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Estado de Minas FUTEBOL MINEIRO

Patric conta superação de infância pobre, álcool e declara amor ao Atlético

Lateral do Atlético relembra história de superação, da infância em meio ao tráfico, do episódio de racismo que o marcou e de como deu a volta por cima na luta contra o álcool


postado em 19/08/2019 04:00 / atualizado em 19/08/2019 16:17


Com Renan Damasceno


Kika amava andar de bicicleta e jogar bola nas ruas do Bairro Vila Manaus, em Criciúma, interior de Santa Catarina. Desde criança, mostrava qualidade técnica e aptidão física superiores à média dos meninos da mesma idade. Até por isso, desafiava os mais velhos em partidas que valiam saquinhos de ‘ki-suco’ aos vencedores: “Sempre fui muito alegre, muito confiante”, conta. Aos 7, porém, essa segurança desabou ao som de uma palavra. E pior: vinda de alguém de quem muito se espera. “Uma professora me chamou de macaco”, relembra, 23 anos mais tarde. Kika, apelido carinhoso pelo qual era chamado por amigos e familiares, tornou-se o Patric que conhecemos hoje. Ou ‘Patricão da Massa’, como ele mesmo gosta de brincar. O tempo passou, mas essa história não sai da cabeça do lateral-direito do Atlético. O racismo sofrido e a infância pobre em meio ao tráfico, que o fez perder um primo assassinado, ainda estão vivos na memória do jogador. Essas feridas, porém, não o fazem perder a fé de que as coisas vão mudar. “Acho que a sociedade tem evoluído. Essa luta que antigamente era desigual, de que o pobre não poderia ter um estudo ou que as pessoas não gostariam que o pobre tivesse um estudo, porque aí o pobre poderia bater de frente... Acho que nisso já houve uma evolução. A procura de as pessoas se interessarem mais, respeitarem cor, classe”, desabafa, em entrevista exclusiva ao Superesportes.
(foto: LEANDRO COURI/EM/D.A PRESS)
(foto: LEANDRO COURI/EM/D.A PRESS)

"Agradeço a todos os meus primos que já se foram. De uma maneira ou outra, me protegeram, porque nunca usei drogas. Eles sempre falavam que era uma regra. Ninguém poderia me dar nenhuma droga"

Patric

 

“Estou aqui”


Patric carregou nos ombros a pressão de crescer como a esperança de uma comunidade inteira. Não foi fácil. Esse rótulo, porém, o ajudou na missão de ficar longe de um ambiente que fez vítimas na própria família.

“Agradeço a todos os meus primos que já se foram. De uma maneira ou outra, eles também me protegeram, porque nunca usei drogas. Eles sempre falavam que era uma regra. Ninguém poderia me dar nenhuma droga. Qualquer que fosse a droga, não dariam para mim, porque eu ia ser o jogador de futebol da comunidade. E estou aqui”, diz.

Os percalços durante a infância não pararam por aí. Emocionado, Patric lembra que ajudou a evitar que as irmãs fossem violentadas. “A minha maior vitória foi proteger elas de um abuso de um homem, que tinha um facão na garupa. Nós estávamos passando por um campo, que era um atalho, para não pegar a estrada mais longe. De fato, os anjos de Deus me protegeram, protegeram elas, e eu consegui dar tempo para elas correrem um pouco”, lembra.

Mas a história dele está longe de ser só tristeza. Mesmo nos momentos difíceis, o lateral-direito consegue sorrir. Ao falar do passado, ele se lembra, aos risos, de quando teve a casa assaltada. Foram sete vezes! “Na sétima vez que foram roubar a nossa casa, que não tinha muro, os caras levaram o micro-ondas e deixaram só o pedaço de bolo. Cortaram só uma fatia e deixaram mais da metade do bolo (risos). Eu falei: ‘Esse ladrão aí é gente boa’ (risos). Até na dificuldade, a gente sorriu. Acho que a vida valeu muito mais a pena”.

"Na sétima vez que foram roubar a nossa casa, os caras levaram o micro-ondas e deixaram só o pedaço de bolo. Cortaram só uma fatia e deixaram mais da metade. Falei: 'Esse ladrão aí é gente boa' (risos)"

Patric

 

Álcool

As dificuldades da infância o fizeram lidar melhor com os problemas que vieram quando se tornou jogador de futebol. O maior deles talvez tenha aparecido por volta de 2011, ano em que começou a defender o Atlético. “Extracampo, festa, bebida. Foi o que mais aconteceu comigo nesse período aí”, revela. “No futebol, quando a gente fala do álcool, do termo se prostituir, que é uma palavra meio forte, acho que às vezes as pessoas ficam com medo de ter esse rótulo de cachaceiro”, diz.

Para Patric, os problemas extracampo, aliás, fizeram com que ele fosse emprestado a outros clubes e não estivesse no Atlético em 2013 e 2014, anos das conquistas da Copa Libertadores, Recopa Sul-Americana e Copa do Brasil. “Fico triste por não participar daquele momento. Mas, ao mesmo tempo, também sei que não participei devido às minhas condutas nesses anos que tive, de 2011, de 2012, mais ou menos. O meu extracampo colaborou para eu não estar naquele momento aqui”.

A reviravolta ocorreu tempos depois, quando conheceu um primo, o pastor Toninho Lalau. “Na conversa, ele me explicou de forma muito simples: ‘Patric, qual a imagem que você quer que as pessoas tenham de você? Por exemplo: a imagem que eu tenho de você hoje é que você bebe, faz festas, com som alto nas esquinas. Essa é a imagem que você quer que as crianças tenham de você? Ou você quer que a imagem seja de que você tem um projeto, uma ONG com milhares de crianças, e aí elas falem: ‘Quero ser igual ao tio Patric, quero ser igual o Patricão da Massa’. Foi quando deu o estalo”, conta.

Nesse período, também conheceu a mulher com quem viria a se casar.  “Essas duas coisas chegaram juntas. Um amigo diz: ‘Pô, você tem que conhecer uma pessoa’. Aí eu conheço a Chai (Palhano), e as coisas começam a mudar. É até engraçada essa história (risos). Minha mãe fala: ‘Patric vai ficar com essa menina que tem a boca laranja’ (risos). Porque ela usava um batom laranja. São coisas que marcam”.

Do relacionamento com Chai Palhano nasce Dominic. O menino, de 3 anos, foi diagnosticado com hemimelia tibial, doença rara que atinge uma em cada 1,5 milhão de pessoas. “Já me chama de Patricão”, conta o pai, sorridente e orgulhoso ao falar do filho atleticano.

(foto: LEANDRO COURI/EM/D.A PRESS)
(foto: LEANDRO COURI/EM/D.A PRESS)

"O Galo é minha casa. Já renovei o contrato mais de três vezes, com três presidentes. Inúmeros treinadores já passaram por aqui. Eu amo esse lugar, me sinto muito bem aqui, sou querido e amado por todos"

Patric

 

Força no Atlético

A gratidão de Patric também é direcionada aos companheiros do futebol. Afinal, a trajetória do lateral – que tantas vezes atuou fora de posição – é de altos e baixos. No Atlético, enfrentou a hostilidade da torcida e a desconfiança dos críticos desde 2011, quando contratado. Foram anos e anos fora da Cidade do Galo, emprestado a Ponte Preta, Avaí, Náutico, Coritiba, Sport e Vitória.

No Atlético, Patric nunca foi unanimidade. Em muitos momentos, foi ironizado por parte da torcida, que o transformou em memes. O espírito resiliente do lateral – criado muito em função das dificuldades que vivera fora do futebol – o fez persistir. Nessa caminhada, contou com apoio de muitos. Em especial o de dois companheiros de longa data.

“O Victor e o Réver são pessoas que acolheram minha família em todos os aspectos. O Réver retornou agora, mas é um cara que a gente está sempre junto. O Victor e sua esposa nos acolheram e estão sempre nos ajudando em tudo também. Victor é um amigo que levo. A gente faz viagem junto... É um cara no qual me inspiro também, por tudo o que ele já construiu, por tudo o que ele já fez pelo nosso Galão e que ainda continua fazendo”, conta.

"A imagem que eu (pastor e primo Toninho Lalau) tenho de você hoje é que bebe, faz festas. Essa é a imagem que quer que as crianças tenham? Ou você quer que seja de que você tem um projeto, uma ONG. Foi quando deu o estalo"

Patric


Amor pelo clube

O amor pelo Atlético é tema frequente nas respostas de Patric após anos com a camisa alvinegra. “O Galo é minha casa, é onde eu vivi os maiores períodos da minha vida. E vou continuar vivendo. Aqui, já renovei o contrato mais de três vezes, com três presidentes. Inúmeros treinadores já passaram por aqui. Eu amo esse lugar, me sinto muito bem aqui, sou querido e amado por todos”.

“Eu me sinto à vontade, me sinto feliz. Sem demagogia nenhuma, vir aqui é especial. Meu filho mesmo ama estar aqui. Não pode vir todo dia porque ele tem suas tarefinhas a fazer. Mas ele sempre vem. Eu gosto de aproveitar esse clima, esse momento. Tomo meu chimarrão aqui também. Eu gosto daqui. Amo”, conta.

E o sentimento pelo clube se fortalece nos bons momentos. Reserva em parte da temporada, Patric ganhou a disputa por posição com Guga e é titular indiscutível do Atlético. É a nova fase, a nova vida que o lateral tanto buscou.

“Quando eu caio por uma pancada, a torcida começa a gritar meu nome. As poucas vezes em que errei um cruzamento, a torcida também grita meu nome. Isso é muito bom, é prazeroso. Tive alguns momentos maravilhosos aqui no Atlético, mas, sem dúvida, este é o momento que eu afirmo que é minha nova fase, minha nova vida, com 30 anos”, conta.

Nessa nova fase, Patric pensa grande. “Hoje, vamos falar de Sul-Americana e de Brasileiro. Então, quero hoje. Estamos em 2019, Patric tem 30 anos, estamos numa crescente, Rodrigo Santana vem fazendo um excelente trabalho. Acho que chegou o momento”.

E os desejos de Patric não terminam por aí. O maior sonho pelo Atlético? “Chegar ao Mundial”, conta. Alguém é capaz de duvidar?

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