Calça jeans escura, regata branca, tênis preto e boné cinza. É assim que Djonga chega a seu estúdio de tatuagem, o Sensação Tattoo, no bairro Funcionários. No pescoço, um cordão de ouro com a insígnia de Nossa Senhora Aparecida e outro com a espada de São Jorge. Por baixo da regata, duas guias para que os orixás o protejam.

Djonga chega sério e compenetrado, falando ao telefone como um executivo. Porém, basta terminar a ligação para abrir o largo sorriso e apertar a mão de todos ali, cumprimentados pelo nome.

Aos 29 anos, o músico belo-horizontino vive um dos melhores momentos da carreira. Em 2020, foi o primeiro brasileiro indicado ao BET Hip-Hop Awards, premiação norte-americana de rap e hip hop da Black Entertainment Television. No mesmo ano, venceu pela segunda vez consecutiva o MTV Miaw, na categoria Beat BR.

Depois vieram os discos “Nu” (2021) e “O dono do lugar” (2022). Em 2023, venceu o Prêmio Multishow de Música Brasileira na categoria hip hop. E foi premiado no Los Angeles International Music Video Festival (LAMV) pelo clipe “Conversa com uma menina branca”, faixa de “O dono do lugar”. O vídeo, cumpre dizer, foi dirigido pelo próprio rapper.

O novo álbum, “Inocente 'demotape”, lançado em outubro do ano passado, foi considerado a melhor estreia dos últimos tempos no Spotify Brasil. Em dois meses, alcançou 50 milhões de streams.

 




Agora, Djonga está às vésperas da estreia da turnê “Inocente 'demotape”. A primeira apresentação ocorrerá nesta sexta-feira (19/1), no Arena Hall, em BH. “Não dá pra dar muitos detalhes sobre o show, senão perde a graça, né?”, brinca ele.


Moinho na Praça Sete

O que esperar, senão surpresas, de alguém que, ao lançar “O dono do lugar”, instalou na Praça Sete a réplica do moinho de Dom Quixote e ficou por lá atendendo fãs e fazendo selfies?

“Tenho certeza – ou quase, né? – de que o que estamos preparando vai ser um bagulho histórico pra arte de Belo Horizonte e de Minas Gerais. E, principalmente, para quem estiver lá no dia”, adianta ele.

Por enquanto, a turnê passa pelo Rio de Janeiro (3/2), Porto Alegre (2/3), São Paulo (9/3), Curitiba (16/3) e Recife (20/3). O rapper nutre esperanças de levá-la para fora do Brasil.


Djonga e seu moinho na Praça Sete no lançamento do álbum "O dono do lugar", em 2022

Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press/13/10/22


Mais que cantar ao microfone, ele quer entregar ao público uma performance com pompa. Introduziu efeitos visuais, corpo de dança e pausas para trocas de figurino.

“Gosto muito de fazer show, mas é um processo que, às vezes, pode se tornar repetitivo, com a galera sempre pedindo as mesmas músicas. Então, acho importante trazer outras coisas, como a estética da cenografia, da troca de roupa e do balé”, afirma.

Ele vem amadurecendo esta ideia desde 2022, quando se apresentou no Lollapalooza. No festival paulistano, Djonga fez de tudo um pouco. Explorou todo o palco, desceu para cantar e pular com público, fez discurso antirracista, denunciou a violência imposta à periferia, com balas perdidas matando crianças, e criticou de forma contundente o então presidente Jair Bolsonaro.

“Quero sair do óbvio, que é subir no palco e cantar as músicas com a galera cantando junto, sacou? Quero, sei lá, fazer teatro no palco, fazer a galera dançar no palco. Quero fazer a galera que está ali embaixo entender a história que a gente está querendo contar”, ressalta o rapper.

Em 2019, ele estreou no teatro interpretando Madame Satã na peça homônima dirigida por João das Neves e Rodrigo Jerônimo.

“No Lollapalooza, a gente começou com esse movimento. Depois, em vários festivais em 2022, a gente trouxe a questão da dança para o show, da performance, do balé e tal. Agora, a gente quer trazer uma questão de cenografia maior, saca? Uma questão de teatralidade para contribuir de alguma forma com o que está aí. Sair mesmo do óbvio, assim como vários parceiros e amigas estão fazendo”, afirma.


O ator Djonga contracena com Lua Miranda na série "Resistência negra", exibida na Globo em 2023

João Miguel Jr./Globo
 


Se até aqui os shows e discos (com exceção de “Inocente 'demotape”) de Djonga trouxeram crônicas viscerais do Brasil violento e racista, a essência da nova turnê será diferente. Isso porque o novo álbum traz outras sonoridades e letras mais pessoais, um pouco distanciadas daquelas dos discos “Heresia” (2017), “O menino que queria ser Deus” (2018), “Ladrão”’ (2019), “Histórias da minha área!” (2020) e os já citados “Nu” e “O dono do lugar”. Djonga agora também está cantando, em vez de apenas disparar suas rimas certeiras.

 

 

 “Arte é libertação”

 

“Fazer arte é libertação, independente do que eu estiver cantando, se estiver falando da coisa mais triste ou da mais alegre do mundo”, afirma Djonga.

 

“Às vezes, a galera pega as coisas que nós falamos e tenta colocar a gente numa prisão com aquilo. Mas a gente fala. Fala, porque precisa tirar a verdade que está presa aqui dentro”, afirma, apontando para o próprio peito.


“Então, não adianta tentar prender as palavras da gente, a musicalidade ou o que quer que seja. Não adianta querer encaixar a gente, porque fazer arte é ser livre”, acrescenta.


Djonga, de fato, tem buscado a liberdade. Em 2022, ele se juntou a Martinho da Vila para compor e lançar “Era de Aquarius”. Recentemente, reforçou os laços com o funk ao participar do single “Qual calcinha”, de MC Saci, ao lado de MC Rick, Mc Nahara e DJ WS da Igrejinha.

 


No fim deste mês, ele canta na festa de comemoração dos 94 anos da escola de samba paulistana Vai-Vai, que no carnaval vai homenagear o hip hop. No início de fevereiro, participa como convidado especial em show de Zeca Pagodinho, no Rio de Janeiro. Do time de convidados que o sambista de Xerém escolheu, Djonga é o mais jovem.


Bloco na rua


Em fevereiro, o rapper pretende colocar na rua o Bloco do Djonga, durante o carnaval de Belo Horizonte. É promessa feita no ano passado. “Estamos naqueles últimos detalhes de patrocínio e tal. Como a gente já vai fazer a turnê agora, estamos gastando uma grana nos shows. Então, se não rolar um patrocínio legal, fica puxado pra gente”, explica.


Grana é uma das preocupações do rapper. Em todos os shows, ele bate o pé com os produtores para manter ingressos a preços acessíveis, pois quer ter na plateia a presença massiva de pessoas que vivem nas periferias.


Quando lançou “Ladrão”, em 2019, Djonga colocou bilhetes do show à venda por R$ 10, que acabaram em poucas horas. A apresentação foi um marco. O espaço na Savassi (atual Arena Hall), frequentado majoritariamente por brancos mais favorecidos, ficou lotado de pessoas negras e da periferia. Na sexta, “Inocente ‘demotape” ainda tem ingressos a R$ 40. Os de pista já acabaram.


“É uma coisa que a gente fica martelando sempre com os produtores. Se colocamos os preços lá em cima, o evento fica embranquecido. Não só embranquecido, mas elitizado. Nós queremos o pessoal da quebrada lá, se divertindo e curtindo. É claro que estamos tratando de um mercado, do qual não estamos fora, por isso os preços podem aumentar ou diminuir. Mas sempre vamos fazer de tudo para não elitizar o show”, garante.

 

Público lotou o Chevrolet Hall, atual Arena Hall, no show com ingressos a R$ 10 para lançar o disco "Ladrão", em 2019

Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press/21/4/19


Quadrilha unida

 

Djonga atribui seu sucesso ao trabalho de todos da equipe. “Não posso falar que (o sucesso) é por causa do meu talento. Atribuo a toda a galera d’A Quadrilha. Tanto os que estão lá hoje, quanto os que já saíram”.


Em 2022, ele abriu a produtora A Quadrilha, em BH, cujo selo já lançou trabalhos de Zulu IMG, Iza Sabino, Marcelo Tofani, Laura Sette e X Sem Peita, entre outros.


“Antes, A Quadrilha era um projeto pessoal”, comenta. “Era só eu que falava, só eu que mandava. Agora já fodeu tudo. A Quadrilha é de todo mundo. Todo mundo fala, todo mundo manda. Eu já não mando em mais nada lá. Falo: ‘Faz isso’. Aí chegam para mim e dizem: ‘Não vou fazer, porque me mandaram fazer outra coisa’. Mas tá bom, só tem gente de confiança.”


Brincadeiras à parte, o rapper tem carinho com a equipe da produtora. Faz questão de dar oportunidade a novos talentos e compartilhar com os parceiros suas próprias conquistas e vitórias. “Que graça tem comemorar sozinho?”, questiona.


“Meu maior sonho é que os artistas d’A Quadrilha sejam mais fodas do que eu, ou tão fodas quanto eu. Não falo de qualidade e talento, porque isso aí é tranquilo, eles têm. Falo de reconhecimento. Quero que eles sejam tão conhecidos quanto eu”, conclui.


“INOCENTE 'DEMOTAPE’”


Show de Djonga. Nesta sexta-feira (19/1), a partir das 21h, no Arena Hall (Avenida Nossa Senhora do Carmo, 230, São Pedro). Arquibancada: R$ 80 (inteira) e R$ 40 (meia), à venda na bilheteria ou plataforma Sympla. Ingressos de pista esgotados. Informações no site arenahall.com.br.

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