Projeto Nove de Athos Henrique -  (crédito: Mateus Lustosa/Divulgação)

Projeto Nove de Athos Henrique

crédito: Mateus Lustosa/Divulgação

 

“Agora considero que talvez esteja saindo do início da minha carreira. O mercado consegue olhar meu trabalho com respeito, me reconhecer como estilista e me absorver com mais maturidade”, comemora Athos Henrique, coordenador de estilo da Tufi Duek e criador do Projeto Nove. Revendo sua trajetória, o mineiro de 29 anos entende que pode ser exemplo para que outros jovens negros e de periferia se encorajem a investir no talento e buscar sonhos. Como sabe bem o que quer na moda, ele começa a planejar uma carreira internacional.


Até sentir essa evolução, passaram-se 13 anos. “É uma história longa”, anuncia Athos, como se um filme passasse pela sua cabeça. Aos 13 anos, ele fez um curso de costura na Cidade dos Meninos, em Ribeirão das Neves, na Grande BH, instituição que atende jovens em situação de vulnerabilidade social. Pouco antes, tinha ouvido do pai, professor de mecânica: você tem que começar a escolher um caminho profissional. Athos se lembrou das figuras femininas que desenhava nos cadernos para tomar a decisão.
O então adolescente emendou cursos de costura de lingerie, ilustração e aprendizagem em vestuário – nessa época, fez estágio em uma fábrica de jeans. Com muita insistência, conseguiu um emprego na marca Apartamento 03, do mineiro Luiz Claudio Silva, hoje incorporada ao Grupo Nohda.

“Quero ser cada vez mais experimental e não ter a necessidade de comercializar
as peças”

Athos Henrique
Estilista


“Tinha acabado de acontecer o primeiro Minas Trend no Expominas e ali comecei a ter contato com as marcas. Mentia falando que era blogueiro, me enfiava no backstage, um horror, mas isso me ajudou a conhecer pessoas e ser quem eu sou. Fiquei apaixonado pelo trabalho do Luiz e todo santo dia ligava pedindo emprego”, conta.


O jovem passou por marcas como Chicletes com Guaraná (hoje B.Bouclé), Mabel Magalhães, Coven e Thays Temponi. De assistente saltou rapidamente para coordenador de produção, isso aos 20 anos. “Sempre quis aprender de tudo e muito rápido, entendia que não tinha tempo para perder. Fazia drapeado, bordado, se faltava alguém ia para corte, ou para a costura, era uma loucura.”
Em passagem relâmpago por São Paulo, trabalhou como assistente do stylist Rodrigo Polack. Depois voltou para BH como assessor de marketing da Printing.


Nessas idas e vindas, juntou dinheiro para realizar o sonho de ter sua marca própria, a Projeto Nove. O nome se refere ao lugar onde morava em São Paulo (um quarto de número 9) quando teve a ideia. “Ninguém dava bola para mim como estilista, achavam que não tinha esse perfil, morava na periferia, não frequentava as mesmas rodas, e a gente sabe que a moda funciona assim. A vida inteira atendi sob medida enquanto trabalhava nas fábricas e o projeto era para as pessoas entenderem que fazia roupa e validar meu trabalho como estilista.”

Sucesso imediato

Em 2019, ele lançou a primeira coleção na feira Quermesse da Mary e vendeu tudo em dois dias. Aí fez outra coleção e passou a trabalhar com pequenas cápsulas (média de 10 peças por vez), como estava nos planos. Uma delas foi parar na passarela da plataforma latino-americana Brazil Immersive Fashion Week (BRIFW) e no e-commerce da gigante C&A.


A temporada de três anos na NK Store, em São Paulo, foi um “divisor de águas” na carreira de Athos. Foi a primeira marca a enxergá-lo como estilista e levá-lo para fora do país (nesse emprego, conheceu Paris e Londres). Na sequência, ele aceitou o convite, que o trouxe de novo a BH, para ser o coordenador de estilo da Tufi Duek.


Em paralelo, o estilista toca o Projeto Nove, um lugar de total liberdade criativa. Venda é consequência. “Quando você precisa vender, tem várias travas. Quero ser cada vez mais experimental e não ter a necessidade de comercializar as peças”, avisa.


Técnica e qualidade

Athos se orgulha em dizer que todas as modelagens são suas e, se precisar, corta e costura. Como trabalhou por tanto tempo dentro de fábrica, ele sempre foi de fazer muito e de tudo. “Gosto de enxergar técnica no meu trabalho. A roupa tem que ser bem costurada, ter um avesso bonito e vestir bem. Seja camiseta ou vestido de festa, os dois têm que ter o mesmo padrão de qualidade. Faço roupa boa de verdade, independentemente do que seja”, diz o mineiro, que está fazendo aulas com um alfaiate das antigas e, possivelmente, seu próximo projeto será de alfaiataria.


Na última coleção, “Álbum de memórias”, ele reconta sua própria história. “Passei um ano e meio fotografando minha vida em câmera analógica para reconstituir meu álbum. Tinha oito anos quando a minha mãe foi presa e perdi todos os registros, não ficou nada. Só uma foto minha com um conjunto jeans que fica em um porta-retrato, que carrego para onde vou”, explica, relembrando um episódio doloroso da sua vida.


Athos decidiu refazer esse conjunto jeans e disso saiu toda a coleção. Fazem parte do mix desde camisetas (como a que tem o escrito “Não nasci para tomar baculejo”, em referência à forma como a polícia aborda corpos negros) até conjuntos de paetê, passando por calças amplas de alfaiataria.


Referência de trabalho

O criador não tem pretensão de virar estilista famoso, mas quer ser uma boa referência de trabalho para o mercado da moda. Mostrar, principalmente para jovens com talento e sem perspectivas, que é possível ser alguém independentemente de onde você venha.
“Amo fazer moda e sempre falo que a carreira é o que tenho de mais precioso. Vindo de onde vim, com a história que tive, o fato de a minha mãe ter sido presa, de morar em periferia, tirei tudo isso do pó. Então, fazer esse trabalho é uma vitória muito especial para mim. Por isso, estudo e quero estudar e aprender cada vez mais. Sou uma pessoa muito dinâmica, mas com focos muito claros. Sei o que quero e, quando não sei, sei muito bem o que não quero”, comenta o estilista, que se enxerga no fim da vida em uma casa brutalista em Alter do Chão, no Pará. n