O sorridente garoto Marco Antônio, de 5 anos, com o padrinho Flávio Henrique -  (crédito: Arquivo pessoal)

O sorridente garoto Marco Antônio, de 5 anos, com o padrinho Flávio Henrique

crédito: Arquivo pessoal

Qual a serventia do Campeonato Mineiro? Para os adeptos das arenas e do futebol-mercadoria, certamente, os torneios regionais são um estorvo, uma perda de tempo e de dinheiro. Para os nostálgicos, ao contrário, eles são a poesia necessária à vida de um torcedor; a garantia para alimentar, por gerações, rivalidades históricas e o futebol-amor.

Até poucos dias antes de me debruçar no rabiscar dessa crônica, para mim, o Campeonato Mineiro não significava nada além de uma preparação para o verdadeiro início da temporada do meu time. Vencê-lo era um simples “tanto faz”.

Tudo mudou a partir de um encontro inesperado, que logo se transformou em um dos mais especiais capítulos da minha paixão incontrolável pela torcida do Cruzeiro. Desde então, conquistar o título sobre o Atlético de Lourdes se tornou uma forma de perpetuar a pureza da infância que, no fundo, deveria ser o maior título a ser almejado pela humanidade.

Essa reflexão acabou por me remeter ao ano de 1987, quando aos 10 anos de idade, soltei o meu primeiro grito de “campeão”. Conquistamos o Campeonato Mineiro ao vencer a final por 2 a 0. Gols do arisco Róbson e do genial Careca. Jamais trocarei aquele simples torneio regional por qualquer outro título nacional ou continental conquistado pelo Cruzeiro, pois não se trata de grandiosidade ou ranking. Estamos falando de pureza.

Na manhã da última sexta-feira, sob um pedacinho de sombra em frente ao Santuário de São João Batista, em Barão de Cocais, eu me reencontrei com a pureza da minha infância. Ela tem 5 anos e se chama Marco Antonio.

Eu estava de costas, distraído, após uma longa sequência de gravações para um filme documentário sobre os moradores daquela cidade. Foi quando senti uma cutucada fina na cintura. Virei e vi o garotinho a me esperar, como quem pede atenção.

“Gostei de você!”, ele me disse. Meu pequenino novo amigo abraçou forte as minhas pernas. Quase chorando de emoção, me agachei e devolvi o carinho bem apertado.

Poucos minutos anos, quando Marco Antonio ficou sabendo que eu era cruzeirense como ele, acabou por me contar sobre um passeio feito em Belo Horizonte. O garotinho tinha ido ao Mineirão com seu padrinho, Flávio Henrique, assistir, pela primeira vez, o Cruzeiro. Era Campeonato Mineiro. “E o Cruzeiro ganhou de 2 a 0”, falou, eufórico, esticando o bracinho e colocando dois dedinhos para cima. Seus olhos brilhavam como quem divide uma conquista com o melhor amigo.

Imediatamente, fiquei olhando para o pequeno Marco sem conseguir dizer uma única palavra. Um filme passou na minha frente. Eu quis lhe narrar sobre a conquista do Campeonato Mineiro de 1987. Não contei, mas o peguei no colo, mostrei minha tatuagem do Cruzeiro no ombro e tiramos uma foto para eu guardar para sempre.

Ao me sentar para rabiscar essa crônica, lembrei que precisava pedir autorização à sua mãe, Fernanda, para escrever sobre o filho. Liguei e expliquei o meu intuito. Ela agradeceu e disse que precisava me revelar algo antes: “Ele nunca entrou no Mineirão. O que Marco Antonio te contou, na verdade, é o grande sonho dele. Mas escreva assim mesmo porque, quem sabe, isso o ajude a realizar esse sonho um dia.”

Sábado, quando o Cruzeiro iniciar a disputa das partidas finais do Campeonato Mineiro, vou torcer para que saia vencedor, não por mim, mas pelo meu amiguinho Marco Antonio, pois como escreveu o também cruzeirense Gonzaguinha:

“Eu fico com a pureza / da resposta das crianças / é a vida, é bonita / e é bonita

Viver e não ter a vergonha / de ser feliz / cantar, e cantar, e cantar / a beleza de ser um eterno aprendiz

Ah, meu Deus! / Eu sei, eu sei / Que a vida devia ser bem melhor / e será!

Mas isso não impede / que eu repita / é bonita, é bonita / e é bonita.”