Por mais que várias teorias, pesquisas e revoluções pedagógicas aconteçam, a verdade é que tudo começa a partir de uma boa aula -  (crédito: Freepik)

Por mais que várias teorias, pesquisas e revoluções pedagógicas aconteçam, a verdade é que tudo começa a partir de uma boa aula

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Ao fim de mais um ano letivo, é comum iniciarmos a revisão das práticas pedagógicas no intuito de aprimorar o conhecimento construído em sala de aula, pensando nos pontos de avanços e, também, nos desafios que surgem para as novas etapas da vida.

Sabemos que o ato de educar não é tarefa fácil e não possui respostas prontas. Porém, é preciso elencar pontos e situações, oportunizando a cada docente um período de reflexão a respeito dos rumos de sua atividade. Muita coisa tem surgido acerca desse assunto, uma variedade de informações, estratégias e apontamentos que merecem nosso olhar atento e apurado.

No entanto, mais que uma perspectiva de professor, todos nós, em vários momentos da vida, fomos (ou somos!) alunos. Nesse sentido, basta acessar a memória para perceber as marcas e os momentos mais significativos, bem como os mestres mais cativantes que nos provocaram em direção ao “desejo de saber cada vez mais”.

Por mais que várias teorias, pesquisas e revoluções pedagógicas aconteçam, a verdade é que tudo começa a partir de uma boa aula. Simples assim.

A aprendizagem é uma atividade coletiva

Um fantasma ronda a educação: a ideia de que as pessoas irão aprender apenas com experiências individuais. Cercado por vivências digitais, acessando universos paralelos, com fones de ouvido e óculos de realidade aumentada, cada sujeito terá sua experiência individual de contato com o conhecimento. Criando um universo paralelo, toda essa parafernália pedagógica provocará, necessariamente, um distanciamento da realidade, uma anulação efetiva de qualquer gesto orgânico alinhado ao aprender.

Sabemos, a partir da vasta literatura sobre o tema, que o desenvolvimento da aprendizagem é, fundamentalmente, uma ação coletiva. Muitos ainda possuem a ideia enganosa de que a inteligência é uma espécie de dom divino, beneficiando alguns agraciados pela sorte religiosa. O saber é material acumulado por gerações, com o suporte da linguagem, chegando até cada indivíduo que aprende. Ali, entre pares, ele irá testar os conhecimentos herdados, aprender novas formas de pensar e, também, construir novos caminhos que apontem para novas descobertas. É como uma escada. Para chegar ao degrau posterior é necessário passar pelos outros anteriormente. Basta lembrar do famoso “enigma de Kaspar Hauser” ou o “caso das meninas lobo”. Crianças sem contatos perenes com outros seres humanos que não desenvolveram suas características civilizatórias.

O gesto de aprender não pode ser considerado como uma atitude de isolamento (e até mesmo negação) do mundo. Pelo contrário, é relação com ele, na comunicação com os outros, nas semelhanças e diferenças que nos constituem como sujeitos de aprendizagem. Isolar crianças e jovens em supostas estratégias de experiências digitais não garante uma aprendizagem significativa. Com isso, formaremos seres encapsulados, incapazes de comunicar o saber à comunidade que os constituem como pessoas.

O professor é um comunicador

A tradução é a gentileza de todo trabalho docente. É por isso que o bom professor deve ser, principalmente, um ótimo tradutor. Começamos por aí. O desafio não é ter um conhecimento técnico do conteúdo a ser trabalhado, mas conseguir diminuir a distância entre ele e cada estudante que se apresenta como um sujeito aberto à aprendizagem.

O conhecimento aprofundado a respeito de um tema faz do indivíduo um especialista, seja ele geógrafo, sociológico, físico ou matemático. A habilidade em traduzir esse conhecimento para acesso do outro, que ainda não o contatou, faz do técnico um professor.

Acima de tudo, essa é uma atitude ética, de cuidado, pois se trata de pensar algo que é destinado a outrem. Nesse sentido, podemos afirmar que a atividade docente não pode ser um ensimesmamento individualista, pois sua ação tem como finalidade chegar a um outro que não é ele mesmo.

No reino das pirotecnias metodológicas, vendidas a preço de livro de autoajuda, a melhor metodologia é a comunicação clara, facilitada, exemplificada, de forma a fazer com que o estudante seja capaz de entender a narrativa da aula, tomando consciência da importância e do significado daquilo que lhe é ensinado.

Uma boa dose de ironia

As melhores aulas são aquelas que, em sua construção, vão deixando doses homeopáticas da mais fina ironia. Lógico que não se trata de um humor rasteiro, como se a sala de aula fosse um grande auditório de stand up comedy, mas de uma finesse capaz de ir aguçando os paladares cognitivos em busca de outras formas de entendimento e experiências de aprendizagem.

Nada pior do que uma aula completamente técnica, sem nenhuma sátira a respeito de quão bobos e bárbaros às vezes somos, principalmente quando desconsideramos a importância de determinado conhecimento em nossas vidas. No fim, acabamos rindo é de nós mesmos, e esse é um bom sinal, que a inteligência começou a circular em nosso meio.

Tratar os assuntos com seriedade é, também, colocar uma lente de aumento a respeito das caricaturas possíveis em nosso jeito de viver, que, em grande parte do dia, estão distantes de uma sabedoria apurado. Toda a sociedade precisa de enxergar seus pontos ridículos, seus atravessamentos fora de ordem, seus preconceitos e ignorâncias. Quando descobrimos isso, nos entregamos ao riso.

Basta dizer que essa foi a metodologia socrática, que fazia seus oponentes desistirem da própria discussão, expondo a ignorância da maioria a partir de perguntas bem localizadas. Na maioria das vezes, esse método expunha a superficialidade em que grande parte da sociedade conduzia sua vida, afirmando saber algo que, na verdade, não se sabe. A ironia é a mãe de todo conhecimento.


O que o professor não é

É moda tentar classificar o docente como mediador, tutor, facilitador, mentor, atravessador dos sete mares, guru de jornadas interiores especiais e, até mesmo, influenciador de mindset’s empreendedores. Porém, nomear de forma correta é tarefa fundamental para descrevermos, com acuidade, a realidade. Nenhum termo denomina melhor a tarefa de alguém que, frente a uma sala de aula, assume a responsabilidade de ensinar, que o nome “professor”.

Alterar o nome das atividades é, em grande medida, estratégia para pasteurizar a especialidade de algumas funções sociais, a história está cheia de exemplos. O termo professor foi uma tentativa de traduzir uma ação: aquele ou aquela que declara em público, ou aquele(a) que afirmou publicamente.

Cada professor, ao assumir a responsabilidade por um conteúdo, carrega e declara, publicamente, as vozes daqueles e daquelas que trouxeram elementos necessários para a construção da própria civilização, em qualquer área do conhecimento. Assim, o interessante dessa ação social é que ela carrega consigo a multiplicidade de vozes que ecoaram ao longo dos tempos. No entanto, em sua prática diária, o faz solitariamente frente a um grupo que testa sua verificabilidade e respeitabilidade à medida que constrói segurança naquela voz uníssona que representa outras tantas.

Não existe uma 'engenharia da aprendizagem'

 

É preciso estar muito atento para os vendedores de ilusão que praticam seus golpes, inclusive, com aval de supostas pesquisas e dados relevantes que surgem à medida que os investimentos e lobbys aumentam ao redor das propostas pedagógicas. Assim, não é raro aparece alguma forma ou metodologia revolucionária que apresentará maneiras eficazes de gerir a aprendizagem em uma sala de aula.

Mais que apresentar formas e tendências, esses movimentos tentam produzir no professor a ideia de que ele está sempre desatualizado, atrasado, ineficiente ou deslocado das principais mudanças em seu fazer pedagógico. É preciso ter muita calma e não deixar a insegurança falar mais alto.

Consolidamos a crença de que “o universo está escrito em linguagem matemática” e, partir daí, investimos toda a nossa energia na tentativa de mecanizar o processo de aprendizagem em sala de aula. Porém, uma aula não se faz, apenas, com metodologias e métricas. Na medida em que variáveis humanas e elementos narrativos dão significado ao saber, a dinâmica de uma construção orgânica vai construindo o ineditismo que produz o prazer de aprender com alguém.

Aí é que a mágica acontece, pois a aprendizagem é a construção de uma pavimentação simbólica que pretende ligar o desejo de ensinar ao desejo de aprender. Investir nessa possibilidade é, com certeza, a metodologia mais eficaz que já inventaram. Não podemos desconsiderar que o conhecimento, em uma sala de aula, passa por um processo de transferência que o estudante estabelece com seu professor, contendo elementos de identificação, diferenciação e admiração. Na maioria das vezes, esse movimento não é passível de verificação prévia.

É esse desejo, quando encontrado, que mantem acessa a certeza de que 50 minutos são necessários para transformar qualquer vida.