'Ainda estou em tratamento, são cinco anos após o início da terapia hormonal' -  (crédito: Stefamerpik/Freepik)

'Ainda estou em tratamento, são cinco anos após o início da terapia hormonal'

crédito: Stefamerpik/Freepik


Em 25 de março de 2009, eu abria aquele resultado de exame. Havia feito uma biópsia de um carocinho que apareceu na minha mama esquerda, e o resultado estava ali, a um login de distância. Levei meu filho para o colégio e voltei para casa. Me programei para estar sozinha naquele momento. Abrir sozinha, sem ninguém por perto, porque eu sabia, minha bola de cristal já havia me avisado, que seria um câncer e a confirmação estava ali na minha frente. Fiz o login, baixei o resultado e abri o arquivo: carcinoma invasivo com características lobulares era o nome daquela bolinha no meu peito.

 

Coração saiu pela boca, a alma saiu do corpo e veio aquela sensação de não estar mais aqui, mas eu estava. A sensação de ter visto meu atestado de óbito era intensa, me tirava o ar e fazia minhas mãos tremerem. Uns minutos de meditação e fui me acalmando. Me belisquei e eu ainda estava aqui. Enviei o resultado do exame para o marido, em seguida para uma amiga, bati na porta da vizinha, precisava falar com alguém ao vivo. Uma conversa, um copo de água com açúcar. Uma mensagem da amiga que conseguiu um encaixe com um oncologista referência no Brasil, naquela mesma tarde. Tudo muito rápido. Eu tinha pressa para me ver livre daquele câncer.

 

O médico fez vários pedidos de exame, tomografias, ultrassonografias, ressonâncias, cintilografias. Me reviraram do avesso para ter certeza de que era só aquilo, só ali no peito, na mama esquerda. Cada resultado era um frio na barriga, um medo de aparecer mais alguma coisa grave. A espera por eles era angustiante, mas cada um pôde ser comemorado. Não tinha mais nada.

 

 

 

Em julho, a cirurgia, e aquela coisa que não me pertencia foi tirada de mim. Uma sensação boa de que todas as minhas dores, meus traumas, minhas desilusões da vida estavam concentrados naqueles 2 centímetros de tumor e Haviam sido arrancados de mim. Ficaram as cicatrizes que contam a história da oportunidade que eu tive de continuar vivendo. Ano após ano, mulheres passam pela mesma coisa: diagnóstico, medo, coragem, tratamento, nem sempre a cura, e quando vem a cura, vem junto o medo da recidiva.

 

As cicatrizes contam essa história, um momento da minha vida que passou, mas que deixou suas marcas, no corpo e na alma. Marcas que dizem sobre um antes de um depois, de um novo Eu que nasceu ali. Que renasceu sem ter morrido.

 

Ainda estou em tratamento, são cinco anos após o início da terapia hormonal. Cinco anos de consultas e que me deixaram íntima dos ambientes hospitalares que antes eu desconhecia. O que me cansa no câncer é essa conversa diária que tenho que ter com a Morte, explicando a ela porque eu devo ficar mais tempo por aqui. Ao mesmo tempo, essa presença da ausência, o saber que tudo vai ter fim um dia, é um consolo.