O relógio marcava quase nove da manhã quando Maria Cristina Nogueira, 54 anos, entrou mais uma vez no fórum de Campinas, em São Paulo. Há mais de dez anos ela acompanha o mesmo processo: uma disputa de herança que dividiu a família, interrompeu contatos e transformou encontros de fim de ano em silêncio. O caso começou em 2013, após a morte de seu pai, o comerciante aposentado Antônio Nogueira, então com 78 anos. Desde então, irmãos que antes administravam juntos uma pequena rede de mercearias passaram a se enfrentar por meio de ações e recursos.
Na certidão de óbito, o falecimento de Antônio parecia apenas mais um registro. Nos bastidores, porém, ele deixara um patrimônio considerável: três imóveis, uma chácara e participação em uma empresa familiar. Sem planejamento sucessório e com um testamento particular contestado, abriu-se caminho para uma longa disputa entre Maria Cristina, seu irmão Ricardo Nogueira, 50 anos, e a meia-irmã mais velha, Helena Martins, 60 anos, fruto de um relacionamento anterior de Antônio.
Como a herança transformou a rotina da família Nogueira?
O conflito começou poucas semanas após o velório. Ao procurar documentos para o inventário, Maria Cristina encontrou um testamento de 2010, em que Antônio destinava a maior parte da chácara e das cotas da empresa para Ricardo, alegando que o filho mais novo se dedicara aos negócios. Helena, que morava em outra cidade, só soube do documento quando o advogado de Ricardo tentou registrá-lo em cartório. A partir daí, a relação tornou-se estritamente processual.

A rotina familiar mudou: festas de aniversário foram evitadas, grupos de mensagens desfeitos e sobrinhos que conviviam diariamente deixaram de se ver. Paralelamente, acumulavam-se perícias para avaliar imóveis, pedidos de anulação do testamento, discussões sobre doações em vida e questionamentos sobre a real participação de cada herdeiro nos negócios do pai.
Quais leis brasileiras regem a disputa de herança que durou mais de uma década?
O caso está fundamentado no Código Civil brasileiro e no Código de Processo Civil. Destacam-se:
- Sucessão legítima e testamento: artigos 1.784 a 1.790, que tratam da abertura da sucessão, ordem de vocação hereditária e direitos de descendentes e cônjuge.
- Herança necessária: artigos 1.845 e 1.846, que definem os herdeiros necessários e a proteção da legítima, parte que não pode ser retirada desses herdeiros.
- Testamento e sua validade: artigos 1.857 a 1.990, que regulam tipos de testamento, requisitos de validade e hipóteses de nulidade ou anulação.
O inventário e a partilha seguem os artigos 610 a 673 do CPC, que disciplinam inventário judicial, partilha amigável ou litigiosa, inventariante e avaliação de bens. A discussão sobre Helena como filha e herdeira remete aos artigos 1.596 e 1.597 do Código Civil, que garantem igualdade de direitos entre filhos, qualquer que seja a origem da filiação.
Por que a meia-irmã Helena decidiu contestar o testamento?
Helena alegou que o pai apresentava fragilidade física e lapsos de memória nos últimos anos. Com base no artigo 1.857, §1º, do Código Civil, sustentou que o testador deve ter plena capacidade ao manifestar sua vontade. Para ela, o documento não refletia a verdadeira intenção de Antônio, mas a influência de Ricardo, que administrava as finanças e acompanhava o pai.
Os principais pontos levantados na ação foram:
- Capacidade do testador: análise de laudos e prontuários médicos para verificar eventual comprometimento cognitivo.
- Forma do testamento: verificação de requisitos legais, como testemunhas e formalidades.
- Respeito à legítima: checar se o testamento ultrapassou a parte disponível do patrimônio, prejudicando herdeiros necessários (arts. 1.846 e 1.857).

Com o tempo, o processo ganhou volume: e-mails, mensagens e depoimentos de amigos do pai foram anexados, criando um emaranhado de ações paralelas, recursos e incidentes que extrapolaram o simples pedido de inventário.
Como o processo de inventário se arrastou por mais de dez anos?
Aberto em 2013, o inventário enfrentou trocas de advogados, mudança de juízes e várias tentativas de acordo fracassadas. A falta de consenso sobre venda ou divisão dos imóveis impediu o encerramento da partilha. Em certos períodos, a ação ficou meses parada à espera de perícias ou decisões sobre recursos.
Entre os fatores que prolongaram o processo, destacam-se:
- Conflito entre herdeiros: ausência de diálogo e recusa em propostas intermediárias.
- Dúvidas sobre bens e dívidas: necessidade de localizar contas, contratos e doações anteriores.
- Discussão do testamento: ação de anulação que impedia conclusão definitiva do inventário.
- Recursos sucessivos: uso de apelações e agravos, previstos no CPC, que levaram a discussão a instâncias superiores.
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