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Por Alexia Diniz
O brasileiro anda devendo. E não é pouco. Segundo dados da Equifax BoaVista, 60 milhões de pessoas estão negativadas, ou seja, com o nome sujo nos cadastros de crédito. Isso equivale a um terço da população em idade de trabalhar.
É tanta gente endividada que, se todos se reunissem para renegociar juntos, o país pararia. A inadimplência virou quase um estilo de vida: paga-se uma conta, atrasa-se outra, renegocia-se a terceira, e lá se vai o mês.
O número de negativados cresceu 5,5% em relação a 2024 e 10,8% em comparação com 2023. E o IBEVAR-FIA Business School prevê que o índice continue subindo, chegando a 7,1% até dezembro. Isso significa que o Brasil vai terminar o ano mais endividado do que começou, e olha que a barra já estava alta.
Crédito virou oxigênio caro
Os dados mostram que o brasileiro anda precisando de crédito como quem precisa de ar. Só no primeiro semestre de 2025 foram 450 milhões de pedidos de crédito, 160% a mais do que no mesmo período do ano passado, segundo a Equifax. O problema é que boa parte desses pedidos não é para investir ou abrir negócio, é para pagar dívida antiga.
É o famoso “empréstimo pra pagar empréstimo”. E quando o crédito vira remendo, o buraco só aumenta.
A BoaVista calcula que 74% da renda média do brasileiro está comprometida com dívidas. Ou seja: três quartos do salário já nascem destinados a pagar boletos. E ainda tem quem se pergunte por que o churrasco de domingo sumiu da agenda.
O vilão tem nome e sobrenome: juros rotativo
Entre as várias armadilhas financeiras que o país oferece, o rotativo do cartão de crédito é o chefe. A taxa média ultrapassa 400% ao ano. Isso mesmo: quatrocentos por cento.
Nessa lógica, uma dívida de mil reais pode dobrar em poucos meses. É tipo plantar um feijão e colher uma trepadeira de boletos.
E mesmo assim, o cartão continua sendo o melhor amigo (ou pior inimigo) do brasileiro. Segundo o Banco Central, o rotativo é o principal responsável pela alta da inadimplência no crédito livre.
Enquanto isso, os cinco maiores bancos seguem controlando 80% dos empréstimos do país. A concorrência é pouca, o lucro é alto, e o consumidor, como sempre, paga o pato.
Parcelar é cultura (e problema também)
Se existe um símbolo da relação do brasileiro com o dinheiro, ele se chama parcelamento. Aqui, até o pastel da feira pode ir em 3x no cartão. E não adianta dizer “sem juros”: o preço já vem inflado, só que a gente prefere fingir que não percebe.
Essa cultura de “pagar depois” ajuda a manter o comércio girando, mas também cria uma falsa sensação de controle. O problema é que o futuro chega, e com ele, todas as parcelas juntas.
A Confederação Nacional do Comércio (CNC) mostra que 30,4% das famílias estão com contas em atraso, o maior índice da série histórica iniciada em 2010. E quase 80% têm contas a vencer. É o tipo de dado que mostra que a corda está esticada.
Score baixo, confiança menor ainda
Como se não bastasse o aperto, ainda tem o tal do score de crédito, aquele número mágico que define se o banco confia em você. No Brasil, a média é de 531 pontos, ou seja, estamos na faixa “paga, mas com emoção”.
O score leva em conta se você paga as contas em dia, se atrasa, se pede muito crédito, se respira… tudo. Pedir crédito demais, inclusive, derruba a nota. É como se o sistema dissesse: “hum, desesperado por dinheiro, né?”.
E o resultado é cruel. Quem mais precisa de crédito é quem menos consegue, e a melhor maneira de conseguir esse crédito é melhorando seu score.
Juros altos, salários baixos: a conta que não fecha
Mesmo com a inflação sob controle, a renda não acompanha o custo da vida. A comida continua cara, o aluguel subiu… e isso come o orçamento das famílias todo mês.
Enquanto isso, os bancos lucram. A inadimplência alta não preocupa tanto as instituições financeiras, porque os juros altos compensam. Ou seja, mesmo quando alguém deixa de pagar, o banco ganha.
É como se o sistema tivesse sido desenhado para manter o consumidor correndo atrás do próprio rabo, ou melhor, do próprio boleto.
O crédito que ajuda… até não ajudar mais
Crédito pode ser um aliado poderoso, se usado com planejamento. O problema é que, para a maioria dos brasileiros, ele virou o primeiro recurso. O empréstimo que deveria servir para realizar sonhos agora serve para apagar incêndios.
A Serasa e o programa Desenrola Brasil têm tentado facilitar renegociações (inclusive esta rolando um feirão agora no mês de novembro), oferecendo descontos e parcelamentos mais leves. Mas sem educação financeira, muita gente volta a se enrolar em poucos meses. Troca uma dívida por outra e, quando percebe, está no mesmo lugar, só que com um novo contrato.
A falta de informação é tão grave que, segundo o CEO da BoaVista, “a maioria dos brasileiros ainda não sabe a diferença entre juros simples e compostos”. E é justamente essa diferença que separa quem sai do buraco de quem cava mais fundo.
Por que o problema vai piorar antes de melhorar
A projeção da FIA Business School é clara: a inadimplência vai continuar subindo até o fim do ano. O crédito livre deve fechar 2025 com taxa de 7,1%, e o total do sistema financeiro em 4,9%.
Isso significa mais gente com nome sujo e menos acesso a crédito, o que afeta diretamente o comércio e o consumo. O varejo, especialmente o de bens duráveis, já sente o impacto das restrições. Com o medo de se endividar, o consumidor compra menos, o que desacelera a economia.
Mas calma: ainda dá pra sair do vermelho
Apesar do cenário desanimador, nem tudo está perdido. O primeiro passo é entender quanto se deve e pra quem. Muita gente não tem nem ideia do tamanho do problema e sem saber, não dá pra resolver. Então se você não sabe quanto você precisa, a primeira coisa a se fazer é entrar no Registrato e no Serasa verificar tudo que você está devendo.
Depois, vem a renegociação inteligente. Não adianta aceitar qualquer proposta. Use plataformas oficiais, compare descontos e veja se o valor das parcelas realmente cabe no orçamento.
E, por favor, evite fazer dívida pra pagar dívida. Parece óbvio, mas é o erro mais comum. É como apagar fogo com gasolina.
Por fim, reaprenda a usar o crédito. Ele não é vilão, é ferramenta. O problema está em tratá-lo como renda. Crédito é promessa de pagamento futuro, e o futuro, como sabemos, chega mais rápido do que a gente imagina.
Se quiser visualizar o impacto dos juros de forma prática, dá pra usar a Calculadora de Juros Compostos do Educando Seu Bolso. Em poucos segundos, ela mostra quanto uma dívida cresce (ou quanto você deixaria de perder se renegociasse logo).
Conclusão: o Brasil precisa falar sobre dinheiro
A inadimplência no Brasil não é só um problema de bolso, é também de cultura. Ainda se fala pouco sobre finanças pessoais, e muito se romantiza o “parcelar pra caber no mês”.
O desafio é aprender a usar o dinheiro de forma consciente, fugir das armadilhas do “sem juros” e entender que planejamento não é coisa de rico, é o que separa quem sobrevive de quem afunda.
No fim, o Brasil precisa de menos crédito e mais clareza. Porque, do jeito que está, o único investimento que parece render de verdade é o das financeiras, e o retorno é o nosso desespero.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.
