É provável que o emprego da vacina tenha provocado um impacto potencial na doença, eliminando focos de micrometástases -  (crédito: Fábio Rodrigues/ Agência Brasil – 3/11/23)

É provável que o emprego da vacina tenha provocado um impacto potencial na doença, eliminando focos de micrometástases

crédito: Fábio Rodrigues/ Agência Brasil – 3/11/23

 

Os resultados de um ensaio de fase 1 para uma vacina direcionada a biomarcadores de doenças micrometastáticas em pacientes já tratados com retirada cirúrgica de câncer pancreático ou colorretal mostraram potencial na prevenção da recorrência, de acordo com um recente estudo de fase 2 publicado na prestigiada revista 'Nature Medicine'.


Entre a coorte do estudo, 84% dos pacientes que receberem a vacina tiveram uma resposta positiva de células T (linfócitos de defesa imunológica) e aqueles que atingiram ou excederam a taxa mediana apresentam uma longa sobrevida livre de recorrência. Nenhum paciente apresentou eventos adversos de grau 3 ou superior, o que demonstra que os resultados preliminares foram extremamente auspiciosos e animadores.


Em contrapartida, há muitos ensaios negativos com outras vacinas, especialmente para a prevenção de recaídas no câncer de pâncreas. É provável que realmente o emprego da vacina tenha causado um impacto potencial na doença, eliminando focos de micrometástases, o que consequentemente concorre para que estes pacientes experimentem uma sobrevivência livre de doenças de longo prazo.

Qual é o objetivo desta vacina?

No câncer de pâncreas ressecável, mesmo após o emprego da quimioterapia adjuvante ou complementar, ainda há uma grande chance de o câncer voltar. Como então aumentar as chances de cura dos pacientes? Provavelmente eliminando a doença micrometastática. Uma das ferramentas mais interessantes nesse escopo é o emprego das vacinas. No presente estudo, os pacientes apresentavam níveis circulantes sanguíneos de DNA tumoral (ctDNA) – o que comprova a presença de doença micrometastática. Nessa circunstância, após o emprego da vacina, cerca de 84% tiveram uma redução dos marcadores tumorais ou uma redução do ctDNA de pacientes portadores de câncer pancreático e colorretal submetidos a tratamento cirúrgico potencialmente curativo.

Como age a vacina?

A vacina utilizada atua em células tumorais portadoras de duas mutações do oncogene KRAS distintas – G12D e G12R – e é uma vacina já disponível no mercado americano. O interessante dessa vacina é que, uma vez administrada, ela se liga à albumina do corpo e vai para os gânglios linfáticos. Isto aumenta a resposta das células imunológicas de defesa T, que o podem por sua vez potencialmente combater e eliminar a doença micrometastática.


Normalmente, se um paciente tem doença em estágio IV, ou seja, já disseminada ou metastática, é mais difícil combater o câncer de pâncreas por meio de uma vacina. É um microambiente muito imunossupressor, portanto ao seu redor existe um estroma muito desmoplásico, como uma casca dura. Quando as células cancerígenas ainda não formaram essa casca nos estágios iniciais, espera-se assim poder atingi-las com a vacina.

Experiência com outras vacinas

Um estudo com a utilização de outra vacina contra o câncer foi publicado na 'Nature' ano passado por Vinod Balachandran, pesquisador do Hospital Memorial Sloan Kettering, de Nova York. Entretanto, para a fabricação desta vacina, era necessário retirar o tumor para que a mesma pudesse ser produzida de forma customizada. Esse processo é mais lento, complexo e obviamente de custo mais elevado.

Resultados dos estudos preliminares de primeira fase (fase 1)

Os estudos de primeira fase demonstraram que a vacina era muito segura e bem tolerável. O principal efeito colateral observado foram reações no local da injeção. Não se observou nenhuma toxicidade limitante da dose. Como parâmetros de eficácia, observou-se que em 84% dos pacientes ocorreu uma substancial redução dos níveis sanguíneos de biomarcadores de atividade ou de presença de doença oculta, como as proteínas sanguíneas CA 19-9 e CEA (antígeno carcinoembrionário), ou mesmo de ctDNA.


Adicionalmente, e de forma auspiciosa, constatou-se que 84% dos pacientes também desenvolveram uma resposta imunológica de células T. Curiosamente, a resposta média das células T foi 13 vezes maior que a inicial. Os pacientes que obtiveram uma resposta mediana ou superior à mediana das células T pareceram ser os mais beneficiados. Esses pacientes com uma resposta robusta de células T estão sendo monitorados e examinados a cada três meses e, até o momento, eles continuam sem evidências de recaída de seus tumores. Nos pacientes que não obtiveram esta resposta das células T, a sobrevida média livre de recorrência foi de cerca de apenas quatro meses. Portanto, para esses pacientes os quais apresentam um alto risco de recaída tumoral, as respostas foram realmente bastante promissoras.

Baixa toxicidade

A vacina foi muito bem tolerada – 48% dos pacientes tratados tiveram um evento adverso leve, como fadiga, reações no local da injeção. Doze por cento dos pacientes apresentaram uma mialgia leve. O perfil de toxicidade, portanto, pode ser considerado bastante aceitável, principalmente se o compararmos com outras modalidades de imunoterapias, que apresentam variados efeitos adversos imunomediados, como até a temida síndrome de liberação de citocinas, a qual pode ser grave e ameaçadora para os pacientes acometidos.

O estudo de fase 2

Novos pacientes já estão sendo recrutados para a segunda fase do estudo. Nessa etapa, a presença de DNA tumoral circulante (ctDNA) não será exigida. O desenho é o de um estudo randomizado que amplia a população de pacientes participantes, pois os mesmos não necessitam ser de alto risco para recaída. Os inscritos devem ter sido submetidos à ressecção do câncer de pâncreas e ter concluído a terapia adjuvante. A vacina utilizada é a mesma, mas que para esse estudo é realizada com sete peptídeos, portanto, com mais mutações são direcionadas e com um nível de dose de 10 mg, conforme o sugerido pelo estudo de fase 1. Os autores esperam que os resultados já estejam disponíveis em 2025.

Perspectivas futuras

O emprego de vacinas com um maior número de peptídeos e com uma dose mais elevada visa a respostas mais robustas das células T nos pacientes tratados. Assim, a probabilidade de que haja um retardo ou eliminação da recorrência tumoral pode ser maior, incluindo a cura definitiva para muitos pacientes tratados, o que significa a completa erradicação tumoral, incluindo a doença micrometastática.