"Os balanços de fim de ano são unânimes: 2023 terminou muito melhor do que começou" Uma mulher entrega notas em reais em uma casa de câmbio em São Paulo, Brasil, em 3 de outubro de 2022

crédito: Ernesto Benavides/AFP

Os balanços de fim de ano são unânimes: 2023 terminou muito melhor do que começou. Os aspectos determinantes dessa conclusão são, na economia, a queda da inflação, o crescimento acima do esperado, a redução do desemprego a patamares que há muito tempo não se via, az elevação da renda e a Reforma Tributária; na política, a normalidade institucional, ameaçada pelo golpismo, graças à firme atuação dos Poderes; na questão ambiental, o combate ao desmatamento, às queimadas e ao garimpo ilegal; e na política internacional, em que pese atitudes dúbias em relação à Ucrânia, a volta do Brasil à cena mundial.

Para quem apoiou a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tudo isso é motivo de comemoração; para quem perdeu, de acomodação, como no caso do Centrão. Ou enorme frustração, caso da extrema-direita, diante do fracasso da tentativa de destituição de Lula, da condenação dos vândalos que depredaram os palácios do Executivo, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF) e da inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O parâmetro é 2022, último do mandato de Bolsonaro, cuja avaliação aqui não é o caso. Trata-se de projetar o cenário de 2024. As novas preocupações são o choque entre o Executivo e o Congresso, que vira o ano em alta octanagem, por causa do avanço de deputados e senadores sobre o orçamento de investimentos da União e da desoneração da folha trabalhista de 17 setores, que o governo não aceita, apesar de aprovada por ampla maioria no Legislativo. Incertezas fazem a política de déficit zero parecer um conto da carochinha. O governo não pretende cortar gastos, o Congresso não quer aumentar impostos e o Supremo Tribunal Federal (STF), que ajustou suas diárias, cuida do seu pirão primeiro.

Em casa onde falta pão, todos brigam e ninguém tem razão, diz o ditado popular. Não é bem assim. A austeridade dos Três Poderes nas atividades-meio resolveria o problema do déficit público, seria até um choque de produtividade e inovação. O déficit fiscal projetado por analistas econômicos é de 0,75% a 1%, o que coloca em risco a credibilidade da equipe econômica. Entretanto, ninguém convencerá a sociedade de que não é possível cortar 1% dos gastos supérfluos do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, como diárias, passagens, consultorias e contratos, sem prejuízo de atividades indispensáveis. Qualquer gestor público responsável sabe que gastos precisam ser aparados como se corta as unhas, semanalmente.

Mais otimismo

Entretanto, não deve ser descartada a possibilidade de a economia crescer acima das previsões, como ocorreu neste ano. De onde pode vir esse crescimento? Dos investimentos na transição energética, ou seja, da economia verde, se cair a ficha para os políticos de que o país precisa regulamentar a reforma tributária e garantir segurança jurídica para quem deseja aplicar recursos em atividades produtivas. Essa é a grande janela de oportunidade que o país não pode perder. E, também, da política de valorização do salário-mínimo, que retomou o curso iniciado em 1996, que fora interrompido em 2017.

Entre economistas, está de volta a velha polêmica sobre a importância do salário-mínimo na redução das desigualdades, que pautou o debate econômico na década de 1970, durante o governo Geisel, quando o chamado “milagre econômico” se esgotou e o país descobriu que crescera a taxas de 10% do PIB, porém, a renda havia se concentrado ainda mais. Na quarta-feira, artigo do economista Edmar Bacha, o guru da Casa das Garças, publicado no Valor Econômico, resgatou a velha polêmica entre Carlos Langoni e Albert Fishlow sobre o papel da qualidade da educação e do arrocho salarial na concentração de renda. Eis um tema para o ex-governador e economista Cristovam Buarque debater.

Na economia neoclássica, o salário real é determinado pela produtividade marginal do trabalho, que varia segundo a qualificação da mão de obra, ou seja, a educação dos trabalhadores, tese defendida por Langoni àquela época.

Entretanto, a política de arrocho salarial era uma realidade e levou à concentração da renda. Hoje, há certo consenso tanto sobre o papel do salário-mínimo na redução das desigualdades quanto da oferta e demanda de mão de obra mais qualificada na elevação da renda dos assalariados, o que reduz essa dicotomia. A zona de sombra é o impacto da elevação do salário-mínimo no emprego e na economia informal.

Em tempo: o novo salário-mínimo de R$ 1.412 a partir de 1º de janeiro terá um impacto de quase R$ 70 bilhões na economia, o que pode alavancar o crescimento, se a inflação estiver controlada e a taxa de juros continuar em declínio.