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Lute como uma mulher

Aos 28 anos, mineira é nova peso-pena do UFC e sonha com o cinturão da categoria. Ela sustenta que nível técnico entre mulheres não deve nada aos homens no octógono


postado em 01/04/2019 05:04

"Minha mãe ficou assustada. Ainda não gosta de ver luta minha, não consegue assistir, chora, fica no quarto esperando acabar. Nunca barrou, mas pediu para que eu não lutasse" (foto: FOTOS: TÚLIO SANTOS/EM/D.A PRESS)


“Já nocauteei homens no treino. Nocauteei homens que me desmereceram e acharam que estavam treinando com ninguém. A mulher de hoje é forte fisicamente, mentalmente”, conta com naturalidade Norma Dumont, 28 anos, profissional de MMA, professora de sanda, o boxe chinês, atleta de jiu-jítsu, dona de casa e também de academia. Essa mineira de BH é a prova de que perseverança, fé e muita personalidade são fundamentais para o sucesso pessoal e no trabalho. De contrato assinado neste mês para ser peso-pena (até 66kg) do Ultimate Fighting Championship (UFC), principal e mais valorizada organização de MMA, invicta (quatro combates), almeja seguir os passos de brasileiras ícones em diferentes modalidades esportivas. E nocautear a expressão ‘sexo frágil’.

Norma é filha do meio de Gladislene Aparecida, que deixou BH para morar na vizinha Ribeirão das Neves no início da década de 90. Sempre apreciou artes marciais e, inspirada em filmes de ação na adolescência, começou no jiu-jítsu, aos 14 anos. Com a mãe de volta a BH ao lado das três filhas, largou o esporte para trabalhar num escritório da Vale, na Savassi, enquanto a matriarca abriu um pet shop na capital. Fã de futebol, jogou no time feminino do PIC, mas, aos 21, retornou às lutas e se apaixonou pelo sanda, estilo difundido no Exército chinês e que reúne golpes de kung fu com chutes, socos e quedas. A partir daí, as portas se abriram: conheceu Johny Vieira, atleta profissional (faixa preta), com quem se casou e de quem teve o incentivo para migrar para o MMA. Mas precisava superar o preconceito. “Em 2012, meu mestre de sanda, o Ivan (Pinheiro, da Sanda Brasil), me levou para treinar numa academia de MMA, mas disseram que não era o foco treinar uma mulher. Fui para outra equipe, que me abraçou. Não me viam só como mulher, mas como atleta. Isso melhorou. E tratam as mulheres em alto nível, respeito, como irmãs.”

Ela ganhou o apelido de ‘Imortal’ graças a uma enorme fênix tatuada nas costas. Norma divide o tempo entre a academia, o Centro de Treinamento Rules, no Bairro Planalto, em BH, onde atua com o marido e principal técnico, Johny Vieira, e dá aulas de sanda. A história de amor começou em 2011, conectando-os ainda mais ao MMA. “Conheci o Johny na academia de sanda. Logo começamos a namorar. Todo o meu plano de luta é de responsabilidade dele: jogo de quedas, trocação. Se não fosse por ele, não teria chegado ao UFC. Viu que as portas poderiam se abrir para mim e abdicou um pouco da carreira para me ajudar”.



O começo

Eu já sentia que poderia ser atleta. Gostava muito de filmes de lutas, brincava em casa com as irmãs (Nayane e Nayara). Aí, com 14 anos, comecei. Tive que parar, depois voltei apenas como atividade física. Fiz a primeira luta e gostei muito. Aí, engrenei. Comecei a lutar sanda com a ideia de migrar para o MMA. Passei a treinar jiu-jíttsu, queria trocar porrada na grade, com luvinhas. As minhas irmãs me incentivaram. Minha mãe ficou assustada. Ainda não gosta de ver luta minha, não consegue assistir, chora, fica no quarto esperando acabar. Nunca barrou, mas pediu para que eu não lutasse. Tive incentivo de amigos, mas poucos pensaram que eu seria profissional de MMA.


Chegada ao UFC
Achei que ia demorar um pouco mais, que teria de fazer mais algumas lutas. Mas reconheceram meu trabalho. Fiquei um pouco desconfiada, só acreditei quando assinei o contrato. Sou pés no chão, sei da minha qualidade técnica, do meu potencial. Treino sanda há oito anos, estou no jiu-jítsu há seis, e no MMA já são cinco. Sei que tenho qualidade para ocupar o topo da categoria, até disputar o cinturão. Venci duas lutas no Jungle Fight, lutei no Federação Fight, depois no Shooto... Surpreendi e tudo aconteceu antes do esperado. Quando assinei o contrato, queria só treinar e parecia aluno novo de academia. Temos mulheres de muita qualidade lá, e quero estar no nível delas.


Preconceito
O homem que pensa ou trata a mulher assim é porque nunca reconheceu a força da mulher. Já ouvi comentários do tipo ‘nossa, você é tão bonita, por que luta?’. Você tem de ser feia para treinar e se quebrar toda?! Isso é ridículo! Na academia, todos me perguntam se eu treino com homem, se os caras pegam leve... Eles tentam é me matar, só isso. A mulher hoje é forte fisicamente, mentalmente, sempre se esforça mais nos treinos. A cobrança vem de fora para dentro. Isso que fez as mulheres crescerem para mostrar que não há diferença. Eu ainda escuto que vou machucar o rosto, que vou quebrar o nariz, que eu sou bonitinha e que deveria ser modelo. Aí, penso: poxa, essa é a preocupação?. Acho que com muita luta isso vai mudar.


Valorização
Para uma mulher treinar no mesmo nível de um homem precisa se esforçar mais. Não temos testosterona e não estamos bem todos os dias. Creio que isso será reconhecido a partir do momento em que as pessoas perceberem o tanto que a mulher trabalha para chegar ao nível de um homem. Isso não só na luta, mas em outras áreas. Tenho alunas das quais sou fã. Trabalham o dia inteiro, cuidam da casa, ajudam filhos na escola, marido, enfrentam rotina diária e isso é desgastante. Muitas vezes não são reconhecidas, pois a galera só quer resultados. Com o tempo, vamos ter reconhecimento.


MMA feminino
Quando você trabalha com mulher, é diferente. Sou professora de academia, tenho atletas que são mães, existe a questão hormonal e é preciso saber lidar com isso. Daí vem grande parte do preconceito. No esporte ou na área de entretenimento, muitas vezes o próprio público não valoriza tanto. Já ouvi muita gente falando que é preciso ter paciência para assistir a lutas entre mulheres. As lutas femininas no UFC estão em um nível igual ou até mais alto que os combates entre homens e essa barreira começou a ser quebrada, mas na base da porrada. Temos lutas maravilhosas de atletas, é um nível absurdo de técnica e preparação, com muito gás, até mais que muitos homens. Fico com orgulho de ver as mulheres lutando. Quebramos barreiras.


Feminicídio
É muito triste quando a gente abre o jornal e lê uma história assim. No esporte, com as mulheres cada vez mais fortes, isso vai diminuir. Geralmente, os homens que cometem esse tipo de crime são fracos. E não só de força física, mas mental. Quanto mais força a mulher ganhar em todas as profissões, como empresária, atleta, artista, quanto mais presença a mulher tiver, vai ganhar mais respeito. A mulher vai entender o seu direito, a sua força, possibilidade de sair de um relacionamento abusivo, a causa de grande parte dos casos. A gente precisa bater na tecla de que não somos objetos e mostrar a força das mulheres. Aí, eles vão temer não só fisicamente, mas terão a sensação de poder cortada. Minha mãe foi espancada durante 13 anos, vivi isso e sei o quanto são covardes. Na visão deles, podem fazer isso porque não há punição. Mas com o tempo isso vai diminuir.


Exemplo
Tenho ídolos no esporte como a (Cris) Cyborg (lutadora do UFC), admiro o trabalho dela. Gosto muito da (Valentina) Shevchenko (campeã peso-mosca do UFC), adoro o estilo dela. A Marta eu sempre acompanhei, desde quando jogava futebol. O que pretendo é ser para a futura geração o que essas atletas representam para mim. Não desistir, ter muita garra e trazer cada vez mais mulheres para o esporte. Quero ser ídola das meninas que estão chegando, servir de exemplo de força, vontade e determinação. Mostrar que só podemos chegar lá em cima com um trabalho bom. Eu trabalho para ser campeã, quero surpreender o mundo com grandes lutas. Quero emocionar muitas gerações. Quero ajudar as pessoas a valorizar, abrir a cabeça e mostrar que mulher também sabe brigar.

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