Tributo ao manual
Desfile coletivo não deixa esquecer que a moda mineira se constrói através de mãos criativas e talentosas
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“Ó, Minas Gerais. Quem te conhece não esquece jamais”. Não poderia ser mais acertada a escolha da música que abriu o desfile coletivo do projeto “Passarela da Liberdade”, no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, no último dia 22. O momento era de dar o máximo de visibilidade para a moda mineira e mostrar que o trabalho criativo no estado tem tudo para ser inesquecível.
“Esse é um momento importantíssimo, em que a moda mineira volta a ter um palco. Nós somos precursores, sempre fomos um polo do Brasil, e agora o Passarela da Liberdade resgata isso. Não só a economia criativa, mas a cultura”, destacou o presidente da Associação dos Criadores e Estilistas de Minas Gerais (A.Criem), Antônio Diniz, o Toninho, à frente do evento promovido pelo Governo de Minas, que está em sua quinta edição e lotou o Grande Teatro, com mais de 1500 lugares.
Nesta edição, com o tema “Minas feita à mão”, o desfile reverenciou o que caracteriza a moda daqui. “É o bordado, o acabamento, a construção da roupa. A mão de ouro que transforma a moda. Cada um tem o seu design e a sua história para contar”, apontou Toninho, que levou para a passarela um look barroco com a capa que o avô vestia quando saía de cavalo para vender queijos.
Ao fundo da passarela, uma projeção transitou entre o nascer e o pôr do sol. A trilha sonora era da Orquestra Sinfônica da Polícia Militar de Minas Gerais, cujo maestro ganhou protagonismo ao ficar posicionado bem ao centro do palco. Os modelos, orientados pelo diretor, Bill Macintyre, ocuparam todos os cantos do tablado, em um vai e vem coreografado que quase dava a impressão de que se chocariam.
Seguindo a cartela de cores do off white aos marrons, com pitadas de vermelho e preto, 41 looks apareceram em harmonia graças ao trabalho do stylist Giovanni Frasson e evidenciavam as texturas alcançadas com diferentes trabalhos manuais. O que abriu o desfile, de Andréa Aquino, promovia o encontro entre a precisão da alfaiataria e a delicadeza do tear manual e o macramê, que formava longas franjas. O off-white simbolizava a pureza do fio em sua essência.
Inspirado nas cerâmicas do Vale do Jequitinhonha, o casaco marrom de chiffon de Larissa Villanova apresentou uma técnica com resultado surpreendente. “Ele é feito de tiras onduladas que foram sendo moldadas e se encaixando, como se fosse uma cerâmica”, explicou a estilista, que desenvolveu esse fazer manual para a última coleção da M.Rodarte, onde trabalha, só que na organza.
Já o vestido tomara que caia longo de Valéria Duarte representava a história do bicho-da-seda, desde o casulo até o tecido em si, na cor do “pingado” mineiro, com várias intervenções. “Minas ensinou o bicho-da-seda a arte de esperar no crochê, no macramê, nos bordados...” A cauda, pintada com borra de café, fazia menção à asa, já na fase de inseto.
Entre os looks que mais chamaram a atenção pelo feito a mão, está o de Alexandre Mor, que homenageou a cestaria de palha com corselet estruturado e maxi chapéu. Thalita Rodrigues fez um trabalho interessante com tiras de pelica italiana com o “Trajeto Moda”, projeto do governo de corte e costura voltado para mulheres em situação de vulnerabilidade social, e Aislan Batista ousou com a escolha do látex e bordados manuais de plástico e pedrarias.
Talentos do interior
Participaram desta edição representantes de três cidades do interior: Uberlândia, Jacutinga e Paraguaçu. Evyllen Kethlen, de Uberlândia, criou um vestido de festa em tons de bege com mix de texturas: plissados, babados, trançados inspirados na cestaria e bordados com capim dourado. “Meu look foi inspirado nas viagens para a fazenda dos meus bisavós, no interior de Minas Gerais. Sempre fiquei muito encantada com as montanhas e aquele volume me trouxe a inspiração.”
Dia de estreias
Quatro novos criadores se juntaram ao time de veteranos, cada um indicado por uma faculdade de moda de BH. “No fim, queremos que eles aceitem um pouco a nossa experiência, sem tolher a criatividade”, pontuou Victor Dzenk, que orientou a criação dos estreantes e também assinou um look do desfile. Era um vestido off white em seda pura com renda chantili e flores bordadas com vidrilhos e canutilhos. “Quase uma noiva”, disse.
Os novatos eram Isabela Mendes (Uemg), criadora do vestido curto de mangas bufantes com flores de crochê, que remetem à tapeçaria da casa da sua avó; Henrique Mattos (UFMG), que levou a fachada das igrejas barrocas para blazer e calça de tecido maquinetado com cruzes bordadas em pedraria, Sofia Barbi (Fumec), com seu trabalho de figurino em um look que se destacou pelo corset de argila termoplástica; e Débora Regina (UNA), que assinou o casaco com ombreira e gola volumosas e barra de macramê combinado com saia feita de pedaços de madeira.
Memória viva
O desfile teve dois momentos especialmente emocionantes, com homenagens a dois estilistas que nos deixaram (por coincidência, no mesmo mês, em maio deste ano).
Cássio Vital não escondeu a emoção de desenhar um vestido em memória de Edna Thibau. Os dois trabalharam juntos por mais de 40 anos na Alphorria. “Quis usar a cor que ela mais gostava e a silhueta que ela mais amava. Então, fiz um sereia preto.” O estilista ainda resgatou uma textura criada para um desfile do São Paulo Fashion Week de tule recoberto com fitas de cetim plissadas. “Senti a presença dela o tempo todo. Ainda sinto, sabe?”
Amarildo Ferreira foi lembrado em um look todo jeans, tecido que o fez conhecido, desenhado por Bárbara Luiza de Oliveira e Andréa Aquino. Nas costas da jaqueta, estava estampado o rosto dele.