Paulo Delgado
Paulo Delgado

A esperança como pesadelo

Que venha 2026 com votos que seja maior o interesse racional de todos os países em reduzir as fricções sociais causadas pela insatisfação

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Fim de mais um ano, novas invenções, o espelho não prova mais que envelhecemos, a produção de riqueza aumenta, mas em que país as colunas da ordem e da desordem não são artifícios do progresso de um tempo inventor de pesadelos.

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Sem apelar para o otimismo meio cínico de quem vê transcendência na bagunça que são as equivocadas preferências do mundo, mas também sem se perder na indiferença de quem acha que nada mais é genuíno e verdadeiramente bom, o tempo de Natal e Ano Novo é sempre uma boa época em que a pausa nos permite refletir sobre o que vai bem e o que vai mal por aí.


Em sua primeira mensagem por ocasião do dia de Natal, o Papa Leão XIV disse que o mundo melhoraria de verdade “se entrássemos de fato no sofrimento dos outros e fôssemos solidários com os fracos e os oprimidos”. A mensagem, seguida de uma benção direcionada à cidade [de Roma] e ao mundo, lembra o imperativo ético de, em primeiro lugar, proteger os desprotegidos e melhorar a vida daqueles que estão numa situação de maior vulnerabilidade. É essa a primordial capacidade de amar, para quem quer ser verdadeiramente feliz.
Nas principais praças do mundo, no entanto, os dados mostram que 2025 foi mais um ano que alimentou a bifurcação estrutural do bem-estar, naquilo que muitos visualizam como uma economia em formato de K. O formato da letra K sintetiza uma distribuição de bem-estar em que uma parcela menor da população experimenta uma trajetória ascendente, com crescente segurança econômica baseada na acumulação e consumo requintado de tudo, enquanto uma outra faixa muito mais ampla da população segue em direção descendente, enfrentando a deterioração das condições e das expectativas de trabalho, o que vem acompanhado por endividamento insustentável e cronificação da insegurança pessoal e material.


Isso não resulta numa sociedade verdadeiramente segura e que conta com o apoio racional necessário para o funcionamento geral dos seus sistemas e instituições. Por isso vivemos tempo de constante apelo à irracionalidade e de tolerância com a fatalidade que é ver tantas almas desunidas.


Revertendo a trajetória de expansão do bem-estar social observada no mundo nos últimos anos, temos hoje uma clara dissociação que descamba em dualidades de baixa harmonia. Duas realidades humanas desencontradas, onde cada uma quer uma coisa, sendo, ao mesmo tempo, causa e efeito do enfraquecimento do afeto social. Tal retroalimentação ocorre porque aqueles que prosperam passam a viver em realidades econômicas quase desconectadas das dificuldades enfrentadas pelos mais vulneráveis. Ou é isso, ou é visto de tal maneira pelos marginalizados, o que é suficiente para rasgar a harmonia do tecido social. Enfim, dois produtos de condições sociais diversas que vão se tornando duas diferentes famílias de almas e espíritos que se esbarram sem se unir.

Essa configuração, historicamente associada a sociedades marcadas por desigualdade estrutural, abuso de poder normalizado e informalidade persistente, deixou de ser uma exceção periférica para se tornar uma tendência central nas economias avançadas. Nesse sentido, não é difícil observar uma gradual “brasilianização” do mundo. Situação curiosa de nosso país, onde a esperança é uma profissão e hoje parece ser sina obrigatória de qualquer país neste mundo desigual.


Melhorar a vida de todos estava consolidado no mundo como promessa de que a periferia subdesenvolvida convergiria gradualmente aos padrões do chamado “mundo desenvolvido” e não o contrário. Essa era a expectativa sobretudo no caso brasileiro, um país de renda média que foi sintetizado na metáfora da Belíndia, formulada pelo mineiro Edmar Bacha na década de 1970 para descrever um país composto por ilhas de Bélgica em um oceano de Índia.


O que se observa nas décadas mais recentes, no entanto, é uma convergência no sentido inverso: aquilo que antes parecia uma especificidade brasileira passou a se manifestar como um fenômeno global. A própria Índia se desenvolveu de um jeito desequilibrado e ficou cada vez mais parecida com o Brasil. As regras do jogo da desigualdade, tão associadas ao Brasil, se espalharam para países em desenvolvimento e também desenvolvidos.


Que venha 2026 com votos que seja maior o interesse racional de todos os países em reduzir as fricções sociais causadas pela insatisfação daqueles deixados para trás num contexto que permite tanto luxo. Isso porque, no longo prazo, só essa moderação e esse equilíbrio podem preservar o apoio necessário ao funcionamento geral do sistema econômico sem maiores violências.

*A coluna retorna domingo, dia 8 de fevereiro.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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