Fernanda Teixeira Ribeiro é natural de Uberaba, no Triângulo Mineiro -  (crédito: Arquivo pessoal)

Fernanda Teixeira Ribeiro é natural de Uberaba, no Triângulo Mineiro

crédito: Arquivo pessoal

“É um livro que trata de feridas abertas”, destacou a escritora do romance Cantagalo, a uberabense Fernanda Teixeira Ribeiro.

 

Com o livro, ela venceu a 9ª edição do Prêmio Revelação Literária, promovido em fevereiro de 2024 pela União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa (UCCLA): Novas Obras em Língua Portuguesa, em parceria com a Câmara Municipal de Lisboa.

 

A escritora mineira foi a primeira mulher a vencer o prêmio, que existe desde 2016.

 

A UCCLA é uma organização não governamental e uma associação intermunicipal de natureza internacional, criada em 28 de junho de 1985.

 

Por vencer o prêmio, Fernanda Ribeiro vai receber 3 mil euros em dinheiro, terá o seu livro publicado em Portugal pela editora Guerra e Paz e participará como convidada do Encontro de Escritores de Língua Portuguesa, em Cabo Verde.

 

O júri que escolheu Cantagalo como o livro vencedor foi formado por acadêmicos, críticos de literatura e escritores do Brasil, Portugal, Cabo Verde, Angola, São Tomé e Príncipe, Moçambique, Timor-Leste, Guiné-Bissau e Macau.

 

Conforme a escritora, o lançamento do premiado romance será em junho deste ano, durante a Feira do Livro de Lisboa. “O livro terá ampla distribuição em Portugal. No Brasil, buscarei uma editora e será uma nova batalha”, considerou.


 

Cantagalo mostra um casamento inter-racial e trata de feridas abertas. Em um processo que durou cerca de quatro anos, o romance Cantagalo vem de esboços ao longo da vida da escritora sobre relações sociais que acontecem em Minas Gerais e que ela considera emblemáticas.

 

“Eu sempre tive essa relação forte com a cultura mineira, apesar de ter saído e vindo estudar em São Paulo, ou seja, a forma como são organizadas as relações sociais; a relação que as pessoas têm com a família e a relação de poder que as famílias têm. Então o Cantagalo veio como uma ideia de fazer uma alegoria das relações sociais brasileiras”, complementou.

 

Mais especificamente, a escritora conta que o romance se passa no final do Século XIX e começo do século XX.

 

“É sobre a filha de um barão do café e a família está em falência. Então, os pais dela organizam um casamento arranjado com um rapaz que tem dinheiro e que é filho de uma ex-escravizada; eles começam a formar uma família inter-racial e eu vou aprofundando na história das filhas, as descendentes desse casal, explorando relações de poder entre as próprias pessoas da família nessa questão do que é ser uma família inter-racial no Brasil”, explicou.

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Acervo pessoal/ Fernanda Ribeiro

 

Cantagalo é uma história ambientada num momento do país em que as políticas de embranquecimento da população eram como uma política de estado, que se traziam europeus e se fazia um apagamento planejado da cultura negra.

 

“E a gente vive isso ainda no Brasil. Então, eu tento dialogar com o que estava lá no século XIX, com os problemas que ainda estão na nossa realidade. Portanto, eu quis fazer um livro que tratasse de feridas abertas. Eu creio que uma ferida aberta muito grande que a gente tem é a ferida da desigualdade social, a ferida do patriarcado, a ferida dos apadrinhamentos e a gente que é mineiro sabe o que são essas questões”.


“Rio subterrâneo”

 

O júri que escolheu Cantagalo como o vencedor do Prêmio Revelação Literária UCCLA: Novas Obras em Língua Portuguesa destacou que a condição feminina atravessa o romance como “um rio subterrâneo”, sendo o microcosmo Cantagalo “uma alegoria do Brasil”.

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"As questões das minhas personagens, mulheres de um século atrás, estão presentes hoje em dia também. Como a violência sexual, o peso do trabalho doméstico e a impotência diante de uma gravidez indesejada", complementou a escritora.

 

Mestre e doutora 

 

Nascida em 1984 em Uberaba, Minas Gerais, Fernanda Ribeiro é formada em Comunicação Social pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre e doutora em Ciências do Desenvolvimento Humano pela Universidade Mackenzie, com especialização em Neurociência e Psicologia Aplicada.

 

Ela atua como pesquisadora no campo da neurobiologia das emoções e como jornalista e editora de ciência. Além disso, a escritora faz parte do coletivo artístico In-Fâmia e é co-autora da antologia de contos “Somos Todos Perigosos” (Urutau, 2021).