Jornal Estado de Minas

REPORTAGEM DE CAPA

Receita de longevidade, a associação entre genética e estilo de vida


Novos termos vêm sendo usados para designar os idosos. Pessoas com mais de 80 anos, memória de 50 (sem déficit cognitivo) e sem doenças crônicas já são considerados ‘superidosos’ ou ‘a quarta idade’; aqueles que ultrapassam 110 anos são denominados de ‘supercentenários’.



 
No Brasil, a expectativa de vida do brasileiro era de 76,6 anos em 2019, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mais de dois anos depois, em meio à pandemia de coronavírus, esse número caiu para 72,2 anos – estatística que sofreu o impacto nefasto da COVID-19, com o registro de mais de 677 mil mortos.
 
A expectativa de vida média global, segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), não é tão diferente dos números no Brasil, correspondendo a 73 anos.

Por outro lado, nunca na história da humanidade chegou-se a um grupo tão significativo na faixa dos 100 anos. Em 2020, os centenários somavam 573.423 pessoas e a tendência é de crescimento ao longo dos próximos anos.




 
Esse é o caso de seu Olegário Vieira Tavares. Aos 105 anos, comemorados no último sábado (23/7), ele esbanja simpatia. Mineiro de São Pedro dos Ferros, a maior parte da vida dele foi na fazenda. Olegário se lembra com carinho da época em que ele e os sete irmãos ajudavam o pai a cuidar dos animais (especialmente dos bezerrinhos) e a tirar leite das vacas.  “Naquela época, a gente estudava só até o terceiro ano primário”, comenta.
 
Aos 10 anos, o idoso conta que perdeu o pai, após um quadro de pneumonia. “Ele estava andando a cavalo debaixo de chuva e acabou não resistindo.” Casado desde os 21, Olegário teve oito filhos, dos quais seis homens e duas mulheres. “Para casar, eu não peguei dinheiro de ninguém”, destacou mais de uma vez.

COMPANHEIRA


Ele diz que graças a Deus conseguiu criar os filhos, sempre com o apoio da mulher, Maria da Glória, e com o trabalho no interior. “Vivi com minha esposa por mais de 60 anos, até ela morrer. Era uma companheirona”, comenta seu Olegário. “Sempre nos demos muito bem, porque homem que trata mulher mal é um ignorante.”




 
Depois que ficou viúvo, ele se mudou para Belo Horizonte e hoje mora com a filha Maria de Lourdes. Vaidoso, o barbeiro vai até a casa deles para cortar o cabelo. Maria de Lourdes diz que toda a família tem o maior carinho com ele. “Sempre o levamos para passear. Ele também vai ao médico sempre, faz exames a cada dois meses.” Nas horas vagas, gosta de ler, fazer Sudoku e palavras-cruzadas.
 
Seu Olegário assume que ama comer doces. “Minha mãe fazia uma goiabada daquelas. E tínhamos 20 bananeiras na fazenda. Hoje, eu como arroz doce e gosto muito de chocolate também.”
 
Embora cite as guloseimas primeiro, ele diz que se alimenta de forma saudável no dia a dia. “Como fruta, salada, carne e verdura”, diz. “Mas ele dorme cedo: às 20h já está na cama”, acrescenta Maria de Lourdes.
 
Atualmente, seu Olegário toma apenas dois remédios: um para evitar ‘confusão mental’ e outro para a fluidez do sangue. “Eu nunca adoeci, nem bebi ou fumei. Agora, depois de velho, é que tomo um pouquinho de vinho, porque um dos meus filhos ama.”




 
Como receita de longevidade, ele recomenda: “É ter uma alimentação saudável, ter amizade com todo mundo, ficar com a família, gostar da profissão, não falar mentira e não fazer fofoca. Fazendo isso, o mundo fica fácil de entender”.
 

Herança genética é um fator relevante 

 
(foto: Jordana Nesio/Divulgação)
 
 
 
 
“Nós sabemos que os fatores responsáveis pela longevidade são, na verdade, uma associação entre genética e estilo de vida”, explica Simone de Paula Pessoa Lima, geriatra da empresa especializada em home care, Saúde no Lar.
 
Segundo a médica, vários fatores associados à questão genética estão sendo estudados e/ou descobertos, levando o paciente a uma longevidade cada vez maior. “São aqueles pacientes que passam pela fase dos 60, 70 e 80 anos sem doenças muito significativas que levam a óbito, e acabam estendendo a idade”, ressalta Simone.




 
Pode-se dizer, portanto, que a longevidade de alguém está praticamente ligada à questão genética, ou seja, à propensão ou não de se ter algum tipo de comorbidade. A geriatra afirma que “o ser humano é como um mosaico, no qual temos a carga genética somada ao ambiente em que vivemos”.

No entanto, é possível ajustar o estilo de vida para que ele influencie positivamente na longevidade e na qualidade de vida. Mas, por outro lado, essa mudança não pode ser feita com a carga genética. O que ocorre, na verdade, é que esses dois fatores estão conectados, ou seja, a forma como um indivíduo vive impacta diretamente e potencializa a genética, seja ela negativa ou positiva.
 
“Um exemplo para entendermos é sobre pessoas com 'herança' de doença cardiovascular: se elas tiverem uma vida saudável, o problema cardíaco poderá aparecer mais tarde, lá pelos 75, 80 anos. Nessas mesmas pessoas com carga genética para problemas cardíacos e que não tenham hábitos de vida saudáveis, os problemas aparecem mais cedo aos 30, 40 anos”, destaca Simone.




A expectativa de vida global, segundo relatórios da Organização Mundial da Saúde (OMS), estava em um crescente progressivo há cinco décadas, mas foi interrompido devido à pandemia.
 
De acordo com a geriatra, a expectativa de vida aumentou se comparada a outros séculos como consequência de vários fatores, como a maior prevenção de doenças, vacinação, tratamentos precoces e promoção à saúde. Tudo isso impacta em menos mortes e reflete no envelhecimento populacional.

RECEITA


A receita perfeita para isso não foge em nada do que já sabemos, mas é difícil aplicar. A partir do momento em que se sabe o que pode acontecer no processo de envelhecimento, é preciso adotar atitudes para limitá-lo ou mesmo retardá-lo.
 
Para que isso ocorra, o ideal é ter uma boa alimentação e consumir proteínas nas três principais refeições, já que há perda muscular com o processo de envelhecimento. “É importante manter exercícios físicos para compensar essa perda muscular. Ao invés de esperar medicações milagrosas, devemos somar atividade física com uma alimentação balanceada. Sucesso garantido”, enfatiza a médica.




 
Um estudo da Boston University School of Medicine mostrou que os supercentenários variam muito em aspectos como educação, renda, religião, etnia e até nos padrões de dieta – há desde vegetarianos longevos até anciões do churrasco. Mas eles também têm muita coisa em comum: poucos são obesos, nenhum é ou foi fumante e a maioria lida bem com situações estressantes.

“Os bons hábitos são tão determinantes que, quando adotados por todos, criam-se bolsões de longevidade”, completa.
 
Simone enfatiza que é preciso entender que o envelhecimento não necessariamente está ligado à perda funcional, que é a capacidade de ir e vir e de decidir as coisas, mesmo quando existem doenças incapacitantes ou que não são bem cuidadas.
 
“Envelhecer faz parte da vida. Só não envelhece quem morre novo! Mais uma vez: manter bons hábitos alimentares e exercícios físicos é o segredo para viver bem e melhor por muito mais tempo, evitando que a velhice se torne um peso, mas um privilégio”, finaliza a geriatra.