Iniciada em 2004 na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, uma nova especialidade médica vem ganhando espaço entre os brasileiros: a medicina do estilo de vida (MEV), uma abordagem que considera a saúde uma condição diretamente relacionada aos costumes do paciente.



Os adeptos acreditam que as doenças surgem quando suas práticas vão contra as necessidades do corpo, e buscam reverter esse quadro. A metodologia adota intervenções terapêuticas, relacionadas ao cotidiano, para tratar e prevenir enfermidades diversas. Em resumo, a MEV prega o bem-estar a partir de comportamentos saudáveis.

Para além do diagnóstico e do tratamento, os médicos atuam mais ou menos como os famosos “coaches” ou no português, treinadores, onde oferecem uma consultoria especializada – pautada por dados e estudos comprovados – para ajudar o paciente a adotar atitudes que colaborem para a harmonia do funcionamento do organismo.

O movimento surgiu da busca por um sistema de saúde diferenciado e sustentável, mas ancorado em estudos científicos e evidências. Também em 2004, foi fundado o American College of Lifestyle Medicine (ACLM), primeira sociedade especializada em MEV do mundo, que atualmente conta com mais de 6 mil membros.




 
Por aqui, o Colégio Brasileiro de Medicina do Estilo de Vida (CBMEV) foi criado em 2018. Os integrantes procuram promover e desenvolver de forma oficial a MEV no Brasil, para prevenir, tratar e reverter doenças crônicas não transmissíveis. “Esse processo vai além de uma simples orientação ou prescrição.

Utiliza-se técnicas motivacionais para abordar sistematicamente os seis pilares fundamentais da saúde (manejo do estresse, substâncias tóxicas, relacionamentos saudáveis, nutrição, atividade física e sono), desenvolvendo uma relação de parceria entre médico e paciente, juntamente ao apoio da família, de uma equipe interdisciplinar e da comunidade com o objetivo de transformar positivamente o estilo de vida e a saúde. O paciente se torna cada vez mais informado e ativo no processo de transformação da sua saúde”, explica a instituição.

Nesse cenário de busca por uma medicina ampla, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) estudantes formaram a Liga Acadêmica da Medicina do Estilo de Vida (LAMEV), em 2021. O coletivo surgiu através da experiência de um projeto de extensão na cidade de Catas Altas, na Região Central do estado, onde os universitários auxiliavam no controle de diabetes e hipertensão através da melhoria da qualidade de vida dos pacientes. Hoje, a LAMEV conta com 26 alunos e dezenas de interessados em participar.




 
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Fora da academia, a MEV também se expande por Minas, principalmente na capital. Um exemplo é a Tríade Rosa, voltada para o público feminino. A iniciativa nasceu da visão de Zilá Abdala – clínica médica –, Nárcia Vilaça – ginecologista e obstetra – e Katia Pegos – psiquiatra –, três médicas que estudaram na Faculdade de Medicina da UFMG e, ao longo das carreiras, buscaram conduzir os pacientes na direção de seu maior bem-estar, além realizar o tratamento de doenças.

“Nosso propósito é ajudar um maior número de mulheres a ter informações de qualidade, baseadas no que há de mais avançado no conhecimento científico atual, de maneira acessível e de fácil compreensão, compartilhando nossa experiência”, informa a idealizadora Zilá.

Clínica Zila Abdala (E), psiquiatra Kátia Pegos (C) e a ginecologista e obstetra Nárcia Vilaça. Elas se uniram no projeto Tríade Rosa para falar sobre saúde feminina e expandir a medicina do estilo de vida

(foto: Tríade Rosa/Divulgação )

Inspiração 

Em 2020, com a pandemia de COVID-19, a ação da Tríade Rosa ganhou força. A conta do Instagram, que hoje possui mais de 14 mil seguidores, foi divulgada através de um grupo de pacientes no WhatsApp e passou a ganhar simpatizantes. “Começamos a perceber qual era o maior interesse do nosso público, se eram posts no feed, lives, stories”, conta Kátia. O trio, em setembro de 2022, lançou o livro “Uma jornada de vida melhor: medicina de estilo de vida e a saúde da mulher”, disponível na Amazon. “Sempre foi um sonho lançar um livro impresso, mas hoje em dia, as pessoas procuram muito mais versões digitais. Então, não faria sentido”, declara Nárcia.





A Tríade Rosa está conseguindo inspirar cada vez mais pessoas. “Acompanhei de perto a estruturação do trabalho online delas e só de acompanhar o conteúdo consegui fazer grandes mudanças na minha vida. Eu já tinha entrado na menopausa e conhecer essa possibilidade trouxe um novo olhar sobre essa fase. Mudei a minha postura e passei a cuidar do meu corpo e da minha cabeça”, revela a consultora laboratorial Maria Helena Savino, de 55 anos.

Já Marisa Messeder, de 63, deu a largada em sonhos antigos após acompanhar a Tríade Rosa. “Comecei a recitar poesias infantis no Instagram, depois fui para o YouTube. Tive muitas visualizações e recebi sugestões de poesias, que também recitei. A Zilá foi quem mais me motivou”, revela. Além dos vídeos, a servidora pública federal também lançou um livro infantil, “Rami, um amigo de dentro da terra”, onde os personagens principais são seus netos Enrico, de 10, e Giulia, de 6. Marisa conta que o projeto ajudou a se aproximar dos netos, que moram em São Paulo. A servidora vai ampliar a edição da obra, que terá ilustrações da Giulia.

Muito mais do que não estar doente

Zilá Abdala, Nárcia Vilaça e Katia Pegos reforçam que a Tríade Rosa não é como outras contas de medicina no Instagram, porque não busca atrair pacientes para o consultório privado de cada uma, mas, sim, ser uma ajuda a mais no dia a dia das seguidoras. Nesses três anos, o projeto já realizou eventos, caminhadas, cursos e workshops online. No perfil @triaderosa são feitas lives semanais.





“Temos o sonho de alcançar cada vez mais mulheres, talvez com palestras pelo Brasil”, afirma Nárcia. “Nosso primeiro objetivo já foi alcançado, mas ainda estamos no início. Estamos descobrindo e sendo descobertas”, explica Kátia.

Apesar de ter o foco na saúde da mulher, as médicas destacam que o Instagram é aberto para todo tipo de público. “Como temos uma experiência grande de vida e 35 anos na medicina, a gente conhece muita gente. Profissionais médicos e de diversas áreas nos apoiam e frequentemente são convidados para falar nas lives. Já tivemos nutricionista, preparador físico, personal organizer e outros. Então, assim, a gente está agregando com essa visão bem ampla de que a saúde é muito mais do que não estar doente, você precisa estar bem com você mesmo”, avalia Nárcia.

Segundo o trio, as conversas vêm chamando a atenção de profissionais da saúde motivados a conhecer mais sobre a medicina do estilo de vida (MEV). “A Tríade Rosa está sendo uma referência, né? Recentemente, recebemos um convite muito bom e participamos de uma aula especial de pós-graduação para falarmos com os profissionais da área da saúde, passar essa experiência que a gente tem. Muitos alunos, inclusive, quiseram tirar dúvidas sobre como abordar melhor a questão da saúde feminina. Então, estamos conseguindo trazer uma visão diferente, de um olhar realmente diferenciado de como essa mulher deve ser acolhida e atendida pelas unidades de saúde”, comemora Zilá.






Evite confusão

>> O conceito de medicina do estilo de vida (MEV) pode gerar confusão. Embora certas práticas e especialidades se cruzem e algumas ideologias e objetivos sejam compartilhados, no contexto geral, elas são definidas como diferentes.

>> A medicina preventiva atua com foco em proteger, promover e manter a saúde e o bem-estar das pessoas e populações, prevenindo a doença, incapacidade e morte. Seu foco não está em tratar doenças, mas em prevenir que elas se manifestem.

>> Já a medicina funcional foca em garantir que os principais processos do organismo (metabolismo, digestão, respiração) funcionem corretamente. A prática dá atenção integral ao paciente, e sempre prefere adotar intervenções não farmacológicas nos tratamentos.





>> A medicina alternativa aposta no tratamento de doenças através da utilização de práticas diferenciadas, geralmente sem o uso de medicamentos Homeopatia, acupuntura e quiropraxia são algumas das mais populares.

>> Outra prática que pode ser confundida com a MEV é a medicina integrativa, que coloca o paciente em um papel menos passivo em seu tratamento: ele passa a auxiliar ativamente o médico na manutenção da própria saúde.

>> A prática vem se popularizando por todo o mundo, sendo um dos campos da medicina que mais cresce. Entretanto, ainda não é reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), apesar de estar em processo no órgão regulamentador, o que a coloca com o caráter de movimento. Nos Estados Unidos, país de origem da prática, ela já é reconhecida há mais de uma década. No site do Colégio Brasileiro de Medicina do Estilo de Vida (CBMEV) – endereço www.cbmev.com.br – é possível garantir a participação em workshops especializados no assunto.

* Estagiária sob a supervisão da editora Crislaine Neves

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