal e inicial. Me desculpo com cada uma quando as retiro de seu habitat, ali colocadas por obra da natureza ou por vontade das mãos de seu semeador.
Acredito que são seres mágicos que se oferecem para serem encaminhados a quem gostamos ou gostaríamos que nos reparassem. Inclusive, sempre que preciso que alguém se lembre da minha existência, lhe envio flores. As entrego aos amigos, parentes, conhecidos ou até mesmo aos que pouco me conhecem de fato. As envio por todo, qualquer ou nenhum motivo.
Elas trazem em si um universo a ser imaginado e criado e traduzem muitos sentimentos dos tangíveis, possíveis de serem descritos, aos da ordem do sobrenatural, longe do alcance de nossa pequenez mental.
Meu quintal, com aspirações a jardim, é cheio delas. Agora é hora das bastões de imperador, espécies de tulipas cor-de-rosa, cujas folhas alcançam até cinco metros de altura na tentativa de escancarar sua grandeza, assim como de proteger suas flores robustas e majestosas. Na retaguarda, as próximas da fila a espera de alcançar altura e maturidade para serem transformadas em presentes, estão as helicônias. Duram semanas se imersas na água e custam a desfolhar e a desbotar.
Em uma das vezes que passei uma temporada entre um e outro país do continente africano, no dia em que retornei, meu marido me fez uma surpresa. Menino do dedo verde que é, arrematou em uma espécie de leilão três dezenas de orquídeas ainda sem flores e as enfileirou no caminho que leva ao meu ateliê de costura.
Pareceu para mim uma passagem secreta que me levaria a um local que só quem sabe ser grato é capaz de vislumbrar. Prometiam flores no futuro caso se sentissem em casa no presente. Talvez seja esse o mistério das flores: não veem os desafios como um desastre a ser combatido; do contrário, se tornam mais belas e perfumadas como fazem seres de luz.