Do PIX ao streaming, economia digital move trilhões e mexe no seu bolso
Setor deve atingir US$ 24 trilhões em 2025, ou 21% do PIB global. Tecnologia acelera serviços e consumo, mas exige atenção aos impactos financeiro e trabalhista
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Júlia Pelinson
Especial para o Estado de Minas
Quando falamos em economia digital, nos referimos a todas as atividades econômicas que dependem de infraestrutura digital para funcionar, seja internet, nuvem, plataforma ou até inteligência artificial (IA). No dia a dia, essas atividades aparecem, por exemplo, nas transações financeiras, nas lojas virtuais, nos aplicativos de transporte urbano e de entrega de refeições e nos streamings de filmes, músicas e jogos. Não surpreende, portanto, que a economia digital alcance US$ 24 trilhões em 2025, o equivalente a cerca de 21% do PIB global, de acordo com o relatório Digital Economy Trends 2025, da Digital Cooperation Organization (DCO).
Para entender como esse universo afeta o consumidor médio, é preciso descer do plano macro para o cotidiano. Começando pelas tecnologias financeiras, o avanço do PIX e outras formas de pagamento online faz com que o dinheiro transite mais rápido e sem grandes taxas bancárias. Segundo o Banco Central, no 1º semestre de 2025, os brasileiros realizaram 36,9 bilhões de transações via PIX, o que corresponde a 50,9% de todas as operações de pagamento desse período. A instantaneidade do PIX beneficia negócios locais ou informais, porque diminui a dependências de maquininhas caras ou longos prazos de recebimento. Para quem compra, a vantagem é dupla: menos custo e mais praticidade.
Acúmulo de streamings
Os streamings de filmes, séries e novelas já fazem parte do orçamento das famílias brasileiras. Uma pesquisa da Nexus, de julho de 2025, mostrou que 72% dos brasileiros das classes A, B e C assinam algum serviço de streaming de vídeo. Desses, 27% assinam 1 plataforma, 26% assinam de 2 a 3 plataformas, e 19% assinam 4 ou mais. No ranking de popularidade, a Netflix fica com 59% de assinaturas, a Prime Video, 33%, a Globoplay, 26%, enquanto HBO Max e Disney têm 22% cada.
Esses dados apontam que o consumidor brasileiro deve estar mais atento à armadilha do stacking, que é o acúmulo desses serviços pagos. Como cada plataforma tem catálogo próprio (incluindo títulos exclusivos) e preços relativamente baixos de forma isolada, o ato de “somar só mais um streaming” parece inofensivo.
Muitas vezes essa adição é feita para o acesso a uma única série ou para aproveitar um desconto por tempo limitado. Assim, a baixa percepção de custo unitário pode gerar uma pilha de plataformas assinadas, que “comem” uma parcela significativa do orçamento mensal das pessoas das classes B e C. Uma pesquisa da Bango mostra que o brasileiro gasta, em média, R$ 118 por mês com serviços de streaming.
Entre os streamings de música, embora o número de assinaturas não seja tão expressivo no país, nos relatórios da Luminate chama a atenção o crescimento da contratação do serviço premium, com um aumento de 18,8% de 2023 para 2024, e o volume de consumo geral (gratuito + assinatura): 195,4 bilhões de reproduções só entre janeiro e julho de 2025. Esse dado coloca o Brasil como 4º maior consumidor de streamings de música no mundo, atrás somente de EUA (765 bilhões), Índia (235,5 bilhões) e México (226 bilhões).
Inteligência artificial (IA)
A inteligência artificial, por sua vez, é um dos principais motores de transformação da economia digital, tem um impacto na vida das pessoas que é tão amplo quanto desigual. No mercado de trabalho, funções padronizáveis tendem à automatização. Um caixa de supermercado, por exemplo, vê sua atividade progressivamente substituída por sistemas de autoatendimento, um avanço tecnológico que visa a eficiência do negócio com menor custo, mas que pressiona diretamente a remuneração e a existência dessa ocupação.
O relatório da DCO mostra uma percepção de concentração de poder diante do risco de poucas empresas dominarem o setor. A pesquisa, realizada com diretores de tecnologia (CTOs) e profissionais sênior na área de tecnologia, cobriu todos os países do G20, do qual o Brasil faz parte. Para os próximos 3 a 5 anos, 43,2% dos entrevistados esperam um aumento na concentração do setor com redução da concorrência, 33,2% esperam um aumento na diferença entre a renda do capital e a do trabalhado, 27,1%, um aumento na disparidade salarial, e 28,7%, um decréscimo no número de postos de trabalho.
Publicidade hiper personalizada
Em uma visão mais micro, outra face da IA que mexe com o bolso do consumidor é a publicidade hiper personalizada. Ela é capaz de analisar o comportamento e o histórico de compra das pessoas para sugerir produtos e serviços não solicitados via e-mail, redes sociais e banners em sites, com jornadas difíceis de evitar. O efeito é o aumento do consumo por impulso.
A pesquisa CX Trends 2025, da Octadesk e Opinion Box, mostra que 66% dos consumidores entrevistados — pessoas acima de 16 anos de todas as regiões do Brasil, das classes A e B (16%) e C, D e E (84%) — já foram impactados por alguma experiência de compra personalizada, e 68% admitem que uma experiência personalizada tem influência ou muita influência na sua decisão de compra; contra 31% que afirmam pouca ou muito pouca influência, e 1% que afirma zero influência.
Outra prática de mercado que vem sendo adotada é a personalização de preços, com direcionamento de ofertas mais caras ou com menor desconto para certos perfis de consumidor. O preço é calculado com base no histórico de compras e de navegação, e na localização do consumidor. Ou seja, o valor estabelecido é aquele que, supostamente, o consumidor estaria apto ou disposto a pagar, e não o valor que o produto ou serviço tem em si — uma prática já apontada como antiética por especialistas, a exemplo de Dora Kaufman, autora dos livros “Desmistificando a inteligência artificial” (Autêntica, 2022) e “A inteligência artificial irá suplantar a inteligência humana?” (Estação das Letras e Cores, 2019).
Envolto nessa teia da economia digital, com seus benefícios e malefícios, o que o consumidor brasileiro pode fazer, de imediato, é buscar autoconscientização financeira para virar o ano em menor sufoco.