A nova regra de autocuratela aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2024 trouxe uma mudança relevante para a organização da vida civil no Brasil. A partir dessa normativa, qualquer pessoa com 18 anos ou mais pode registrar em cartório, por escritura pública, quem será responsável por sua saúde e por seu patrimônio caso, no futuro, fique incapaz de tomar decisões.
O que é autocuratela e qual é a palavra-chave nesse debate
A palavra-chave central nesse debate é autocuratela, expressão que designa a possibilidade de a própria pessoa, enquanto está lúcida, definir quem será seu curador no futuro. Trata-se de um instrumento de planejamento pessoal e patrimonial que se concretiza por meio de uma escritura pública lavrada em cartório de notas, podendo inclusive conter orientações gerais sobre cuidados de saúde e diretrizes sobre gestão de bens.

Ao contrário da curatela tradicional, que costuma ser discutida apenas quando a incapacidade já está instalada, a autocuratela atua de forma preventiva e planejada. Idosos, pessoas com deficiência e indivíduos com doenças progressivas podem se valer desse mecanismo para registrar com antecedência a preferência por um curador específico, reforçando sua autonomia mesmo em cenários de eventual perda de discernimento.
Como a autocuratela funciona na prática
A autocuratela em cartório segue um roteiro que começa com a decisão da própria pessoa de formalizar sua escolha. O interessado procura um cartório de notas, presencialmente ou por meio da plataforma e-Notariado, e manifesta o desejo de lavrar uma escritura de autocuratela, podendo receber previamente orientação jurídica de um advogado de confiança, se desejar.
Na escritura, o declarante pode indicar um ou mais curadores, estabelecendo ordem de preferência. É comum que se defina um curador principal e um ou mais substitutos, para o caso de o primeiro não poder ou não querer assumir a função, e que se delimitem poderes, limites e, se quiser, diretrizes éticas e afetivas a serem observadas pelo curador.
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Como se dá o registro e o acesso judicial à autocuratela
Depois de lavrada, a escritura de autocuratela é cadastrada na Central Eletrônica Notarial de Serviços Compartilhados (Censec). Esse sistema nacional permite que magistrados localizem rapidamente o documento quando um processo de curatela é instaurado, evitando perda de tempo na busca por informações relevantes.
A decisão final ainda é judicial: o juiz analisa laudos médicos, ouve o Ministério Público e leva em conta a indicação feita em cartório. A diferença é que, com a autocuratela, a vontade do titular passa a ser elemento central na definição de quem exercerá a curatela, harmonizando-se com a ordem legal do Código Civil e com o melhor interesse da pessoa curatelada.
Quem pode ser curador na autocuratela
Uma das características mais marcantes da autocuratela no Brasil é a liberdade de escolha em relação ao curador. A normativa do CNJ permite que qualquer pessoa maior de idade e capaz, em quem o titular confie, seja indicada para cuidar de sua saúde e de seu patrimônio, independentemente de vínculo familiar, desde que haja idoneidade e boa-fé.
Essa flexibilidade convive com a ordem legal prevista no Código Civil, que ainda estabelece uma sequência de preferência quando não há indicação prévia. Com a autocuratela, o juiz passa a conciliar essa lista com a indicação expressa em cartório, o que pode evitar disputas entre parentes e privilegiar vínculos de confiança efetivos, inclusive com amigos ou cuidadores.
- Curador principal: pessoa escolhida em primeiro lugar para assumir a curatela.
- Curador substituto: nome indicado para substituir o principal em caso de impedimento.
- Curador de confiança: indivíduo considerado preparado para gerir bens e decisões de saúde.
Quais são as vantagens da autocuratela para idosos e famílias

A autocuratela para idosos tem sido apresentada como um instrumento de organização da vida futura. Em um cenário de envelhecimento da população brasileira, cresce o número de famílias que lidam com doenças degenerativas, como Alzheimer e outras demências, em que a perda de capacidade ocorre de forma gradual e exige preparo prévio.
Entre os efeitos mais apontados está a prevenção de conflitos familiares e a clareza na gestão de bens e decisões médicas. Com uma escritura de autocuratela registrada, o juiz encontra um documento formal que indica quem a própria pessoa considerava mais adequada para essa missão, o que tende a encurtar debates judiciais e dar maior previsibilidade às relações familiares.
- Permitir o planejamento da curatela em momento de plena lucidez.
- Registrar a preferência por um curador de confiança, inclusive não parente.
- Reduzir disputas entre familiares sobre quem deve assumir a curatela.
- Dar previsibilidade à gestão de patrimônio e cuidados de saúde.
- Facilitar o trabalho do juiz, que passa a contar com documento claro sobre a vontade do titular.
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Como a autocuratela ajuda a proteger patrimônio e dados pessoais
A regra do CNJ também tratou de aspectos sensíveis, como sigilo da autocuratela e proteção contra golpes. A escritura tem acesso restrito: pode ser consultada pelo próprio declarante ou por determinação judicial, o que resguarda informações sobre bens, preferências médicas e escolhas pessoais, alinhando-se às diretrizes da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Do ponto de vista patrimonial, a autocuratela para proteção de bens tende a dificultar tentativas de manipulação de idosos ou pessoas vulneráveis. Em paralelo, entidades de classe e órgãos públicos têm promovido ações de orientação para explicar documentos necessários, critérios para escolha do curador e relação entre autocuratela e processo judicial, incentivando o diálogo prévio entre família, profissionais de saúde e o futuro curador.




