É comum chegar ao final do ano e encontrar pessoas cansadas, nervosas, estressadas. Uma corrida silenciosa se instala. Listas intermináveis de Natal e Ano Novo, preparativos de ceia, viagens, compras, ingredientes, lembrancinhas, compromissos que parecem não ter fim. Tudo precisa ser feito, tudo precisa ser entregue, como se o calendário exigisse uma performance final impecável.


Nesse mesmo cenário, algo se repete com frequência no olhar das pessoas e, muitas vezes, também no consultório. O alívio exausto do “ainda bem que acabou o ano”. A frase vem acompanhada de um suspiro pesado, quase como se o dia 31 fosse um botão mágico de “reset”. E é aí que surge a minha pergunta. Se eu chego ao último dia do ano completamente esgotado, o que exatamente espero que aconteça no dia 1º?


Talvez a questão não esteja no calendário, mas na forma como atravessamos os dias. Onde estávamos durante o ano que passou que não percebemos os sinais de cansaço, de sobrecarga, de desalinhamento? Em que momento deixamos de nos escutar a ponto de não perceber que algo precisava mudar, seja um hábito, um ritmo, um relacionamento ou um excesso de compromissos que mais tiram do que somam?


O final do ano costuma ativar a armadilha da cobrança. Cobrança pelo que não foi feito, pelo que ficou pendente, pelo que “deveria” ter sido diferente. As redes sociais se enchem de balanços, metas, listas de objetivos e planejamentos perfeitos para o próximo ano. Tudo parece apontar para o que falta, raramente para o que foi possível.


Dentro desse mesmo movimento, soma-se outra camada, mais silenciosa, a da comparação. As redes sociais passam a exibir imagens de viagens, praias, festas sofisticadas, celebrações impecáveis. Um recorte editado de sucesso e felicidade que faz com que quem esteja fora desse cenário comece, muitas vezes sem perceber, a se comparar e a se sentir menor. Surge a sensação de que não deu conta, de que não foi suficiente, de que este ano sobrou cansaço e faltaram conquistas dignas de serem exibidas.


Misturado a isso, aparece o desalinhamento. A impressão de que todo mundo está feliz, animado, celebrando, enquanto eu estou fora do ritmo. Como se existisse um jeito certo de viver o fim do ano e qualquer alternativa é sinal de que há algo errado.


Mas talvez a pergunta mais honesta não seja onde, e sim como eu quero estar. Do que eu preciso agora? Às vezes, passar o Natal ou virar o ano em casa, de pijama, assistindo a um bom filme ou lendo um livro é exatamente o que faz sentido. Para outros, estar em grandes eventos, viajar ou reunir muitas pessoas é o que nutre. E está tudo bem. Estar presente, inteiro e fiel ao próprio momento é o que verdadeiramente importa.


E se, ao invés de apenas nos cobrar, escolhêssemos comemorar?


Comemorar não no sentido superficial de festas obrigatórias, mas como um gesto profundo de reconhecimento. Comemorar o fato de ter levantado todos os dias, mesmo quando foi difícil. Comemorar as perdas atravessadas, as dores elaboradas, as fases ressignificadas. Comemorar as reinvenções silenciosas, aquelas que ninguém viu, mas que exigiram coragem. Comemorar a força de continuar, mesmo sem ter todas as respostas.


Chegar até aqui já é, por si só, um feito. Atravessar um ano inteiro exige adaptação, escolhas difíceis, renúncias e uma coragem que nem sempre é celebrada. Você fez o que foi possível com os recursos, a maturidade e as condições que tinha naquele momento. Isso também merece reconhecimento.


Os rituais são importantes. Eles marcam passagens, organizam o tempo e dão sentido. Mas talvez o ritual mais transformador não esteja concentrado apenas no fim do ano. Ele acontece todos os dias. Quando um dia difícil termina e você pode reconhecer que agora é hora de descansar. Quando aprende algo com o que doeu.

Quando acorda e se pergunta o que, hoje, está no seu controle para cuidar de si.


Pequenas pausas ao longo do dia também são rituais. Respirar. Perceber. Estar presente. E, ao final do dia, agradecer. O exercício da gratidão não exige grandes feitos. Ele nasce do registro simples do cotidiano. Um encontro inesperado, uma conversa boa, uma receita que deu certo, uma flor que abriu, um instante de silêncio.


Esses pequenos reconhecimentos treinam o olhar para o que funciona, para o que sustenta, para o que dá certo. E, pouco a pouco, ampliam a consciência de que nem tudo é falta, nem tudo é comparação, nem tudo precisa ser vivido do mesmo jeito.


Talvez o convite deste fim de ano não seja fazer mais, parecer mais ou provar mais. Talvez seja viver com mais presença, ajustar rotas ao longo do caminho e aprender a comemorar as próprias conquistas, à sua maneira.
Porque nada é permanente na vida. Nem o que foi difícil, nem o que foi bom. E reconhecer isso é também uma forma madura, leve e possível de esperança e liberdade.

Siga nosso canal no WhatsApp e receba notícias relevantes para o seu dia


Boas Festas.

compartilhe