A inteligência artificial está disseminada em várias frentes, para o bem e para o mal
 -  (crédito: Embrapa/Divulgação)

A inteligência artificial está disseminada em várias frentes, para o bem e para o mal

crédito: Embrapa/Divulgação

Outro dia descobri uma modelo chamada Emily Pellegrini. Emily tem 23 anos e, poucos meses após ter sua conta criada no Instagram, já tem mais de 200 mil seguidores. E ela também vem conquistando fãs em puras mídias sociais, especialmente nas de conteúdo adulto. A modelo vem ganhando dinheiro, recebendo propostas de milionários, recebendo cantadas de jogadores de futebol, e recendo para fazer publicidade.

A questão é que ela não é uma mulher de verdade, ela foi criada por um homem, usando inteligência artificial. Ele pesquisou no Chat GPT qual era o tipo de mulher que mais atrai os homens e a criou. Uma jovem de 23 anos, morena, com seios fartos, cabelos longos e lisos. Uma beleza criada pelo imaginário masculino. Uma beleza irreal e inatingível para mulheres de carne e osso. Emily é a mulher dos sonhos dos homens, um corpo perfeito feminino com alma masculina. Um símbolo da objetificação dos corpos femininos que vem ocupando espaços que pertenciam a mulheres reais até o momento.

Inteligência artificial pode ser usada para muitas coisas incríveis. Pode ser usada para o bem e para o mal. Deve ser usada com critério e ética e, para isso é necessário que exista uma regulamentação.
Para falar sobre isso, convidei Kelli Angelini, advogada atuante na interseção entre o Direito Digital e a Educação Digital. Autora do livro “Segredos da Internet que crianças e adolescentes ainda não sabem”, ela é Mestre em Direito Civil pela PUC/SP. Idealizadora do Projeto Internet com Responsa – cuidados e responsabilidades no uso da Internet do NIC.br, membro da Comissão dos Direitos das Crianças e Adolescentes da OAB/SP e especialistas no grupo de pesquisas TIC Kids Online e TIC Educação do Cetic.br. Mãe na era digital.

“A regulação da Inteligência Artificial é uma necessidade premente para garantir a proteção dos direitos individuais e coletivos, bem como para promover um uso responsável e ético dessa tecnologia. Até o momento, não existe uma legislação nacional abrangente sobre o tema, sendo que apenas o estado do Ceará possui uma lei específica que rege o gerenciamento e fiscalização de sistemas que utilizam inteligência artificial, mas válida apenas localmente.
Desde 2019, estão em tramitação diversos projetos de lei com o objetivo de assegurar o uso ético e seguro da inteligência artificial. O principal deles é o Projeto de Lei 2338/2023, atualmente em análise no Senado Federal. Este projeto abrange diversos pontos, incluindo:

• Estabelecimento de obrigações e responsabilidades para fornecedores e operadores de IA, abrangendo danos patrimoniais, morais, individuais ou coletivos.

• Classificação de riscos em áreas como saúde, segurança, sistemas biométricos, crédito e endividamento, veículos autônomos, entre outros.

• Proibições expressas do uso de IA de risco excessivo, com previsão de medidas adicionais de governança em casos de IA de risco alto.

• Garantia de direitos específicos para usuários, como o direito à explicação sobre o funcionamento de sistemas de IA, à informação prévia sobre a utilização de IA em serviços ou produtos, e o direito à impugnação ou contestação de decisões de IA que afetem os interesses individuais.

• Criação de uma Autoridade Competente para zelar, implementar e fiscalizar o cumprimento da lei, visando proteger os direitos fundamentais. Essa autoridade terá a atribuição de expedir regulamentações complementares, elaborar estudos sobre o tema, incentivar boas práticas e aplicar sanções administrativas em caso de violação (advertência, multa simples, publicização da infração, proibições e suspensões parciais ou totais do uso do sistema de IA).

• Obrigatoriedade de comunicação de incidentes graves relacionados ao uso de IA, especialmente quando envolvem riscos significativos à saúde, segurança ou direitos fundamentais dos indivíduos.

Também merece destaque o PL 4025/2023, que tramita na Câmara dos Deputados e tem a pretensão de:

• Alterar o Código Civil brasileiro para dispor que o uso da imagem de uma pessoa, manipulada por IA, depende de sua autorização prévia dela;

• Alterar a Lei de Direitos Autorais para independentemente do grau de autonomia de um sistema de IA, suas obras não gozam de proteção autoral, sendo a condição de autor restrita a seres humanos;

Devido à crescente presença de IA em diversas áreas sociais, sua regulamentação, já em tramitação através desses e de outros Projetos de Lei, é crucial para proteger direitos individuais e coletivos, estabelecendo parâmetros éticos e responsáveis para o desenvolvimento e uso da IA. Normativas claras ajudam a mitigar riscos, minimiza impactos negativos e garantir transparência nos sistemas de IA e, também, cria um ambiente propício à inovação. Além disso, a regulamentação promoverá a cultura da proteção de direitos quando houver uso de IA e promoverá a confiança da sociedade em relação à IA.”

Usei a Emily como exemplo, mas como a Kelli explicou, existem muitas outras questões em relação ao uso da IA. Já vimos que adolescentes usam IA para colocar rostos de meninas em corpos nus. Também existem pedófilos que usam IA para atrair crianças, ou que criam imagens de crianças com inteligência artificial.

A regulamentação é urgente e é preciso pressionar para que venha logo. Enquanto isso, é necessário tomar cuidado, conversar com nossos filhos para que eles não sejam vítimas e nem sejam os vilões usando a IA de forma inconsequente.