"Comecei a sentir a necessidade de ser um corpo vivo em BH", diz a designer Suka Braga, no estúdio recém-inaugurado, cercada pelos centros de mesa Bateia

crédito: Ana Junqueira/Divulgação

 

O vazio pode ser angustiante e desesperador. Para Suka Braga, é pura inspiração. Ela está sempre em busca do vazio para criar objetos de casa, que transitam entre utilitários e decorativos, entre arte e design. “Normalmente, as pessoas têm a impressão de que vazio é ruim, é vazio. Na realidade, é um cheio. Ali você encontra possibilidades imensas”, aponta a designer, que, no ano passado, inaugurou estúdio em Belo Horizonte, ao sentir a necessidade de se mostrar mais para o seu estado.

A busca por momentos de vazio é uma constante. “A minha vida é uma loucura, mas tenho a necessidade de ficar uma semana quase sem olhar para a janela. Meu processo passa muito por isso, por esse silêncio, por não estar no meio social. Quando estou em um ambiente vazio, consigo pensar em novas possibilidades. Vazio, silêncio, ausência e solidão são combustíveis para mim”, ela explica.

Suka é o apelido de Maria da Conceição Aparecida Braga, natural de Moeda, na Grande BH. “Falo que não tinha como trilhar outro caminho que não fosse trabalhar com metal. Nasci numa cidade que se chama Moeda, onde teve a primeira casa de fundição clandestina do Brasil. Era o caminho do ouro que saía de Minas”, destaca a designer, que começou a carreira na joalheria e continua a usar metais nos objetos de casa.

Aos 20 e poucos anos, ela descobriu o curso de desenho industrial, que era mais voltado para o universo da joalheria. Ganhou o primeiro concurso de joias do qual participou e o prêmio, além de dinheiro, era fazer estágio em uma indústria do ramo. Daí em diante, foram duas décadas prestando serviço para indústrias de joalheria.

Nesse tempo, Suka conta que viveu o auge com o processo de criação da identidade da joia brasileira e o declínio com a chegada da China. “Isso causou um impacto muito grande na joalheria. A China veio com prototipagem rápida, lapidação em cera, as indústrias se atualizaram e não havia mais espaço para designers.”

A marca Suka Braga nasceu nesse momento desolador, aparentemente vazio, mas muito efervescente do ponto de vista criativo. A proposta era desenvolver acessórios de latão e crochê, que exploravam os conceitos de afeto, memória e tempo. Foram um grande sucesso, que repercute até hoje. “Quando você vai fazer uma coleção nova de acessórios?”, não cansam de perguntar. Vai ter volta, sim, ela garante, mas sente que ainda não é a hora.


Objeto (de) concreto

Voltando ao início da marca: “Como sou uma alma inquieta, senti necessidade de abrir mais uma frente e comecei a produzir objetos de concreto. Saí do corpo e fui para a casa. Saí de um movimento mais efêmero dos acessórios e direcionei a minha pesquisa para um movimento mais concreto. O material foi importante para dar essa virada”, relembra. Disso surgiram centros de mesa, bandejas e vasos.
O centro de mesa Bateia projetou Suka para o Brasil e é vendido até hoje. O nome entrega que ele foi inspirado em uma bateia antiga de garimpo (também dá para enxergar um pião).

“São objetos que têm equilíbrio e desequilíbrio. Essa tensão entre estar estaticamente parado e em movimento se relaciona com o conceito de ‘ma’. Na música, seria o intervalo entre uma nota e outra, onde, às vezes, acontece o vazio”, explica Suka, que traz para a conversa o conceito japonês “ma”, a potencialidade do vazio. Relaciona-se com intervalo, espaço, tempo ou distância entre duas estruturas.
Vazio acaba sendo um contraponto para o que vivemos hoje, tempos de muita informação, muitas imagens, “muito de tudo”, como diz Suka. “Já não é possível viver nesse exagero e nessa exuberância, a Terra grita. Então, a maneira que encontrei para impactar menos essa loucura toda é trabalhar com resíduos da marmorarias.”

Como só usa sobras, depende da demanda do mercado. Por sorte, tem conseguido mais pedras brasileiras, justamente porque estão sendo mais procuradas, entre elas mármore branco paraná e quartzito verde. No caso dos metais, não são resíduos, mas ela utiliza e reutiliza todas as sobras possíveis.


Suka também trabalha com o conceito de “objeto silencioso”, “que vive em qualquer ambiente sem se preocupar com a data, o tempo. Passa a fazer parte da estrutura de vida da pessoa”.


De dentro para fora

Seu processo criativo não é nada convencional. Ela vai abrindo estudos e desenvolvendo pequenas séries, não necessariamente, uma coleção, à medida que avança nas pesquisas. “Às vezes, desenvolvo um projeto que fica parado anos até sentir que ele expressa o que estou querendo dizer naquele momento. Falo que eu não crio, é como se eu sempre tivesse dentro de mim o tempo, a memória, o vazio e precisasse colocar para fora.”

2023 foi um ano importante para Suka. Primeiro, porque ela completou 60 anos. “Isso foi muito forte para mim e a maneira que devolvi para o mundo foi criando baús, caixinhas e gavetas, como se estivesse falando sobre o lado de dentro. Agora eu venho falar sobre o tempo, como vou aprisioná-lo, dizer que a vida é um instante.”

Na nova série, “O tempo do mundo”, destaque para os “Vasos Estóicos”, feitos em pedra ornamental (como quartzo e mármore) e com revestimento, que funciona como alça, em latão escovado. Suka chama a atenção para o parafuso borboleta, também em metal dourado, que surge como uma solução para “aprisionar o tempo”. Também fazem parte dessa série castiçais, bandejas e saboneteiras de pedra.


Acolhida em BH

O ano que passou também ficou marcado por uma realização profissional: a abertura do estúdio Suka Braga, no Bairro Santo Antônio. Lá não é uma loja, é um espaço de produção e exposição dos objetos, que pode ser visitado com hora marcada.

“Comecei a sentir a necessidade de ser um corpo vivo em BH. Apresentava as minhas coleções em São Paulo e as pessoas daqui não conheciam meu trabalho a não ser por foto. Estava sentindo necessidade de mostrar meu lado de dentro para a própria cidade. Amo São Paulo, serei eternamente grata àquela cidade, que me deu e me dá muitas alegrias, mas dentro de mim tinha a necessidade de criar e ser acolhida por BH.” E é assim que ela está se sentindo: acolhida e com o “coração quentinho”.

Suka entende esse movimento como uma forma de valorizar o design mineiro. “Somos um celeiro de designers maravilhosos, tanto que as joalherias de fora tinham como regra contratar mineiros, porque eram os melhores. Mesmo nesse mercado de design autoral, os mineiros são importantes. Mas acho que estamos muito apagados e a cidade não nos acolhe tanto. Acredito que deveriam existir movimentos, inclusive incentivos governamentais, para termos uma representatividade maior no próprio estado. ”