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Por Alexia Diniz
Tudo começou com um e-mail ignorado. Aqueles típicos de governo, cheios de siglas e letras maiúsculas. Assunto: “AVISO DET - CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO”. A gerente de RH da empresa “Faz Tudo S/A” nem deu bola. Achou que era mais um aviso qualquer, ou pior, spam. E sabe o que ela fez? Nada, apenas mandou pra lixeira.
Só que, do outro lado, o João, funcionário do almoxarifado, tinha acabado de contratar um empréstimo consignado através do novo programa do governo chamado Crédito do Trabalhador. Ele estava feliz da vida, com o dinheiro já na conta. Mas tinha um detalhe que ninguém explicou direito: quando o João pega o empréstimo, quem tem que fazer todo o trâmite para descontar direitinho é a empresa.
Adivinha o que aconteceu? A empresa não ficou sabendo, não lançou o desconto na folha, não repassou o valor pro banco, e no final ficou com a conta na mão.
Mas o que é esse tal de Crédito do Trabalhador?
É um programa do governo criado para facilitar empréstimos para trabalhadores com carteira assinada. O dinheiro é liberado mais rápido, com juros menores, porque o pagamento é feito direto da folha de pagamento. Ou seja, descontado do salário antes mesmo do trabalhador receber.
Só que para isso acontecer, a empresa entra no meio da história. Ela é a responsável por descontar o valor, lançar no sistema e repassar o dinheiro pro governo. Parece simples né? Mas na prática, é um rolo de obrigações.
O passo a passo que a empresa TEM que seguir (senão dá ruim)
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O funcionário contrata o empréstimo pela Carteira de Trabalho Digital.
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A empresa recebe um aviso no DET (Domicílio Eletrônico Trabalhista) dizendo “Ei, olha aqui, seu funcionário pegou um empréstimo”.
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A empresa precisa acessar o site Emprega Brasil, conferir os detalhes do contrato (quanto vai descontar, de qual banco, qual número de contrato, etc.).
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Depois disso, precisa lançar essa informação no sistema eSocial.
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E então gerar uma guia de pagamento no sistema FGTS Digital.
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E, claro, pagar essa guia até o dia 20 do mês seguinte.
E se não fizer alguma dessas etapas? A empresa pode ficar inadimplente, virar devedora no lugar do funcionário e ainda pode ter que pagar multa e juros.
“Mas ninguém me avisou!”
Se você pensou isso, o governo tem uma resposta que pode ser entendida como: “o aviso foi enviado no DET. Se você não leu, o problema é seu”.
A ideia do DET é justamente essa: ser a “caixa de entrada oficial” das empresas para assuntos trabalhistas. E tem mais: se o e-mail com o aviso caiu no spam, não importa. O aviso no sistema vale mais do que o e-mail. A obrigação existe, com ou sem alerta.
Então aqui vai uma dica: coloque na rotina do seu RH a tarefa de entrar no sistema do DET, regularmente, para verificar se tem alguma novidade por lá para sua empresa.
Não é só lançar na folha, tem que lançar certo
Se a empresa errar o valor, o número do contrato, o banco, ou esquecer de lançar... a bronca é dela. E o sistema não é muito tolerante, viu? Tem até código específico para esse tipo de desconto: rubrica 9253.
Além disso, só pode descontar até 35% do valor líquido do salário. Ou seja, depois que você já tirou INSS, imposto de renda, pensão e tudo mais.
Se o salário estiver apertado naquele mês (o desconto do plano de saúde foi maior, ou você estava de férias), a empresa tem que fazer um desconto parcial, e avisar o funcionário que não deu pra descontar tudo. E aí ele corre atrás do banco para resolver.
E se o funcionário for demitido?
Se o funcionário for desligado logo depois de contratar o empréstimo, tem regra para isso também.
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Se ele for demitido antes de começar a descontar, a empresa não precisa fazer nada.
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Se o trabalhador for demitido no mês em que o desconto do consignado começaria, o valor da parcela ainda deve ser lançado e, se possível, descontado das verbas rescisórias. Mas atenção: esse desconto nas verbas só pode acontecer se respeitar o limite legal de 35% da soma das verbas rescisórias passíveis de desconto (como saldo de salário, 13º proporcional, férias vencidas ou proporcionais + 1/3, etc.).
Não é que você vá aplicar 35% sobre cada verba isoladamente, nem que vá somar tudo (como multa do FGTS, que não entra) o correto é aplicar o teto de 35% sobre o total disponível e descontável. Se o valor da parcela ultrapassar esse limite, o empregador não pode reter o restante, a cobrança segue por outros meios (judicial ou extrajudicial).
Mas a empresa não pode descontar várias parcelas de uma vez só para “quitar o empréstimo”. Só pode o valor do mês vigente, o resto, vai ser descontado no FGTS ou no pior dos casos o banco cobra direto do João.
Nada de desconto no décimo terceiro!
Achou que ia aproveitar o décimo terceiro salário pra colocar o desconto do empréstimo? Esquece, não pode. O sistema não deixa, e é regra: empréstimo consignado não pode ser descontado na folha de décimo terceiro salário.
Como não sair prejudicado com Crédito do Trabalhador
Depois do problema com o e-mail ignorado e a guia não paga, a empresa precisou correr atrás:
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Fez login no DET todo dia 21 do mês, religiosamente.
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Criou um checklist interno com as etapas do crédito do trabalhador.
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Deu curso para o RH e para o contador.
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Parou de confiar que o e-mail ia chegar direitinho.
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E ainda revisou todos os cadastros de e-mail no sistema, para garantir que não iam parar no spam ou ser ignorado, de novo.
No fim das contas, não é que o programa seja ruim. A proposta é boa: dar crédito mais barato para quem mais precisa. Mas o problema é que a responsabilidade cai inteirinha nas costas da empresa, e sem aviso claro, sem remuneração e com um monte de obrigação escondida.
Como que fica para o lado da empresa?
Vamos imaginar que você, empresa, dedica tempo do seu RH, contabilidade e financeiro pra fazer tudo isso funcionar. Consulta sistemas diferentes, lança dados com precisão, controla guias de pagamento, evita erros... e tudo isso só porque o João quis pegar um empréstimo pessoal.
Você não ganha nada com isso. Pelo contrário: perde tempo, energia, e corre riscos se errar. Tempo que você poderia estar usando pra cuidar de outras coisas: planejamento financeiro, evitar ações trabalhistas, melhorar processos, mas está ali, fazendo malabarismo com um desconto na folha de pagamento.
Conclusão: quem pega o empréstimo é o funcionário, mas quem se lasca pode ser a empresa
Se você é empregador, contabilidade ou trabalha no RH, entenda: o Crédito do Trabalhador é mais uma tarefa no meio da sua rotina. E não é opcional.
Ignorar um aviso no DET ou pular a verificação no Portal Emprega Brasil pode te colocar numa fria. Erros na hora do lançamentos viram pendência no eSocial, guia não paga vira problema com banco, e funcionário insatisfeito... bom, isso todo mundo já conhece.
Então antes de deixar “só o contador cuidar”, vale a pena dar uma olhada pessoalmente. E lembrar: não é porque o e-mail sumiu que a multa vai sumir junto.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.