O ator estadunidense Adam Driver interpreta enzo ferrari no longa-metragem de Michael Mann, que foca em um ano de crise para o empresário -  (crédito: Diamond Films/Divulgação)

O ator norte-americano Adam Driver interpreta enzo ferrari no longa-metragem de Michael Mann, que foca em um ano de crise para o empresário

crédito: Diamond Films/Divulgação

Logo no início, Laura (personagem de Penélope Cruz) aponta uma pistola em direção ao marido, Enzo Ferrari (Adam Driver, com aparência quase irreconhecível), e, com determinação e frieza, aperta o gatilho, errando o alvo por pouco. A incorreção do tiro foi intencional, seguida de um aviso claro e preciso: “Não me importo com quem você come, desde que esteja aqui quando a empregada trouxer o café da manhã”. O marido havia dormido fora de casa.


A cena do longa “Ferrari”, de Michael Mann, em cartaz nos cinemas a partir desta quinta-feira (22/2), deixa claro o cotidiano caótico do casal dono de uma das montadoras mais emblemáticas da história. Ex-piloto de corrida italiano, Enzo abandona as pistas de automobilismo ainda jovem para, junto com Laura, fundar sua própria escuderia (Ferrari), em 1929.


Inconsequente na gestão dos bens da empresa, ele passa para a esposa as funções administrativas, limitando-se a dar ordens para o desenvolvimento e a manutenção dos carros.


À semelhança do casamento de seus fundadores, a Ferrari vive momentos de crise. O mais profundo deles ocorre no final da década de 1950, período que Mann escolheu para se debruçar no longa-metragem, feito com base na biografia “Enzo Ferrari: The man and the machine” (“Enzo Ferrari: O homem e a máquina”, em tradução livre), de Brock Yates.


Morte na curva

Ameaçado pela escuderia Maserati, que vinha se destacando nas competições e conquistando cada vez mais prestígio; Enzo passa a cobrar mais de sua equipe, exigindo que seu principal piloto, Eugenio Castellotti, acelere nas curvas para completar as voltas em menos tempo. O resultado da intransigência do chefe, contudo, é a morte de Castellotti, aos 26 anos, durante um treino.


A tragédia não é ignorada pela imprensa local, que acentua o papel de Ferrari no episódio. No entanto, a fama e a influência do italiano não parecem sair abaladas.


Enzo continua à frente da Ferrari e, para substituir Castellotti, contrata o jovem piloto Alfonso de Portago (papel do brasileiro Gabriel Leone). Inicialmente, não vê potencial no rapaz, mas, com uma importante competição batendo à porta (a extinta Mille Miglia, realizada nas estradas e ruas de cidades italianas, em 1957), não há alternativa, senão De Portago.

Desastre da Mille Miglia

O novo piloto, tentando ganhar a confiança do chefe, começa a se dedicar com afinco aos treinos e, quando finalmente chega o dia da competição, tem para si que será campeão. O que De Portago não imaginaria é que uma pedra na pista seria responsável por estourar o pneu de seu carro, arremessando automóvel e piloto contra um poste e esmagando nove pessoas que assistiam à corrida – embora o filme não aborde esse aspecto, foi em resultado dessa tragédia que o governo italiano proibiu as corridas em vias públicas.

O desastre da Mille Miglia contribuiu para que a Ferrari fosse se afundando em dívidas e atraísse o interesse de outras marcas, como Ford e Fiat. Esta última acabou incorporando a empresa de Enzo em 1969.


Em paralelo, outras duas tramas se desenvolvem no filme: de uma lado, Laura continua tocando as finanças da Ferrari, descobrindo, aos poucos, os casos extraconjugais do marido e os rombos na empresa; de outro, a amante de Enzo, Lina Lardi (personagem de Shailene Woodley), vive uma vida recatada, criando o filho que teve com o dono da Ferrari, Piero (que só depois de adulto passou a usar o sobrenome do pai).


Infidelidade, crise financeira, anomalias contábeis, discussões sobre fusões da Ferrari com a Fiat e o caráter dúbio de Enzo são questões em que o filme toca, mas de maneira muito superficial. A atenção de Mann parece estar mais voltada para as longas e impactantes cenas de corrida e a reconstituição dos carros da década de 1950.

Polêmicas à parte


Além disso, temas delicados à Ferrari, como o serviço que prestou ao governo fascista italiano durante a Segunda Guerra Mundial – a empresa, além de fornecer veículos ao exército italiano, também os reparava –, sequer foram citados.


“Ferrari”, aliás, escorrega em questões históricas, cometendo grande injustiça ao atribuir a Laura o veto ao uso do sobrenome do pai por Piero. O que foi colocado na cinebiografia como gesto de ciúmes da esposa de Enzo não passou de cumprimento da lei do país à época. Como o divórcio era proibido, os filhos de relacionamentos extraconjugais não eram legalmente reconhecidos.


As duas horas e 11 minutos de duração do filme só não se tornam enfadonhas pelo excelente desempenho do elenco, sobretudo Adam Driver e Penélope Cruz. Enquanto Enzo assume uma personalidade um tanto ou quanto indômita em público, mas carinhosa junto ao pequeno Piero; Laura se mostra uma típica italiana de pavio curto, mas sem cair em clichês, sendo uma mulher que guarda todos os seus rancores para soltá-los na hora e na medidas certas.


Enzo Ferrari se tornou um mito mundialmente cultuado pelos amantes de carros. O filme de Michael Mann (“O aviador”, “Colateral”, “O informante”, entre outros) fica mais próximo de uma reverência ao ex-piloto do que de uma cinebiografia consistente, algo inusitado para um diretor com uma carreira como a dele.


“FERRARI”
(EUA/Reino Unido/Itália/China, 2023, 130min.). Direção: Michael Mann. Com Adam Driver, Penélope Cruz e Gabriel Leone. Classificação: 16 anos) - Em cartaz a partir desta quinta-feira (22/2), no Centro Cultural Unimed-BH Minas e nos shoppings BH, Big, Boulevard, Cidade, Contagem, Del Rey, Diamond, Estação, Itaú, Minas, Monte Carmo, Norte, Pátio, Ponteio e Via.