O técnico Gabriel Milito vai sentir pela primeira vez o que representa o clássico entre Galo e Raposa para a torcida atleticana -  (crédito: Túlio Santos/EM/D.A.Press)

O técnico Gabriel Milito vai sentir pela primeira vez o que representa o clássico entre Galo e Raposa para a torcida atleticana

crédito: Túlio Santos/EM/D.A.Press

E eis que chegamos então à grande final. Infelizes dirão não haver nenhuma “grande final” em jogos de estaduais, que eles não importam, que nada valem, que devem morrer. Pessoas mortas por dentro, como diz o outro, incapazes de alcançar a grandeza das coisas imortais.

 

Fosse um reles carteado, um ludo inocente, uma peteca besta em que se confrontassem o atleticano e seu arquifreguês, e toda a dimensão da tragédia humana estaria posta. De fato, não é uma “grande final”, é mais do que isso. É uma guerra. E só restará ileso o coração de pedra.

 

 

Para nosotros atleticanos, Milito, as outras guerras vão parar, como fez Pelé, ainda que continuem. Por duas horinhas, hoje, vai cessar o fogo, mesmo que siga a hipocrisia, a desumanidade e o genocídio. Bolsominions vão se abraçar a pessoas normais na hora do gol. Casais em litígio estarão juntos no exercício do amor sincero ao alvinegro. E tudo o mais que se foda, inclusive eles próprios, se assim o clima do jogo propiciar.

 

Para nosotros, Milito, um Atlético e Cruzeiro é uma máquina do tempo, um cão farejador a encontrar afetos perdidos, um dispositivo de fazer chorar o homem mais bronco, a mulher mais tosca. Hoje, à luz do clássico que se avizinha no Terreirão, posso ver eu e meu pai sendo pentacampeões, veja você, em 1982. Eu tinha 10 anos. Ele, 35. Dois meninos. Gol de Rei, assim diria o Willy Gonzer, debaixo de uma chuva intensa que descia da cobertura do Mineirão como se fosse o véu da noiva. O ideal de felicidade do Questionário Proust.

 

Posso ver o Guilherme eliminando os caras no Brasileirão de 99, quando chegaríamos na final – o título impossível com o qual a gente sonhava tanto (não deu). O Dinho, “todo entrega, todo generosa luta” (de novo o Willy), o pereba que faz um gol histórico. O Vanderlei, e o Fábio lá de costas a chorar. Eu no radinho, em São Paulo, esperando o Francisco nascer, campeão de 2007. Agora, quem vem aí é o Davi. O anagrama de Vida. A nossa revanche.

 

Num dia como hoje, posso ver meus tios antes de serem cooptados pela seita – A Seita Que Dói Menos. Posso ver a gente na rua do Ouro, cada menino com sua bandeira, todo mundo Galo menos o Rodrigo, coitado, a exceção a confirmar a regra de que todo mundo é atleticano. Posso ver o foguete acidentalmente estourando dentro do carro quando fomos campeões, depois de um Atlético e Cruzeiro, jovens adultos. O Cuei machucou a mão. Mas é saudade, hoje, que faz a gente se doer.

 

 

O que eu quero dizer, Milito, é que a gente precisa ganhar. Em respeito a nós mesmos, em nome da nossa saudade, por nossos afetos, pelo filho que ainda vai nascer, por aqueles meninos que tremulavam bandeiras menos o Rodrigo coitado, a gente precisa ganhar.

 

Você tem a chave pra isso, eu vi, você falou sobre “entrega” e “paixão” como fundamentais para o sucesso do seu trabalho. E isso é realmente tudo o que a gente espera sempre que paramos as nossas guerras pra ver o Galo jogar. Façamos então um combinado: você entra com toda a entrega, toda a generosa luta – e nosotros entramos com a paixão.

 

No último dia 25, o Galo fez 116 anos, Milito, e isso me fez lembrar a faixa que desceu da arquibancada na final do Brasileirão de 1977, disputada em março de 78: “Galo, você é a minha mãe”. Quem será, ou terá sido, o amoroso torcedor que alcançou tão preciosa concisão? Aos 116, a nossa mãe é uma velhíssima senhora. E nós somos velhos de guerra. É pela velhíssima senhora que vamos ganhar.