O presidente Luiz Inácio Lula da Silva usou todo o seu poder de sedução para estreitar a parceria do Brasil com a França, mas o presidente francês Emmanuel Macron, que se deslumbrou com a beleza e a imensidão da Amazônia, não cedeu nem um pouco na sua objeção à assinatura do acordo do Mercosul com a União Europeia, prioridade da política externa brasileira na parceria entre os dois países. Entretanto, as fotos de Lula e Macron de mãos dadas, ao lado da samaúma, a maior árvore da Amazônia, na ilha de Combu, e navegando pelo rio Guamá, em Belém, viralizaram nas redes sociais e tiveram muita repercussão na França.

 

Na chegada a Belém, Lula e Macron estiveram na ilha do Combu, na margem sul do rio Guamá. O trajeto incluiu a travessia do rio e a navegação por uma área de igarapés, onde os dois líderes puderam ter contato com a Floresta Amazônica preservada. Organizada pelo Itamaraty, a programação da visita teve por objetivo mostrar ao presidente francês a complexidade da questão amazônica e as alternativas de desenvolvimento sustentável. Do ponto de vista do marketing político, ambos faturaram a visita internacionalmente. Lula sinalizou que o Brasil continua sendo potência regional que serve de referência para a Europa e todo o Ocidente, ainda mais por causa da parceria estratégica no plano militar com os franceses. A França é uma das grandes potências da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), que mantém uma guerra por procuração com a Rússia na Ucrânia.

 



 

Macron anunciou um ambicioso projeto de conservação binacional entre o Brasil e a Guiana Francesa (território ultramarino francês que faz fronteira com o Amapá), com a criação de um centro de referência em pesquisas científicas com vistas ao desenvolvimento sustentável, no qual serão investidos US$ 2 bilhões por ambos os países. Macron considera a França uma “potência amazônica”. A Guiana Francesa abriga sua base de lançamento de satélites e tem uma ligação rodoviária entre Caiena e Macapá (AP). A maior fronteira francesa é com o Brasil.

 

A condecoração do cacique Raoni Metuktire, líder do povo kayapó, com a ordem do cavaleiro da Legião de Honra da França, foi um gesto carregado de simbolismo de Macron. A medalha criada por Napoleão Bonaparte, em 1802, é a maior honraria concedida pela França aos seus cidadãos e a estrangeiros que se destacam por suas atividades no cenário global.A foto da condecoração, em plena aldeia indígena, foi o cartão de visitas de Macron ao Brasil.

 

 

Ao receber a medalha, Raoni agradeceu em kayaoó e aproveitou a deixa para protestar contra a construção da Ferrogrão, que ligará Sinop (MT), no Mato Grosso, ao porto de Miritituba (PA), com 933 quilômetros de extensão. Custará 12 bilhões e cruzará áreas de preservação e terras indígenas. Lula defendeu a demarcação das terras indígenas ao discursar, mas saiu pela tangente: ignorou o assunto porque não se opõe à construção da ferrovia.

 

Vetores conflituosos

 

Lula e Macron nesta quarta-feira participaram do lançamento do novo submarino brasileiro construído no Complexo Naval de Itaguaí, por meio de um acordo de cooperação tecnológica com a França. Macron disse que potências pacíficas como França e Brasil têm de “falar com firmeza e força”. Fez um discurso que soa como música aos ouvidos de Lula: “Nós temos a mesma visão de mundo. Rejeitamos um mundo que seja prisioneiro dos conflitos entre duas grandes potências. E temos de defender nossa independência, nossa soberania e o direito internacional”.

 

A expectativa é de que o Prosub gere mais de 60 mil empregos diretos e indiretos. Cerca de 700 empresas estão envolvidas no projeto. Com mais de 71 metros de comprimento e 1.870 toneladas, o submarino Tonelero (submarino convencional com propulsão diesel-elétrica) é a terceira embarcação construída no âmbito do programa.

 

 

A parceria inclui a construção de um complexo de infraestrutura industrial e de apoio à operação de submarinos, o que abrangerá estaleiros, base naval e uma unidade de fabricação de estruturas metálicas em Itaguaí. O Prosub já resultou na entrega dos submarinos Humaitá e Riachuelo. A próxima entrega será a do submarino convencional Angostura. Está também prevista a fabricação do submarino brasileiro com propulsão nuclear Álvaro Alberto.

 

Os vetores conflituosos da visita foram objeto de muitas negociações. No caso do Mercosul, o conflito interno de Macron com os agricultores franceses não tem solução de curto prazo. Apesar das pressões de Alemanha, grande aliada do Brasil na negociação do acordo com a União Europeia, a extrema direita francesa, hoje muito poderosa, mantém Macron acuado na questão do Mercosul.

 

O outro problema é a construção do submarino nuclear. Além do grande atraso no programa, por falta de liberação de recursos pelo governo, existe um gargalo tecnológico e outro institucional ainda não resolvidos: o Brasil produz o reator, mas depende da cessão de tecnologia francesa para a transmissão da energia nuclear às baterias elétricas que movimentarão o submarino; e há um impasse institucional quanto ao manejo dos resíduos de plutônio que resultarão do uso de urânio pelos reatores do submarino, já que o Brasil não assinou o Protocolo Adicional do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, que controla o usou desses materiais. O tratado não prevê a existência de submarino nuclear com armamento convencional.

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