Em 2018, momento da irresistível ascensão de Jair Bolsonaro e de decadência do cinema brasileiro para o grande público, “Os farofeiros” parecia a representação simbólica do que estava por vir: o império do homem simples, bronco, eventualmente cafajeste, despreparado, incompetente. Assim eram os personagens do filme, que teve 2,6 milhões de espectadores nos cinemas.

 

Em 2019, já com Bolsonaro exercendo a presidência, “Os farofeiros” derrotou “Os Vingadores” e conseguiu a maior audiência da Globo. Significa que muita gente reviu o filme e se divertiu com a boçalidade dos personagens.

 

Esse fenômeno é intrigante, e tudo ali é horripilante. Digamos que o padrão dos personagens é dado por Renata, personagem de Danielle Winits. Seja no primeiro, seja no segundo filme, ela é uma histérica que berra o tempo todo. Os demais fazem lembrar, não raro, os menos inspirados momentos de “A praça é nossa”. Mas essa observação é subjetiva. Alguém deve achar graça em tudo aquilo.

 


Primeira classe e “buzum”

 

“Os farofeiros 2” é quase um decalque do primeiro, no sentido de que o grupo de funcionários vai fazer uma viagem em companhia de Alexandre, papel de Antônio Fragoso, o chefe deles todos, que ganhou o prêmio de mais eficiente gerente de vendas. Renata, sua mulher, é uma subperua que sonha com a primeira classe de aviões e coisas tais.

 

Acaba num ônibus fuleiro, cercada pela ruidosa companhia dos subalternos do marido. Eles constituem, basicamente, um grupo de puxa-sacos – de novo incompetentes, ignorantes, arrivistas e, sempre, bastante simples. O resort que lhes é reservado tem de animais exóticos e perigosos a uma sauna onde se pode morrer sufocado.

 



 

O que distingue os dois filmes talvez seja o caráter didático que lhe imprime o roteiro de “Os farofeiros 2”. Tudo gira em torno das crianças da trupe que, logo no início, são levadas à sala da diretora de um colégio por terem apresentado redações iguaizinhas sobre suas férias. Todas copiadas da internet.

 

Um tanto contrariada, a diretora pede que contem a história tal como a vivenciaram. A história é vista, portanto, do ponto de vista delas.

 

A partir daí, o que parecia um absoluto desastre, como férias e redação infantil, ganha novo sentido. Trata-se de uma aventura, afinal de contas, e não uma como qualquer outra. A história das férias agora pode até ser contada. As desventuras convertem-se em aventura. Os colegas de trabalho podem ser chatos, tolos e tudo mais, mas o que Alexandre quer, no fundo, é tê-los como amigos. 


Desprezo recauchutado

 

Enfim, as platitudes do primeiro filme passam por uma recauchutagem didática, ao fim da qual devemos acreditar que toda grosseria que presenciamos é, na verdade, uma maneira afetiva de estar no mundo. Maneira de gente simples. Isso num filme que existe todo o tempo desprezando os personagens.


Será paradoxal que os espectadores ainda apreciem ser depreciados – ou ver seus vizinhos sendo depreciados – com a desfaçatez com que o fazem Paulo Cursino, no roteiro, e Roberto Santucci, na direção. Paradoxal, mas não surpreendente. Os valores de 2018 e 2019 podem não ter se imposto na eleição presidencial de 2022, mas não perderam a validade. 


“OS FAROFEIROS 2”

Brasil, 2023. Direção: Roberto Santucci. Com Cacau Protásio, Marcos Pitombo e Maurício Manfrini. Em cartaz nas salas dos shoppings BH, Pátio Savassi, Cidade, Boulevard, Ponteio, Del Rey, Minas, ItaúPower, Via, Contagem, Estação BH e Norte.

compartilhe