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Nunca se falou tanto de inteligência artificial (IA) como neste ano de 2025. No Judiciário e na advocacia não é diferente, sendo a IA tema principal dos principais debates e seminários jurídicos. É unânime que a IA pode e deve ser utilizada como ferramenta para auxiliar na redução do acervo de 80 milhões de processos em tramitação no Judiciário brasileiro e para enfrentar as 40 milhões de novas ações judiciais que têm sido distribuídas, anualmente. O grande desafio, no entanto, é que a inteligência artificial não substitua as ações humanas – ou interfira nessas – na especificidade da análise de cada ação, na avaliação de provas, fatos, dados e, principalmente, na aplicação do discernimento e do bom senso imprescindíveis para a solução das lides.
A simples redução do acervo de processos com utilização da IA não representa, por si só, algo a ser comemorado, como bem ressaltaram, em recente evento jurídico, o desembargador federal João Carlos Mayer, do TRF-1ª Região, e a ministra Regina Helena Costa, do STJ, em duas palestras magistrais. A redução é louvável e necessária, mas jamais eliminando o direito do jurisdicionado de ter suas teses analisadas conforme o seu caso concreto.
Conforme dados da FGV Justiça, braço de pesquisa e estudos do Judiciário da Fundação Getulio Vargas, que tem à frente o ministro Luiz Felipe Salomão, atual vice-presidente do STJ, atualmente existem 314 projetos de lei que tratam de inteligência artificial, em tramitação na Câmara dos Deputados, sendo o mais importante o PL 2338/2023, que foi aprovado no Senado Federal em 10/12/2024 e se encontra aguardando parecer do relator, deputado Aguinaldo Ribeiro, na Comissão Especial criada na Câmara Federal.
No âmbito do Judiciário, ainda segundo a FGV Justiça, 92 tribunais estão desenvolvendo 174 projetos de IA, sendo 35,8% ferramentas de apoio às decisões judiciais, 25,7% de gestão processual, 18,9% para automação de processos judiciais e 7,4% de atendimento ao cidadão.
Quanto a esse último item, na China já existe o robô Xiaofa, que é o primeiro assistente jurídico que tem movimentos corporais e capacidade interativa para atender e orientar os litigantes no tribunal de Pequim, com capacidade de responder a 70 mil questões jurídicas e processuais, através de linguagem descomplicada e acessível. No Supremo Tribunal Federal (STF) está sendo desenvolvido o robô “Maria”, o primeiro de elaboração de conteúdo. O STF já conta, também, com robô implantado na gestão do então presidente Luís Roberto Barroso, que, em segundos, resume processos de milhares de páginas, fornecendo um relatório sintético aos ministros, para que possam julgar com maior agilidade.
Dentro desse universo de novidades, a regulação é fundamental, pois a centralidade do magistrado e o respeito aos direitos fundamentais dos jurisdicionados não podem deixar de ser o mais importante. Nesse espírito, o projeto de atualização do Código Civil (PL-4/2025) visa assegurar que a utilização da IA seja transparente, plenamente identificada, auditável, rastreável e que siga os padrões éticos necessários, sempre submetida à supervisão humana. Grande preocupação, por exemplo, está na utilização da IA, de forma fraudulenta, para criação de imagens de pessoas vivas ou falecidas. A respeito, o PL-4/25 exige consentimento prévio e expresso da pessoa ou dos herdeiros.
A utilização da IA no Judiciário é irreversível e uma realidade mundial, sendo a Alemanha, atualmente, o país onde tal aplicação se encontra mais difundida, seguida de Espanha, Turquia, Áustria, Itália e EUA. No Brasil, a preocupação com a regulação do uso da IA deve ser levada ainda mais a sério, pois o afã de redução de quantitativo processual – o maior acervo do mundo capitalista – não pode ser motivo para se excluir do cidadão o direito de ver seu caso concreto analisado com a profundidade e atenção que merece. Por isso, calha bem a máxima de Pablo Neruda utilizada pelo ministro Salomão no encerramento de uma de suas enriquecedoras palestras: “Você é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências”.