À porta dos 60 anos, Xuxa esbanja vitalidade, assim como Madonna e assim como esbanjava Glória Maria, pouco antes de ser internada. Todas mulheres cheias de vida, trabalhadoras e senhoras do próprio destino.


Quanto à declaração de Xuxa, que comparou a velhice no Brasil como algo “pesado”, Renata Feldman, psicóloga clínica humanista, escritora e palestrante, lembra que muitas pessoas perdem de vista a noção de naturalidade, que acompanha o processo de envelhecer.





 

“É algo natural, factual, inevitável: faz parte da vida, como disse a Ana Claudia Quintana Arantes em um workshop sobre como envelhecer bem. ‘Só há um jeito de não envelhecer: morrendo antes.’ A questão é a maneira como esse processo é enxergado e significado: repleto de estereótipos e com uma carga pejorativa que faz com que muitas mulheres se sintam reféns do seu próprio envelhecer. Felizes daquelas que descobrem a beleza da maturidade, e o quanto podem seguir o curso da vida sem se aprisionar a julgamentos e preconceitos tão nocivos e paralisantes.”

 

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Renata Feldman, lembra aos mais desavisados que tanto a mulher quanto o homem, ambos têm idade, RG, data de aniversário: "Mas o famoso ‘peso da idade’ parece recair mais sobre as mulheres do que sobre os homens. Seja pelas questões corporais e hormonais que acabam evidenciando e intensificando a passagem do tempo, seja pela sobrecarga de trabalho inerente aos múltiplos papéis assumidos (profissional, mãe, mulher, dona de casa), a idade costuma se colocar de forma mais visível e perceptível (muitas vezes doída) para o universo feminino".


Madonna foi muito criticada na última aparição no Grammy

(foto: REUTERS/Lucas Jackson)
Na análise da psicóloga, envelhecer é um processo árduo, inglório, porque carrega em si um doloroso conflito: "No seu íntimo, é como se muitas mulheres pensassem, dissessem, se rebelassem: ‘Sei que vou envelhecer, é fato. Mas não quero, não gostaria, me recuso’. Como se essa recusa – tão presente nos atuais procedimentos estéticos – fosse possível. Ela pode até atenuar a passagem do tempo, mas este é um senhor rigoroso, implacável. Nada detém a marcha do tempo".





Culto ao corpo

Renata Feldman enfatiza que, especialmente para a mulher brasileira, tão aprisionada a uma cultura que valoriza o culto ao corpo e um elevado padrão estético, envelhecer significa perder: "Não só colágeno, mas também um olhar de aprovação do outro (e de si mesma). Para muitas mulheres, o envelhecimento está ligado à perda de viço, beleza, juventude, afeto, reconhecimento, desejo. Elas se cobram e fazem verdadeiros malabarismos para prorrogar ao máximo o envelhecimento, como se isso fosse possível. O envelhecimento é certo, ele vem. E traz dor e sofrimento para muitas mulheres".


Glória Maria sempre se mostrou muito ativa durante toda a vida

(foto: Jacques Dequeker)
Para a psicóloga, a mulher lutou muito (e ainda luta) para conquistar seu lugar ao sol. "Vem se descobrindo e se posicionando de várias maneiras, explorando seus potenciais e mostrando seu talento ao mundo. Glória Maria foi um exemplo e uma inspiração para muitas mulheres. E se ela escondeu a idade para se desvencilhar das amarras que nos aprisionam, esse é um dado e um registro importante."

Além da idade

A psicóloga Renata Feldman diz que o famoso %u2018peso da idade%u2019 parece recair mais sobre as mulheres do que sobre os homens

(foto: Daniella Castro/Divulgação)

Conforme Renata Feldman, a mulher parece enxergar a passagem do tempo como algo muito além de um simples e festivo soprar de velas: "Cada década celebrada – especialmente a partir dos 30 anos – carrega um peso e um lugar diferenciado no seu coração, na sua psique. Há uma ansiedade, uma corrida contra o relógio biológico. Correr contra o tempo significa empreender uma árdua e, muitas vezes, exaustiva batalha para se realizar enquanto mãe, mulher, profissional. A inexorabilidade do tempo se impõe de forma contundente, explicitando o conflito entre corpo e mente".

 





Renata Feldman recomenda a busca pela autoestima, autocuidado, autenticidade e aceitação. "Quando as mulheres descobrem que podem – e devem – olhar muito mais para dentro do que para fora, se libertando de padrões que tentam enquadrá-las a todo custo, elas se veem livres para ser quem elas verdadeiramente são. E assim não se apagam, não se permitem viver um processo de ‘invisibilidade’ perante o mundo e a si mesma.”


Para a psicóloga, a melhor forma de enfrentar o etarismo é tomando consciência dele e de suas armadilhas; é se conhecer, saber quem se é de verdade e não dar permissão para que o preconceito tome espaço. "Há mulheres que correm com os lobos, numa citação à clássica obra de Clarissa Pinkola Estés, e há mulheres que se tornam cativas de suas dores, pressões, fragilidades, conflitos. É uma questão de escolha, seguir ou ficar. Voar ou se aprisionar. Voemos, pois.” 

Saiba mais

Brasil: país que envelhece e não respeita os velhos

A cobrança incessante e o não direito de a mulher envelhecer (o homem também, claro) anda na contramão de um Brasil que, em 2050, terá um em cada três brasileiros velhos. O país, que já foi conhecido como uma nação de jovens, vê sua população envelhecer rapidamente. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o número de pessoas com idade superior a 60 anos chegará a 2 bilhões de pessoas até 2050, o que representará um quinto da população mundial. Conforme dados do Ministério da Saúde, o Brasil, em 2016, tinha a quinta maior população velha do mundo, e, em 2030, o número de velhos ultrapassará o total de crianças de até 14 anos. Num período de oito décadas, a expectativa de vida dos brasileiros saltou dos 45 para os 75 anos.

 

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