As mulheres e a dengue
 -  (crédito: Pronascer.com/Reprodução)

As mulheres e a dengue

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Nos últimos dias, dados epidemiológicos oficiais revelaram que as mulheres morrem mais de dengue que os homens. Vários jornalistas me pediram para tentar explicar esse fenômeno, que contraria a lógica de preservação da nossa espécie.


Em geral, mulheres enterram seus maridos, quando não são vítimas deles.


A análise de dados de mortalidade e letalidade por uma determinada doença é a cruz do epidemiologista. Inúmeros fatores interferem nesse indicador, os quais devem ser cuidadosamente avaliados com ajuda e suporte estatístico complexo.


Segundo Ariano Suassuna, existem três tipos de mentira: a mentira comum, a mentira deslavada e a estatística. O que Suassuna nos adverte é para os vieses ou fatores que afetam a interpretação de dados estatísticos para os quais devemos estar atentos ao tirarmos conclusões acerca de um determinado assunto.



Vários são os motivos pelos quais uma doença pode estar sendo mais letal num período do que em outro. Entre eles, uma maior virulência (agressividade) do agente circulante. No caso da dengue, a circulação do DENV 2 causa quadros clínicos mais graves em relação aos outros três tipos de vírus.


Entretanto, nada impede que levantemos algumas hipóteses que expliquem o motivo de termos mais óbitos por dengue em pessoas do sexo feminino.


O fato de o número de mulheres ser maior do que o de homens na nossa população pode gerar esse viés analítico. Ou seja, morrem mais mulheres pelo fato de serem maioria.


Sabemos que “a mosquita” é atraída por pessoas com temperatura corporal mais elevada. As mulheres em idade fértil apresentam uma discreta elevação de temperatura durante o período de ovulação. Além disso, as grávidas têm a temperatura aumentada ao longo da gestação. Sabemos também que a dengue no último trimestre de gravidez eleva em quatro vezes o risco de morte da gestante e do feto. Isso seria suficiente para justificar uma maior incidência de mortes por dengue entre mulheres?!


Pode ser que sim! Porém, independentemente de termos certeza, já sabemos que as grávidas devem ser protegidas de maneira especial durante períodos epidêmicos de dengue, zika e outras arboviroses. O uso de repelentes e roupas com menor nível de exposição da pele é uma estratégia fundamental nesse grupo de pacientes.


Assim como já ocorre para outras doenças, quando dispusermos de vacinas em quantidade suficiente, a imunização das mulheres antes de engravidar será uma estratégia importante para reduzir os riscos de complicações na gravidez.


Para alegria dos marmanjos e do Aedes, as mulheres expõem mais as pernas durante os períodos mais quentes do ano, usando saia e short. Sabemos que a maioria das picadas do mosquito ocorre da cintura para baixo, ou seja, nas pernas. Portanto, mais uma vez, o uso de repelentes e calça comprida é recomendável em períodos e locais de maior ocorrência de casos. Medidas simples que evitam sofrimento e mortes.


Apesar de todas essas hipóteses serem plausíveis, acredito que a melhor resposta esteja no estudo do Dieese sobre as mulheres no mercado de trabalho. Os problemas da inserção da mulher no mercado de trabalho são bastante conhecidos: taxas de desemprego mais altas, menores salários, dificuldades de crescimento profissional e maior informalidade. Além disso, a dupla jornada casa e trabalho.


Os problemas para conciliar os afazeres domésticos e as atividades profissionais podem justificar o fato de as mulheres evoluírem para casos mais graves de dengue e outras doenças que exijam atendimento imediato. Esse estudo mostrou que as mulheres em atividade no mercado de trabalho dedicavam, em média, quase 17 horas semanais com afazeres da casa e relacionados às famílias, em 2022, enquanto os homens dispensavam em média 11 horas nessas atividades.


Em geral, um mosquito infecta várias pessoas numa mesma casa. A mulher, como de costume, cuida de todos e esquece de si mesma, chegando em piores condições nas unidades de saúde. Trata-se de uma hipótese e uma boa dica para quem se interessar em fazer mestrado ou doutorado em saúde pública e esclarecer o enigma: estariam as mulheres, mais uma vez, morrendo por amor, por injustiça social ou ambos?!