Ilustração Bomba relógio -  (crédito: Ilustração)

Ilustração Bomba relógio

crédito: Ilustração

Físicos quando observam na vastidão do cosmos certos fenômenos, em que as leis da física parecem entrar em colapso, chamam-lhes “singularidades”. Talvez, também na política, sempre que a racionalidade não se explicita nas ações de governantes, o termo possa ser invocado. Há muitas singularidades no governo Romeu Zema. A mais marcante segue ainda indecifrável. Diz respeito ao próprio governador. Nele, as leis da política não se aplicam. Chefe do segundo maior colégio eleitoral do país, de um estado síntese do Brasil em suas dimensões sociodemográficas, ao longo de todo o ano Romeu Zema agiu como se governasse um estado que pudesse prescindir do governo federal.

Que o governador do estado devedor, em situação fiscal “catastrófica”, tenha entrado de cabeça na campanha de segundo turno do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), apostando todas as fichas que viraria a disputa em Minas, vá lá, entende-se. Já estava eleito, queria ser ungido pelo bolsonarismo como sucessor natural nas eleições presidenciais de 2026. Foi convencido de que viraria a eleição nacional em Minas Gerais, e com o apoio orgânico do empresariado e de certas igrejas, partiu para uma polêmica caça aos vira-votos. Zema, naquele momento, foi imprudente porque não pareceu calcular que as coisas poderiam não sair como desejava. Até aqui, compreende-se.

Ainda assim, apesar do constrangimento com o presidente eleito, solução sempre há. Terminado o pleito, Zema poderia ter feito gestos altivos, mas políticos. Poderia, preservando a sua identidade raiz, os seus interesses em manter vínculos com um segmento do eleitorado da extrema direita, ter construído uma interlocução com o governo federal. Assim faz, por exemplo, o governador de São Paulo, um estado rico que não carrega o pires do RRF. Assim faz o governador do Rio, estado que vive momentos tão difíceis quanto Minas, também constrói interlocução com o governo federal, de um presidente que ele pessoalmente não gosta. Mas que seu estado necessita. Mas Minas, que já protagonizou cenas históricas marcantes, tornou-se diferente.

A singularidade, nesse caso, diz respeito a esse comportamento que não se explica: gestos de um governador que não foram feitos para construir pontes, mas antes, que foram feitos para dinamitar projetos de pontes. Daí que, agora, em que 20 de dezembro se aproxima, a sociedade mineira parece em choque: “Uai, mas como assim, o governador Romeu Zema precisa dialogar com o presidente Lula?” O presidente da Assembleia, Tadeu Leite (MDB), vai mediar a conversa entre o governo Zema e o presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD). Assim Pacheco poderá, quem sabe, buscar com o governo federal, saídas para a situação fiscal de Minas. Agora, entra em cena, a política.

Tramitação que segue

Apesar de o ofício enviado pelo governador Romeu Zema (Novo) a Rodrigo Pacheco (PSD), presidente do Congresso Nacional, solicitando ajuda na negociação da dívida de Minas com a União, na Assembleia, segue a tramitação do PL 1.202/2019, que autoriza o governo de Minas a aderir ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Mas a oposição segue em obstrução, agora na Comissão de Fiscalização Financeira e Orçamentária. Deputados da situação que já não estavam entusiasmados estão mais cautelosos.

No escuro

Ainda não há luz ao fim do túnel, afirma o líder do Romeu Zema, João Magalhães (MDB), em explicação aos deputados estaduais para a necessidade de aprovação na Assembleia Legislativa, até 20 de dezembro, o PL 1.202/2019. “É amargo, mas por enquanto, é o único remédio”, avisa, considerando estar na expectativa em relação à reunião em Brasília, nesta quinta-feira, entre o presidente da Assembleia, Tadeu Martins Leite (MDB) e Rodrigo Pacheco, para tratar da dívida.

Impagável

Vice-líder do governo Lula na Câmara dos Deputados, o deputado federal Rogério Correia (PT) defende a suspensão da tramitação, na Assembleia, do projeto que autoriza a adesão do estado ao RRF. “Agora se inicia o processo de negociação junto a Rodrigo Pacheco, eu também estou à disposição. Não podemos aceitar um regime que deixará, para o futuro, uma dívida ainda mais impagável”, diz.

Socorro carioca

Durante audiência pública na Comissão de Administração Pública, para discutir o RRF, o deputado estadual Sargento Rodrigues (PL) perguntou ao secretário de estado da Fazenda, Gustavo Barbosa, o que ele faria se, em 2032, ele ainda fosse o responsável pela pasta. A projeção é de que até lá, a dívida mineira, sob o RRF, alcance R$ 210 bilhões. “O senhor já foi o responsável pelo plano de recuperação fiscal implementado no Rio de Janeiro e, agora, o governador Cláudio Castro está pedindo socorro para o governo federal", criticou Rodrigues. 

A conta sempre chega

Foi à sanção do presidente Lula o projeto que abre crédito especial de R$ 15,2 bilhões no orçamento de 2023, dos quais, R$ 8,7 bilhões para compensar estados e municípios pelas perdas de arrecadação em 2022, decorrentes da redução, às vésperas das eleições presidenciais, da alíquota de ICMS de combustíveis e outros serviços. A matéria regulamenta a Lei Complementar 201/2023, que trata, entre outras, dessas compensações.

Graça com chapéu alheio

Em 2022, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) justificava o preço da gasolina atacando as alíquotas de ICMS dos estados. Muitos governadores, para ajudá-lo, nada disseram à época. Agora precisam da compensação. São valores brutos previstos para Minas Gerais, a serem deduzidos dos valores já compensados: R$ 3,383 bilhões, dos quais, R$ 845,78 milhões em 2023 e em 2025 e R$ 1,691 bilhão em 2024.