Recentemente o livro “O avesso da pele”, de Jeferson Tenório, vencedor do Prêmio Jabuti em 2021, foi alvo de censura porque autoridades de alguns estados consideraram as cenas de sexo descritas no livro impróprias para a leitura de adolescentes de 14 a 18 anos. O livro “Aparelho sexual e cia.”, de Hélène Bruller, voltou a ser alvo de censura também: uma prefeita catarinense fez um vídeo jogando o livro no lixo. Monteiro Lobato também está sendo cancelado, não por causa de cenas de sexo, mas por causa de racismo.


O cancelamento acaba despertando mais interesse pelos autores e pelos livros. As vendas de “O avesso da pele”, livro que debate o racismo, aumentaram 400% após as represálias, o que mostra o quão equivocado é querer cancelar um bom livro.




Precisamos ser coerentes, não devemos nos indignar com a censura ao livro de Jeferson Tenório e achar que a obra de Monteiro Lobato deva ser retirada das escolas. Minha amiga Nati Lelis, arquiteta e urbanista, fez uma ponderação muito pertinente em relação à polêmica com Monteiro Lobato:


“No caso do Monteiro Lobato, o problema não é só o autor, mas também a obra. E não é só racismo, nem de longe. Estudei coisas dele no doutorado. A obra do Monteiro Lobato está diretamente associada à construção da modernidade no Brasil. A inferiorização do camponês em prol da construção do cidadão trabalhador moderno. Mas, uma coisa é uma educação voltada para a construção de consciência crítica aos moldes paulofreireanos, e outra coisa é construção de uma verdade única que todo mundo tem que concordar e ponto. A gente pode lembrar do filme/livro “O nome da Rosa”, do livro de comédia envenenado com arsênico. E tem outro problema, que é quem faz o corte e que corte é esse? A literatura realista naturalista brasileira, com coisas tipo “O Cortiço”, ajudou a construir o horror ao pobre urbano e suas formas de viver e a legitimar uma violência territorial pesada para expulsar os pobres dos grandes centros urbanos. Vamos excluir essa literatura também? O samba ‘clássico’ brasileiro é altamente preconceituoso e machista, a MPB nem se fala, vamos parar de ouvir também? Na literatura, como na música, como na TV, como em qualquer coisa que forma um Ethos, a gente precisa oferecer opções. Opções de boa qualidade e que tenham uma pega na realidade vivida, e ser provocadores de reflexão. Assim a gente estimula a vir uma geração que pensa por si mesma e não uma geração que concorda com a gente. É um precedente muito, muito perigoso, a gente começar a concordar que tem coisas que não podem ser ditas, livros que não podem ser lidos. Foi esse um dos instrumentos mais poderosos da duração milenar da Idade Média. Proibir ele não é uma boa estratégia.”

Quanto aos livros que falam sobre sexo, precisamos deixar o puritanismo de lado, as pessoas fazem sexo, muitos jovens entre 14 e 18 anos já têm uma vida sexual ativa e, quando não tem, já sabem muito bem o que é, e como se faz, afinal, todos eles têm um celular na mão e acessam tudo e mais alguma coisa, desde formas de prevenir uma gravidez precoce até pornografia. Mesmo os adolescentes menores de 14 já sabem muito bem o que é uma relação sexual, como pais, nosso papel não é censurar livros e sim, ler esses livros e abrir espaço para o diálogo com nossos filhos. Quem tem medo desse tema ser tratado nas escolas, geralmente não conversa sobre isso em casa, e isso é um perigo, porque o que se acessa nas mídias sociais quando não tem ninguém olhando costuma ser muito mais explicito e ofensivo do que qualquer coisa que se possa ler em um livro.


Educação se faz, antes de tudo, com construção crítica. Os livros são importantíssimos para que possamos percorrer esse caminha. Ao invés de cancelar, de querer jogar no lixo ou queimar um livro, abra-o e leia, você pode se surpreender positivamente com o resultado q ele vai te proporcionar.

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