Fabiana Cozza, cantora -  (crédito: Marcos Hermes/Divulgação)

Fabiana Cozza, cantora

crédito: Marcos Hermes/Divulgação

Quando estava organizando o próprio acervo, ao lado de seu produtor, Marcus Fernando, o cantor, compositor, pesquisador e escritor Nei Lopes se deu conta da quantidade de músicas com a sua assinatura que nunca tinham sido gravadas. Foi Fernando quem entrou em contato com Fabiana Cozza, oferecendo o material para que ela o registrasse. O resultado desse encontro de interesses é “Urucungo”, nono título da discografia da cantora paulista, que chega nesta sexta-feira (10/11) às plataformas de streaming.

O álbum traz 12 faixas, todas parcerias de Lopes com nomes como Wilson Moreira, Fátima Guedes, Francis Hime, Guinga e Marcelo Menezes, entre outros. Fabiana conta que, quando começou na vida artística, há 25 anos, o compositor e estudioso das culturas de matriz africana nascido em Irajá, no Rio de Janeiro, foi uma bússola que orientou não só o seu canto, mas seu pensamento sobre cantar.

Ela diz que, por outro lado, Lopes acompanha sua trajetória de perto há muitos anos, a ponto de incluí-la no livro “Afro-Brasil reluzente: 100 personalidades notáveis do século 20”, lançado em 2020. “O Marcus me ligou, dizendo que estava com o Nei, organizando o acervo dele, que havia ali muitas canções que permaneciam inéditas e que só havia uma pessoa no Brasil que poderia gravá-las: Fabiana Cozza. Confesso que minha primeira reação foi ficar assustada”, relata.

Esse contato ocorreu entre o fim de 2021 e o início do ano passado, com o cenário artístico ainda amargando a ressaca da pandemia. “Estava difícil fazer qualquer coisa, eu não tinha ideia de como poderia realizar esse projeto”, conta a artista. Marcus, então, lhe enviou uma música para escutar, “Dia de glória”, que acabou funcionando como uma intimação.


DEFESA CULTURAL

“Quando ouvi, entendi que era um projeto que ia além de gravar um álbum com as canções do Nei Lopes, ia além de registrar músicas inéditas de um determinado compositor, porque ele não é um compositor qualquer – é dos maiores pensadores da diáspora negra, das culturas de matriz africana, que temos no Brasil. Fazer um disco desses fala do que é a Fabiana intérprete, mas fala muito mais de uma cultura que eu defendo junto com uns pouquíssimos hoje em dia”, destaca.

Ela aponta a tradição de composição, de nível poético, de complexidade e de entrelaçamentos de diferentes correntes da música popular brasileira que a obra de Lopes representa. Foram mais de 30 composições inéditas que Fabiana recebeu de Fernando, das quais selecionou as 12 que compõem o álbum. A ideia inicial, conforme aponta, era gravar apenas as parcerias com Wilson Moreira. “Ali é Pelé e Garrincha, como Dona Ivone Lara e Délcio de Carvalho ou como João Bosco e Aldir Blanc”, diz.

Com efeito, a dobradinha Nei Lopes / Wilson Moreira prevalece no repertório de “Urucungo” – são quatro as faixas com a assinatura dos dois –, mas pesou o desejo de apresentar um leque mais amplo, para além do que as pessoas conhecem do compositor homenageado, que completou 80 anos em 2022. De qualquer forma, “Dia de glória”, que é uma parceria de Lopes com Moreira, foi eleita como a faixa de abertura do álbum, contando com a participação especial de Leci Brandão.

“Leci, inclusive, canta mais do que eu, porque tem mais autoridade na música para entoar 'Dia de glória', então me coloco como uma aprendiz diante dela, assim como me coloco como aprendiz diante do Nei. Na segunda parte da música, Leci é a solista, eu fico só no coro”, comenta Fabiana. Somam-se a Leci outros convidados de peso em “Urucungo” – Francis Hime, ao piano, em “Ofertório”; o violonista João Camarero em “Pólen”; a cantora Ilessi em “Alquimia”; Guinga em “Jurutaí”; e o próprio Nei Lopes em “Quesitos”.

“Sempre tive vontade de cantar com Guinga, que é coautor de 'Jurutaí', feita pelos dois há mais de 30 anos. O Francis, que conheço há muito tempo, é um pianista e harmonizador espetacular, então achei que ele podia emprestar sua elegância para um álbum dedicado a um compositor também muito elegante. Ilessi é uma cantora rara, que não frequenta o território do samba como eu frequento, mas que tem uma formação muito sólida e tem intimidade com essa linguagem”, ressalta a cantora.

Sobre a presença de Nei, na faixa que fecha o álbum, ela considera que seja o aval para uma espécie de compêndio. “Da mesma forma que Leci abre falando do 'Dia de glória' como uma grande metáfora do cotidiano, com a esperança de que a gente possa transformar o que nos oprime, principalmente o racismo, o Nei chega na última faixa com questões caras a quem é do samba, criticando o aterramento dos valores civilizatórios que o samba traz. É uma letra que fala disso, e é importante que estivesse na voz dele”, diz.

Para a cantora, o que mais chama a atenção na obra de Nei Lopes é sua amplitude e profundidade. “Nei é um pesquisador profícuo, e isso é, por si só, uma coisa que já me atrai, o pensador e o artista que ele é. Gosto quando Nei me surpreende com palavras e com um pensamento sobre o cotidiano que fogem da obviedade. Gosto quando a poesia tira os meus pés do chão. Quando canto, sou uma sonhadora em potencial, então preciso de compositores que me deem essa possibilidade. Nei faz isso”, afirma.

“URUCUNGO”
• Fabiana Cozza
• Biscoito Fino (12 faixas)
• Disponível nas plataformas a partir desta sexta-feira (10/11)