Rosa Parks (centro) após uma decisão da Suprema Corte que encerrou o boicote de 381 dias aos ônibus segregados em Montgomery -  (crédito: Getty Images)

Rosa Parks (centro) após uma decisão da Suprema Corte que encerrou o boicote de 381 dias aos ônibus segregados em Montgomery

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Na noite de 1º de dezembro de 1955, uma mulher afro-americana de 42 anos, cansada depois de um longo dia de trabalho como costureira, embarcou em um ônibus na cidade de Montgomery, no Alabama (EUA), para ir para casa. Ela pagou a passagem e ocupou um assento vazio na parte do ônibus reservada para "pessoas de cor". Seu nome era Rosa Parks (1913-2005).

 

Cinquenta e cinco anos antes, Montgomery havia aprovado uma lei que segregava os passageiros dos ônibus por raça. A frente do ônibus era reservada para cidadãos brancos e os assentos do fundo se destinavam aos cidadãos negros.

 

E também havia o costume entre os motoristas dos ônibus de instruir os passageiros negros a ceder o seu assento se não houvesse lugares "só para brancos" vazios.

 

Quando o ônibus ficou lotado naquela noite de inverno, o motorista James Blake exigiu que Rosa Parks e três outros passageiros negros cedessem seus assentos. Mas ela se recusou.

 

"Fiz isso porque me senti desrespeitada como ser humano", contou ela mais tarde, em entrevista à BBC.

 

 

"Eu havia tido um dia difícil no trabalho, [estava] fisicamente cansada e mentalmente irritada. Eu estava farta desse tipo de coisa que precisava enfrentar como pessoa devido à nossa raça."

 

Rosa Parks (centro) andando de ônibus após fim da segregação
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Rosa Parks (centro) após uma decisão da Suprema Corte que encerrou o boicote de 381 dias aos ônibus segregados em Montgomery

A recusa de Parks teve rápida repercussão. O ônibus parou e ela foi imediatamente presa pela polícia local.

 

Em 5 de dezembro, ela foi declarada culpada de violar as leis de segregação, teve a pena suspensa e foi multada em US$ 10, mais US$ 4 de custas judiciais. Em valores de hoje, o valor total de US$ 14 em 1955 corresponde a aproximadamente US$ 160, ou cerca de R$ 785.

 

A prisão de Rosa Parks não foi um caso isolado. Ela foi consequência das leis Jim Crow, que pretendiam legalizar o racismo e marginalizar os negros americanos.

 

As leis regiam quase todos os aspectos da vida diária, negando aos negros americanos o direito ao voto e ordenando a segregação de escolas, toaletes, transporte público e restaurantes.

 

Também não foi a primeira vez em que uma pessoa foi presa por se recusar a ceder o assento para um passageiro branco. Nove meses antes, Claudette Colvin, de apenas 15 anos, havia enfrentado a mesma situação.

 

Mas, desta vez, a tranquila ousadia de Rosa Parks acabaria sendo o catalisador das mudanças.

Punida por sua coragem

A postura aparentemente calma de Rosa Parks contrastava com a experiente ativista que havia sido secretária da filial da Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor (NAACP, na sigla em inglês) na cidade de Montgomery.

 

Após sua prisão, a Associação para o Progresso de Montgomery organizou um boicote ao sistema de ônibus da cidade. O protesto foi encabeçado por um jovem pastor de 26 anos chamado Martin Luther King Jr. (1929-1968), que viria a liderar o movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos.

 

O boicote durou mais de um ano e a perda de receita paralisou o sistema de transporte público da cidade. A situação chamou a atenção de todo o país para o racismo institucional que permeava as leis Jim Crow.

 

Paralelamente, o caso de Rosa Parks seguia seu trâmite no judiciário americano. O processo acabou chegando à Suprema Corte em dezembro de 1956, que decidiu que a segregação do ônibus era inconstitucional.

 

Mas Parks foi punida pela sua coragem. Ela perdeu o emprego na loja de departamentos durante o boicote dos ônibus e enfrentou ameaças de morte durante todo o processo judicial.

 

 

No ano seguinte à decisão da Suprema Corte, ela e seu marido (que também perdeu o emprego) se mudaram para Detroit, tentando escapar do contínuo assédio que sofriam.

 

O casal teve dificuldades para encontrar trabalho nos anos que se seguiram, devido à retaliação que se seguiu ao boicote. Ela também sofreu problemas de saúde, que trouxeram altas contas hospitalares.

 

Ainda assim, Rosa Parks manteve seu profundo envolvimento na luta pelos direitos civis, defendendo moradias dignas e direito ao voto em Detroit.

 

Ela se inscreveu como voluntária na campanha do candidato democrata local ao Congresso, John Conyers (1929-2019). Depois de eleito, Conyers a contratou como assistente no seu escritório em Detroit – cargo que ela ocupou até se aposentar.

 

Rosa Parks em cerimônia para receber Medalha de Ouro do Congresso em 14 de junho de 1999
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Rosa Parks em cerimônia para receber Medalha de Ouro do Congresso em 14 de junho de 1999

'Mãe do movimento'

A prisão de Rosa Parks pôs fim à segregação racial no transporte público nos Estados Unidos, mas seu impacto foi muito maior.

 

Sua calma resistência frente ao racismo mobilizou a comunidade negra, formando as bases da campanha pelos direitos civis, que incluiu a histórica Marcha sobre Washington em 1963 e a aprovação da Lei dos Direitos Civis de 1964 e da Lei do Direito ao Voto de 1965.

 

"Acho que, se houve um momento, um evento no movimento pelos direitos civis que começou nos anos 1950, você pode indicar o boicote aos ônibus de Montgomery e a sra. Parks... que foi simbolizado por este tribunal e sua condenação...", afirmou o advogado de Rosa Parks, Fred Gray, na entrevista à BBC.

 

A recusa de Parks a ceder seu assento alimentou o entusiasmo por um movimento de massa que acabaria destruindo as políticas racistas de segregação. E ela se tornou um símbolo da luta por justiça e igualdade.

 

Em 1999, o Congresso americano concedeu a Rosa Parks sua mais alta homenagem, a Medalha de Ouro do Congresso, por ser considerada "a mãe do movimento pelos direitos civis".