Quando digo que amo Belo Horizonte, falo muito sério. E não amo apenas a cidade, amo as pessoas, porque nós, mineiros, temos um jeito muito único de viver. Esse nosso jeitinho gera cenas tão inverossímeis que mais parecem coisas de filme, novela ou teatro.
Em velórios, ocorrem coisas surreais, como dar parabéns aos familiares, dizer para não ficarem tristes, pois vai passar logo. No velório da minha mãe, uma de suas amigas falava o tempo todo: “Ah, que inveja da Nerly”.
A pior que já ouvi foi de um desconhecido, no velório em que eu estava. Ele deu os pêsames e disse: “Graças a Deus, você ficou livre dessa peste, porque ele não prestava mesmo”. Silêncio sepulcral no momento.
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Vejam o que aconteceu há algumas semanas. Faleceu a mãe de uma grande amiga, dona Lídia, que já estava com 100 anos e há tempos debilitada. Os últimos quatro anos ela passou em uma casa para idosos. Por sinal, excelente. Foi tratada com muito cuidado e carinho. Mas, no último mês de vida, ela precisou ser internada, e a filha (única, diga-se de passagem) decidiu que ela retornaria para sua casa depois da alta, se esta acontecesse.
A dúvida era natural. Afinal, nos últimos anos, o que mais ocorreu foi dona Lídia chegar à beira da morte, dar um oi para Deus e voltar com força total. Tipo Fênix renascendo das cinzas.
Lembro-me de uma das vezes, há cerca de três ou quatro anos, quando minha amiga, muito prática, ligou com sua voz forte, dizendo: “Isabela, tudo bem? Minha mãe vai morrer amanhã. Não tem jeito. Já olhei caixão, velório e enterro, mas preciso de um pastor para o culto. Consegue para mim?”.
Perguntei-lhe desde quando mandava em Deus para marcar dia de morte. Mas ela me garantiu a data. Eu não sabia se ria, chorava ou consolava. Claro que arrumei o pastor, que, uns quatro dias depois, me liga querendo saber do velório. Tive de dar a notícia da recuperação total da mãe da minha amiga.
Dona Lídia sempre morou em uma ampla chácara na região da Pampulha. Tinha nada menos de 18 cachorros, animais que ela amava. Quando ficou difícil morar sozinha, foi para o apartamento da filha, muito a contragosto. Era brava e tinhosa, como toda baixinha, e carregou com ela, salvo engano, uns seis ou sete cachorros. O Napoleão, hoje com 18 anos, está cego e surdo.
Depois da última internação, que ela venceu também, mas não com tanta saúde, voltou para casa e Napoleão ficou numa alegria só. Foi tanta que o velhinho até voltou a latir. E se tornou cão de guarda. Deitou na porta do quarto, o coitado do enfermeiro do home care custava a driblá-lo para cuidar da paciente.
Dona Lídia faleceu. Nenhuma de suas amigas compareceu, porque estavam todas esperando por ela no céu. Foram amigos da filha e da neta, além de alguns parentes. Não é que, em determinada altura do velório, chega uma sobrinha torta (por parte do marido), elegantíssima, linda, com seu cachorro lulu da pomerânia? Levei um susto. Não acreditei no que vi.
A filha da falecida, no maior bom humor, achou lindo o pequeno se despedir da vovó Lídia. E disparou: “Por que eu não trouxe o Napoleão? Ele teria adorado se despedir de sua dona e encontrar com o amigo”. Não tive como não cair na gargalhada no meio do velório. Cena de Fellini perde, de longe.
* Isabela Teixeira da Costa
