A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) tem sido um tema recorrente nas discussões sobre as condições de trabalho no Brasil. Criada em 1º de maio de 1943, durante o governo de Getúlio Vargas, a CLT surgiu para regularizar as condições precárias enfrentadas pelos trabalhadores urbanos no país. Inspirada em legislações europeias, essa consolidação legal trouxe direitos fundamentais como férias remuneradas, jornada de trabalho limitada, carteira assinada e salário mínimo. Contudo, em tempos recentes, uma parcela significativa da população brasileira parece estar insatisfeita com esse modelo tradicional de trabalho, o que se reflete tanto em pesquisas quanto no crescente conteúdo sobre o tema nas redes sociais.
Além das redes e debates, a CLT também enfrenta críticas no ambiente corporativo, onde empresas buscam alternativas para tornar seus processos mais ágeis e dinâmicos. O surgimento do home office durante a pandemia evidenciou ainda mais a necessidade de adaptações, pois muitas funções antes rigidamente controladas pela legislação passaram a exigir mais flexibilidade e novas formas de controle de produtividade. Com isso, a discussão sobre a atualização da CLT ganhou ainda mais força e passou a envolver diferentes setores da sociedade.
O que está por trás do descontentamento com a CLT?

A rejeição crescente à CLT parece estar conectada a uma campanha de desvalorização conduzida por coaches e influenciadores, principalmente aqueles inseridos no ambiente digital. Esses produtores de conteúdo promovem o empreendedorismo como caminho para o sucesso e a liberdade financeira, frequentemente apresentando o trabalho formal como uma barreira para o crescimento pessoal. Essa narrativa, embora atrativa, desconsidera as inseguranças inerentes ao empreendedorismo, onde a ausência de proteção legal e estabilidade financeira são riscos significativos.
Outro fator que contribui para esse descontentamento é a percepção de que o regime CLT se tornou engessado, dificultando negociações diretas entre trabalhador e empregador. Muitos acreditam que os encargos trabalhistas elevam o custo da contratação formal, prejudicando tanto empresas quanto funcionários, sobretudo em setores como tecnologia e comunicação, onde a informalidade e contratos PJ tornaram-se comuns. Essa sensação de rigidez faz com que o desejo por alternativas flexíveis ganhe espaço no debate.
Desejo de autonomia e flexibilização das relações de trabalho
De acordo com uma pesquisa do Datafolha, cerca de 59% dos brasileiros gostariam de trabalhar por conta própria, indicando uma recusa nas limitações percebidas do regime CLT. Entre os jovens de 16 a 24 anos, esse índice sobe para 68%, reflexo do apelo exercido pelas promessas de autonomia, liberdade de horários e oportunidades de crescimento pessoal observados em modelos autônomos ou no empreendedorismo.
O aumento do trabalho remoto e dos empregos informais abriu portas para a busca por maior autonomia, permitindo ao trabalhador definir seus próprios horários, condições e carga de trabalho. Esse movimento, porém, traz desafios como a ausência de benefícios garantidos, insegurança financeira e falta de proteção social de longo prazo, destacando a dualidade entre liberdade e estabilidade nas relações laborais brasileiras.
Como a CLT pode evoluir para acompanhar as novas demandas?
A diretora de recursos humanos Patricia Suzuki defende que a solução para a insatisfação não está na extinção da CLT, mas na sua adaptação aos novos tempos. A legislação trabalhista precisaria ser atualizada, levando em conta as transformações do mercado e as expectativas da nova geração que valoriza flexibilidade. Isso inclui a possibilidade de acordos de trabalho mais flexíveis, que conciliem proteção ao trabalhador com liberdade e autonomia adequadas ao contexto contemporâneo.
Nos países europeus, reformas trabalhistas recentes buscaram reduzir a rigidez sem eliminar direitos básicos, adotando modalidades como o contrato intermitente e o teletrabalho. Especialistas sugerem que o Brasil pode se inspirar nessas experiências, fortalecendo a negociação coletiva e estimulando acordos transparentes entre empregadores e empregados, de modo a garantir a proteção diante das transformações do mercado.
Os impactos econômicos da migração para modelos alternativos
O economista Gabriel Senna alerta que a migração em massa de trabalhadores do regime CLT para modelos de trabalho como o de pessoa jurídica (PJ) pode impactar de forma negativa a economia. A diminuição das contribuições previdenciárias e tributárias enfraquece o sistema de proteção social, afetando a sustentabilidade da aposentadoria pública. Assim, menos formalização no mercado de trabalho pode dificultar o planejamento econômico do país, uma vez que leva à redução da capacidade de investimento estatal.
Além disso, a informalidade dificulta o acesso aos direitos básicos de muitos trabalhadores, como proteção em caso de doença ou desemprego, comprometendo a segurança financeira individual e familiar. Essa vulnerabilidade também redireciona parte dos custos sociais ao Estado, aumentando a pressão sobre os sistemas públicos de saúde e assistência social, o que pode culminar em desequilíbrios orçamentários e menor desenvolvimento econômico a longo prazo.
A cultura do empreendedorismo: limites e desafios
A cientista de dados sociais Jéssica Matheus levanta um ponto importante sobre a cultura do empreendedorismo: ela pode promover uma visão individualista que desconsidera a importância dos direitos coletivos. Embora o empreendedorismo ofereça uma alternativa à insatisfação com a CLT, ele também reforça a lógica de que o sucesso depende unicamente do indivíduo. Essa perspectiva ignora as desigualdades estruturais e econômicas, desviando o foco de discussões coletivas sobre condições de trabalho mais justas.
Para minimizar esse impacto, especialistas apontam para a necessidade de políticas públicas que estimulem a criação de redes de apoio aos pequenos empreendedores, para que estes não fiquem expostos aos riscos sozinhos. Ao mesmo tempo, ressalta-se a relevância de manter direitos sociais e trabalhistas como base para uma sociedade mais igualitária, mesmo diante do crescimento da cultura empreendedora e autônoma.
O futuro do trabalho e a integração entre CLT e novas alternativas
A discussão sobre a CLT no Brasil destaca a necessidade de equilibrar valores tradicionais de proteção aos trabalhadores com as demandas por flexibilidade e autonomia. Através de um diálogo constante e adaptativo, a legislação trabalhista pode evoluir para incluir essas novas demandas, garantindo que continue a ser um modelo viável e protetor no mercado de trabalho brasileiro. Inovações como contratos híbridos, banco de horas mais flexível e regulamentação do teletrabalho são caminhos a serem explorados pelo legislador.
Por fim, especialistas concordam que o futuro do trabalho no Brasil dependerá da capacidade de criar mecanismos que conciliem proteção social e liberdade individual. Somente assim será possível atender tanto aos anseios da nova geração quanto à necessidade de segurança social, construindo um mercado de trabalho em sintonia com o dinamismo e a diversidade da sociedade brasileira contemporânea.