Gordim, Brunão e Xará choravam lado a lado, com os corações dilacerados. Estavam na esplanada do Mineirão, minutos após a tragédia de 2019. Salomé, a maior torcedora do mundo, desceu sem rumo. Eles sequer conseguiram se despedir. Era como se estivessem à beira da estrada de ferro, com os olhos turvos pelas lágrimas e pela fumaça da locomotiva, assistindo a derradeira partida de um trem fantasma, sumindo pelos trilhos na curva, levando embora um Cruzeiro despedaçado.
Seis anos depois, o apito ressoou por detrás das montanhas. O Trem Azul apontou no horizonte. Rompendo dor e silêncio. Com os vagões abarrotados de alegria e do orgulho por ser Cruzeiro.
Tristeza e tragédia não subiram na composição. Ficaram para trás; em uma longínqua estação chamada Passado. Ninguém esperava tão cedo, tampouco os três amigos.
Quanto mais o Trem Azul se aproximava da Estação Mineirão, ia crescendo a esperança em meio aos cruzeirenses, que se agitavam nas arquibancadas. O escrete, em campo, empilhando gols e vitórias, como se fosse a banda de música da cidade tocando dobrados para saudar a chegada da comitiva.
Mas em meio à euforia, uma notícia calou a festa da Nação Azul. Fez banda, gente e Minas Gerais derramarem um choro fino. Gordim, Brunão e Xará, incrédulos, assistiram, da janela lateral, a locomotiva cruzar, vazia, a estação.
“Chegou, de repente, o fim da viagem”. Lô Borges, o Maquinista Celeste, havia partido.
Sobre o caixão, no Palácio das Artes, a bandeira do Cruzeiro. Velando o menino que tanto amava esse clube. O seu encanto pelo Time do Povo Mineiro veio da adolescência, viu das arquibancadas a genialidade de Dirceu Lopes, de Tostão, do seu ídolo Raul Plasmann e de toda a Academia Celeste de 1966.
Foi quando também, o menino Lô conheceu outro gênio: Milton Nascimento, o Bituca. Desta vez, na escadaria do prédio na esquina da Rua Curitiba com Avenida Amazonas, onde a família Borges morava, em Belo Horizonte.
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Pouco depois, voltaram para o Bairro Santa Tereza. Nascia o Clube da Esquina. O menino cruzeirense já não só conhecia os gênios; ele se tornara um deles.
Se o futebol-arte do Cruzeiro apresentou Minas Gerais para o Brasil em 1966, a arte de Lô Borges e Milton Nascimento, em 1972, colocou o estado no mapa da América Latina.
“Vento solar e estrelas do mar”. Mar Azul foi o nome dado pela turma do Clube da Esquina para a casa na praia de Piratininga, em Niterói, onde, nos dias quentes de verão, se enfiaram para compor muitas canções de um dos maiores discos da história da música brasileira e do mundo.
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Em 1976, o Cruzeiro conquistava a América. Campeão, Lô Borges já brilhava, e assim como Joãozinho, Palhinha e Batatinha, inspirava outros garotos. Bituca, anos depois, diria ao amigo campeão da Libertadores, “nós somos da América do Sul”!
Muitos anos e títulos depois, Lô Borges se juntou ao menino Samuel Rosa e outros músicos cruzeirenses subiram ao palco para protagonizar um episódio épico da história do Cruzeiro. Acompanharam Milton Nascimento cantando pela primeira e única vez o hino do clube que tanto amavam.
Além de discos novos prontos para gravar, Lô Borges ainda tinha um último sonho. Queria ver a música “Trem Azul”, sua e de Ronaldo Bastos, se tornar nome de uma torcida popular do Cruzeiro. Não deu tempo. Às 20h50 do Dia de Finados de 2025, O Maquinista Celeste partiu.
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Lá em cima, Lô Borges já deve estar sentado, com sua camisa do Cruzeiro, em alguma esquina do além-Terra. Formando um novo clube com o maestro Jadir Ambrósio, o amigo Batatinha e Salomé. Fazendo serenata para as meninas cruzeirenses. “A Terra azul da cor do seu vestido ou um girassol que tem a cor do seu cabelo?”
“Se eu morrer, não chore, não. É só a lua.” E se ela for nova, Gordim, Brunão e Xará se alegrem. É o Maquinista Celeste se fazendo de escuro no céu para dar mais brilho às cinco estrelas.
