O uso indevido do cartão corporativo por servidores públicos volta e meia vira manchete, e o caso fictício de um churrasco custeado com o Cartão de Pagamento do Governo Federal (CPGF), em 2025, ilustra de forma direta como a banalização do dinheiro público pode se transformar em um enorme problema pessoal, com devolução de valores, sanções e marcas permanentes na carreira.
Quem era a servidora e como o cartão entrou na rotina dela
A protagonista deste caso é Ana Beatriz Almeida, 42 anos, analista administrativa em um órgão federal em Goiânia, com quase duas décadas de serviço público. Pela confiança conquistada, passou a ser gestora do cartão corporativo do setor, lidando com pequenos pagamentos, passagens, hospedagens e despesas emergenciais.
Ana utilizava o CPGF por meio de um cartão nominal, vinculado à unidade em que trabalhava, e tinha a rotina de uso tão incorporada que o procedimento se tornou quase “automático”, reduzindo o cuidado na separação entre gastos de serviço e despesas privadas, o que abriu espaço para o erro grave que viria a seguir.

Como o churrasco pago com cartão corporativo gerou a condenação
O episódio começou com uma confraternização após o fim de um grande projeto, organizada para celebrar metas cumpridas em um fim de semana, em um sítio na região metropolitana. A reunião foi tratada informalmente como “integração de equipe”, sem qualquer ato oficial que a caracterizasse como evento institucional.
Na véspera do encontro, Ana foi ao supermercado e pagou carnes, bebidas e demais itens com o cartão corporativo, totalizando cerca de R$ 11.700. Apesar de alertas informais de colegas, a despesa foi lançada na prestação de contas como “reunião de trabalho”, sem pauta formal, ordem de serviço ou qualquer documento que comprovasse atividade oficial.
O que a legislação permite quanto ao uso do cartão corporativo
O caso de Ana contraria diretamente as normas que regulam o Cartão de Pagamento do Governo Federal, disciplinado principalmente pelo Decreto nº 5.355/2005. Esse decreto deixa claro que o cartão existe exclusivamente para custear despesas de serviço, ligadas à atividade pública, e nunca para fins particulares ou festivos.
Além disso, a conduta pode ser enquadrada na Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa), que pune o uso de bens e valores públicos em benefício próprio ou de terceiros, inclusive quando não há enriquecimento ilícito direto, mas há desvio de finalidade e violação dos princípios da legalidade e moralidade.
Como o Tribunal de Contas da União avaliou esse tipo de gasto
Em auditoria de rotina sobre gastos com cartões corporativos, a despesa se destacou pelo valor e pela natureza claramente privada, levando o caso ao Tribunal de Contas da União (TCU). O Tribunal analisou notas fiscais, registros no sistema de pagamentos e as justificativas apresentadas pela unidade de Ana.
Para chegar à conclusão de irregularidade, o TCU aplicou critérios que hoje orientam a fiscalização de cartões corporativos, avaliando não só a legalidade formal, mas também a aderência aos princípios constitucionais que regem a administração pública.
Conferência de Despesa
Verifique se a despesa é estritamente de serviço e se atende ao interesse público.
Análise da Moralidade
Realize a análise da moralidade administrativa, conforme o artigo 37 da Constituição Federal.
Verificação de Transparência
Certifique-se da transparência e da completude da prestação de contas.
Identificação de Desvios
Identifique qualquer desvio de finalidade ou confusão entre patrimônio público e privado.
Quais foram as consequências práticas para a carreira da servidora
Com a decisão do TCU, Ana foi condenada a ressarcir integralmente os R$ 11.700, com juros e correção, além do pagamento de multa, e o caso foi encaminhado ao Ministério Público para eventual ação de improbidade. Paralelamente, seu órgão instaurou processo administrativo disciplinar para apurar a responsabilidade funcional.
No âmbito interno, o uso indevido de verba pública foi tratado como falta grave, com impactos imediatos: perda da função de confiança, forte abalo à imagem profissional e risco concreto de demissão e outras sanções futuras, a depender do desfecho das instâncias de controle e judiciais.
Que lições esse caso traz para quem usa cartão corporativo
Embora ficcional, a história de Ana reproduz fielmente o entendimento consolidado pelos órgãos de controle: qualquer desvio de finalidade no uso do CPGF, ainda que em situações aparentemente “inocentes”, como um churrasco com colegas, gera responsabilização pessoal e pode comprometer toda uma trajetória no serviço público.
Se você já utiliza ou poderá utilizar o cartão corporativo, o momento de agir é agora: revise as normas internas, estude o Decreto nº 5.355/2005, a Lei nº 8.429/1992 e os entendimentos do TCU, cobre treinamentos formais no seu órgão e nunca autorize despesas sem vínculo claro com o interesse público — um único deslize pode custar anos de carreira, estabilidade e reputação.




