"Sempre quis fazer ciência que chega na sociedade", diz destaque da Nature
Luciano Moreira foi eleito pela revista Nature como uma das 10 pessoas que moldaram a ciência em 2025
compartilhe
SIGA
O entomologista Luciano Moreira, eleito pela revista Nature como uma das dez pessoas que moldaram a ciência em 2025, diz ainda estar assimilando o impacto dessa escolha. “A ficha está caindo só agora, com tanta entrevista e repercussão. Não esperava”, contou ao Estado de Minas.
Moreira estudou e trabalhou no estado por mais de duas décadas, participou de projetos financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) e, na Fiocruz Minas, liderou os primeiros testes brasileiros com mosquitos Aedes aegypti infectados pela bactéria Wolbachia — capazes de reduzir a transmissão de dengue, zika e chikungunya em até 89%.
“Comecei minha formação acadêmica na Universidade Federal de Viçosa, fiquei 11 anos lá. Graduação, mestrado, doutorado… Mesmo quando deixei o estado, continuei muito ligado à pesquisa mineira. Participei de comitês da FAPEMIG e tive vários projetos financiados pela agência”, narrou.
De pesquisa artesanal à maior fábrica de mosquitos do mundo
Moreira recorda que o início do trabalho foi quase improvisado. “Era tudo muito manual. Uma sala pequena, bandejas brancas, pipeta... Éramos nós e os mosquitos ali, artesanalmente mesmo”, contou.
Hoje, a realidade é outra. Em 2024, o pesquisador inaugurou em Curitiba a maior fábrica de mosquitos do mundo, produzindo semanalmente cerca de 100 milhões de ovos — quantidade suficiente para proteger 14 milhões de brasileiros por ano. No auge da produção mineira, na Fiocruz, eram 20 milhões.
A tecnologia, reconhecida como política pública nacional pelo Ministério da Saúde, já está presente em 16 cidades, incluindo Belo Horizonte. O método consiste em infectar os ovos do mosquito com a bactéria, que impede a multiplicação dos vírus dentro do inseto. As fêmeas transmitem a Wolbachia aos descendentes, perpetuando o efeito sem necessidade de solturas contínuas.
Leia Mais
Moreira diz esperar que o reconhecimento estimule novos aportes e amplie o alcance da tecnologia. “A gente se preparou para produzir em larga escala, mas é preciso que isso seja aplicado nos municípios. Hoje temos capacidade instalada para expandir muito mais”, apontou.
Ele explica que a estratégia já está em execução em cidades de Minas, Paraná, Santa Catarina, Goiás, Rio Grande do Norte e Distrito Federal. “Mais de 5 milhões de habitantes já estão protegidos com o método”, disse.
Perguntado sobre a possibilidade de erradicar a dengue no Brasil, é cauteloso: “Erradicar é uma palavra muito forte. Mas controle, sim. Com várias tecnologias funcionando juntas — Wolbachia, vacina, vigilância e participação da população — é possível reduzir muito a incidência.”
A equipe de Moreira reúne hoje 75 profissionais, além de parcerias com a Fiocruz, Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), universidades internacionais e o World Mosquito Program. Uma das ações de maior impacto em andamento é o estudo clínico randomizado em Belo Horizonte, financiado pelo NIH - The National Institutes of Health (EUA), considerado padrão-ouro em epidemiologia.
Reconhecimento que inspira
Para o pesquisador, estar na lista da Nature tem também um papel simbólico. “É importante para os jovens cientistas. A ciência exige dedicação, perseverança e foco — porque muitas coisas dão certo, mas muitas dão errado também. Sempre quis fazer uma ciência aplicada, que chega na sociedade. Ver que isso está acontecendo é muito gratificante”, aconselhou.
Siga nosso canal no WhatsApp e receba notícias relevantes para o seu dia
Ele ainda citou como o projeto só conseguiu sair do papel por conta de várias pessoas envolvidas. “O Ministério da Saúde financiou desde o início, a Fiocruz foi fundamental, e os municípios, os agentes de saúde e a população fazem parte de tudo isso. Eles aceitam o método, participam, conversam com vizinhos. Nada disso existiria sem eles", ressaltou.