Cratera abriu em importante via do Bairro Belvedere, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte -  (crédito: Edesio Ferreira/EM/D.A. Press)

Cratera abriu em importante via do Bairro Belvedere, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte

crédito: Edesio Ferreira/EM/D.A. Press

Belo Horizonte parou, e parou por conta de um buraco. Nem era um buraco muito grande, e nem ficava numa das artérias principais, e o que já era ruim, se transformou em caos por alguns dias.


Mas era um buraco suficientemente grande para engolir um carro, e isso - de certa forma - me animou, porque amante que sou das redes de metrô (desde as imundas de Nova Iorque às poucas - e ótimas - de São Paulo, passando pelo sistema mais perfeito que conheço, o de Paris), logo pensei: "as obras do metrô finalmente recomeçaram (após 35 anos), e em breve teremos o metrô chegando na zona sul e ao Belvedere".

 

 

Ledo engano. Não eram as obras da nova linha, até porque o Belvedere tem tão pouca densidade, são tão poucos prédios em terrenos tão grandes, tantos muros e tanta negação do que seja uma cidade, que jamais seria possível justificar uma linha de metrô para atender tão pouca gente.

 

Não eram as obras do metrô, mas o buraco permaneceu aberto por algum tempo. A avenida secundária também permaneceu fechada, mostrando o quanto a região mais "portentosa" da cidade é pobre em acessos, como se fosse uma ilha ligada ao continente por apenas 2 pontes, uma ruim e outra péssima.


Não vai ter metrô, mas parece que o sistema viário deve ganhar 4 grandes obras de intervenção, ao custo estimado de 250 milhões de reais. Algumas dessas obras de grande porte não são de grande porte e, como já faziam parte de diagnósticos feitos nos últimos 20 anos, os projetos podem estar prontinhos e na gaveta, só esperando as verbas e a licitação.

 

Pelo que li, a primeira será uma ferradura, o que, se não é uma piada pronta, aponta a amplitude da solução. A outra é o alargamento do viaduto sobre a BR-356 (mas não o alargamento das pistas da BR-356 sob esse viaduto, um estrangulamento conhecido há mais de 20 anos).

 

A terceira é um novo viaduto para que o trânsito que vem de Belo Horizonte em direção ao Belvedere e Nova Lima seja separado, lançando os veículos com destino a Nova Lima diretamente na MG-030. A quarta obra é um alargamento parcial da MG-030 no ponto em que deve receber esse fluxo direto, proveniente do novo viaduto.

 

Vejo algumas questões aqui (além da mais óbvia: não vai ter metrô), e a primeira têm a ver com a física, mais especificamente a dinâmica dos fluidos: o sistema viário do Belvedere é ruim demais, estreito demais e limitado em entradas e saídas; a trincheira da MG-030 é estreita demais, a própria MG-030 é estreita demais e seu traçado, pensado para o trânsito de cavalos e carros de boi, é absolutamente impróprio para uma via urbana (ainda que intermunicipal). Para piorar, quase todas as saídas da MG-030 são subdimensionadas, refluindo para a própria MG-030 (exceção para a do Vale dos Cristais) com imenso risco de acidentes.

 

Mas Nova Lima é o "depois", e a gênese dos problemas na mobilidade de Belo Horizonte são, além de conhecidíssimos há 20 ou 30 anos, absoluta e totalmente previsíveis. Aconteceu o que deveria acontecer, tendo como ponto de partida as escolhas que foram feitas e, sobretudo, as escolhas do que iria ser feito. Caso clássico onde as omissões falam mais do que as realizações, e o silêncio grita mais alto do que o barulho.

 

As minhas preferidas são uma lista que fica cada dia mais parecida com um mantra, porque se confirmam a cada nova decaída, a cada novo transtorno, a cada novo problema, e a cada nova viagem e visita a outras cidades a que tenho a oportunidade.

 

A falta de densidade é sempre a minha favorita, e por isso nunca deixa o topo da lista. Nas cidades onde há densidade, o volume de comércio, serviços e empregos é sempre maior, e as distâncias entre a moradia esses empregos, serviços e comércio são sempre menores, exigindo menos tempo, menos sistema viário, e menos transporte público (fomentando, inclusive, os deslocamentos a pé e de bicicletas).

 

A desobrigação de afastamentos frontais e laterais integra a questão da densidade, porque quando há a obrigatoriedade de afastamentos, não é possível haver adensamento sem excesso de verticalização dos prédios (e o Belvedere, o Vila da Serra, o Vale do Sereno, a Barra da Tijuca e toda a Miami estão aí para comprovar a incompatibilidade entre afastamentos, densidade e cidade).

 

Na sequência, as redes subterrâneas de metrô, extensas ou não, abrangentes ou não, com muitas ou poucas estações. Em terceiro lugar, o anterior, mas como deve ser: redes subterrâneas de metrô, com extensão, abrangência e cobertura de estações suficientes para a cidade.

 

Na quarta posição de minha lista, as praças, os parques urbanos, os espaços verdes - e públicos - de "respiro", como pequenas reservas florestais, áreas protegidas, nascentes, hortas urbanas, entremeados no tecido urbano e sistema viário.

 

Pense em Paris, Madrid e Barcelona, todas compactas, densas e com redes de metrô e bondes.
Descoberta por um colega do Caos Planejado, André Sette, a ferramenta sobre densidade urbana criada por Jonathan Nolan permite comparar densidades entre cidades de todo o mundo, não apenas em termos absolutos, mas segmentado pela distância, desde o seu centro.

 

A densidade próxima aos Centros é, como previsto, extremamente baixa em Belo Horizonte (cerca de 12 mil habitantes por km²), quando comparada a cidades europeias (27 a 35 mil habitantes por km²) pelos primeiros 5 quilômetros, desde o ponto central. Quanto mais distante dos Centros menor a densidade, claro, e aos 10 quilômetros de distância do Centro, qualquer cidade analisada vai apresentar valores semelhantes, na casa dos 5 mil habitantes por km² (predominância de residências unifamiliares).

 

As regiões centrais são, portanto, as que precisam receber os maiores investimentos e a melhor infraestrutura de transporte público de massas, e o único sistema capaz de, ao mesmo tempo, comportar a demanda e liberar espaço na superfície para densidade, comércio, serviços, equipamentos de lazer, áreas de "respiro" urbanas, calçadas adequadas e ciclofaixas, são as redes subterrâneas de metrô.

 

Não é que não haja tentativas diferentes, com sistemas baseados em múltiplos modais (integrando ônibus, VLT, um pouco de metrô e BRT). É que, a despeito das desculpas e das explicações rocambolescas, não funcionam com a mesma eficiência na integração e performance, além de demandarem cada vez mais superfície para o sistema viário.

 

Não há sistema que seja, ao mesmo tempo, tão eficiente e tão generoso com o tecido urbano quanto as redes subterrâneas de metrô. Em oposição, nada mais desastroso do que um sistema que reclame a superfície de uma cidade, degradando o tecido urbano, eliminando praças e áreas de lazer, construindo viadutos e trazendo poluição sonora e ambiental eternos.

 

Pois é, o nosso buraco não era o metrô (e nem deveria ser, porque o Belvedere, com a configuração e densidade atuais, não justifica) e, mesmo numa via secundária, conseguiu piorar o que já beira o caos.
Por certo, há lições a aprender aqui. Quais seriam?