A nova política industrial foi apresentada pelo presidente Lula no Palácio do Planalto -  (crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

A nova política industrial foi apresentada pelo presidente Lula no Palácio do Planalto

crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil

 

Envolta em grande expectativa, a nova política industrial do governo Lula ganhou logo um apelido oficial – NIB – no documento de 102 páginas de Powerpoint.

NIB é uma abreviação correta para a nova política industrial. Por coincidência, NIB em inglês quer dizer “ponta” ou “bico”. O verbo correspondente (to nib) significa “mordiscar”, dar uma mordidinha. Em inglês, portanto, o novo programa NIB adquire, sem querer, um sentido exato. A Nova Indústria Brasil (NIB) não é mais do que uma mordidinha na ponta do iceberg de questões do amplo setor industrial brasileiro. O documento tem a virtude da intenção reta. Mas fica por aí. Não consegue, como documento de planejamento federal, entregar orientações precisas porque carece de definições precedentes à política industrial do país.

Falta o plano de governo para o próprio país. Desde o longínquo José Sarney, governos vêm se sucedendo como administradores de crises inflacionárias e voos de galinha, sem serem cobrados do que vieram de fato fazer sentados na cadeira da presidência. Por escrito, falta definição do projeto nacional desde a década perdida dos 1980. A Constituição de 1988 até prevê o plano nacional de desenvolvimento no seu artigo 174. Mas esse tal plano estratégico de país continua um mistério.

Sem um plano nacional, fica prejudicado qualquer programa setorial, não importando que seja o da indústria ou de outro setor. O setor industrial, em especial, se ressente da falta desse “compromisso do governo com a nação” pois seria ele que traduziria os elementos de CONFIANÇA e de EXPECTATIVA POSITIVA, essenciais à decisão de um empresário ao investir numa fábrica nova, renovar seu parque de máquinas ou sua frota de veículos.

Portanto, não basta um “plano de indústria”. A confiança deve ser numa visão de como serão os próximos anos ou décadas. Projetar a demanda pelo petróleo, por minerais como o ferro, ou agropecuários como café, soja ou carnes, segmentos que têm ampla sustentação no consumo mundial, resulta menos complexo do que um empresário nacional apostar na rentabilidade de um negócio voltado à fundição especializada, à química fina, ou ao fabrico de placas de semicondutores.

Lendo o texto do NIB, mesmo com boa vontade, ainda assim se percebem os espaços vazios do documento. Para fechar o texto, os autores do NIB precisaram fazer umas quantas heróicas simplificações da realidade:

1) o NIB não traz quaisquer metas quantitativas de valor de produção ou exportação, e sim, meros indicadores de “melhoria” ou de avanço de bem-estar;

2) o NIB não aborda senão seis grandes segmentos da transformação industrial (agroindústria, saúde, infraestrutura e cidades, área digital, sustentabilidade e defesa) sendo estes, na maioria, segmentos apenas indiretamente ligados à produção fabril, vinculados a “missões” como ampliar índices de mecanização no campo, reduzir a dependência aos insumos e fármacos importados ou diminuir o tempo de viagem dos trabalhadores entre casa e trabalho nas cidades;

3) sobre abordar vários outros segmentos industriais, de padarias à química fina, de mineração a indústrias criativas, nem uma palavra é emitida;

4) não há qualquer abordagem regional da indústria no espaço brasileiro, notoriamente díspar;

5) não há diagnóstico do sofrimento diário dos empreendedores industriais, mormente os PMEs, com as mazelas de contágio universal – nomeadamente, os juros mais elevados do planeta, o absurdo nível de tributação incidente e a burocracia feroz, além da proverbial insegurança pública, tanto pessoal como das mercadorias industriais que circulam nas estradas e cidades.

Este último item, as mazelas de contágio geral “esquecidas” na abordagem do NIB, é o que mais pesa, moralmente, contra a presunção de reta intenção do documento. Um governo incapaz de segurar, por exemplo, o custo do Fundo eleitoral de 2024 (serão “doados” R$4,9 bi) não terá credibilidade para assegurar que o BNDES alcance um dispêndio extra de R$ 300bi no NIB entre 2024 e 2026, como prometido no texto.

Esta crítica moral pesa mais do que apontar que o NIB repete ideias e políticas fracassadas do passado. Deixemos o passado em paz. A questão agora é como despertar confiança nos investimentos industriais do futuro. O NIB pretende manejar um iceberg industrial. Quem se propõe a trabalhar com um iceberg de problemas, não pode ficar apenas nas primeiras mordidinhas.