Presentes podem despertar uma série de sentimentos em quem oferece e recebe, entre eles alegria, agradecimento e emoção -  (crédito: Pixabay)

Presentes podem despertar uma série de sentimentos em quem oferece e recebe, entre eles alegria, agradecimento e emoção

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Hoje ganhei de uma paciente um creme para as mãos. Junto havia um bilhetinho de agradecimento pelo sucesso obtido através de tratamento de uma situação complexa contra a qual lutava há mais de 4 anos.

O bilhete escrito em papel minúsculo e o simbolismo do creme para as mãos foram emocionantes.

Comecemos pela escrita com caneta esferográfica azul em espaço reduzido. Palavras de carinho com letras miúdas expressam gratidão do fundo da alma. Coisa de alguém que sofreu e não perdeu a esperança. Amor atomizado.

O creme é a expressão máxima de ternura para com as mãos ressecadas pelo álcool, que lhe deram alívio. Simboliza o fim da aspereza com que a vida lhe tratará até o controle de sua tormenta infecciosa. Felicidade compartilhava comigo. O meu ‘eu médico’, com 42 anos de trabalho, se sentiu acolhido e realizado.

O cuidado dela com as minhas mãos expressava a consciência máxima do respeito ao profissional que a atendera.

Ao longo de todos esses anos já recebi presentes e carinho de inúmeros pacientes.

Durante o internato rural, em Jequitaí, Norte de Minas, um pescador percebendo a minha total inabilidade para aquela atividade beira rio me presenteou com um belíssimo dourado. Mais tarde, celebrando o “meu” feito e contando estória de pescador, tomamos uma no bar da esquina. Ele confirmou a minha versão dos fatos.

Dias depois, fiz o parto de sua mulher. Nasceu uma linda menina, que hoje já deve ser mãe, e ele avô! Milagre dos peixes?! Claro que sim!

Vida que flui com carinho, como as águas do Jequitaí para o São Francisco e deste para o mar.

Outro presente inesquecível foi um cordeiro inteiro deixado dentro de uma megacaixa de isopor na portaria do hospital. O meu susto e do porteiro ao abrirmos a caixa foi enorme. Pensamos se tratar de um corpo. Era um corpo. Corpo de cordeiro, que pelo tamanho não havia geladeira que coubesse. Fui socorrido pelo superchefe Ivo Faria, que transformou o problema em prazerosa solução.

Na madrugada do meu dia de São Sebastião ganhei um presente às avessas. A fiação do prédio onde fica o nosso centro de pesquisas foi furtada. Furto frequente em BH, que compromete a vida de muita gente.

No nosso caso, comprometeu um estoque de vacinas contra Covid-19, que estamos pesquisando em parceria com o CT-Vacinas da UFMG. Consequência grave, que atrasa todo esforço para nos tornarmos independentes na produção de vacinas. Ainda deve estar fresco na memória de todos o sufoco que passamos há cerca de 3 anos, quando os países produtores de vacinas reservaram os seus estoques para as suas próprias populações.

A pandemia de Covid-19 nos deu a oportunidade de enxergar um outro conceito de segurança nacional. Muito além de armas para proteger nossas fronteiras e território, precisamos de gente capacitada para fazer ciência e desenvolver insumos que protejam nossa população. Investir em ciência é bem mais efetivo e ético do que em armas. Vacinas salvam vidas. Armas aprisionam e roubam nossos sonhos.

Seriam anti vacinas os larápios dos fios carregados de energia mortal?! Certamente não. Seres anti vacinas são mais sorrateiros e perigosos. Escondidos no submundo das redes sociais fazem estrago bem maior. Com mãos ágeis em teclados de computador espalham o vírus da dúvida e comprometem anos de trabalho e pesquisa. Roubam fios de esperança, matam milhares de pessoas e o que é pior, ficam impunes.

As mãos que furtam fios nas madrugadas de BH certamente são estômagos vazios de uma complexa rede criminosa promovida pela desigualdade social. Coisa que só nossas mãos podem resolver.

Presentes às avessas também me emocionam. Flechas de São Sebastião.