“Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim.” A sabedoria de Chico Xavier, médium, filantropo e um expoente do espiritismo, ensina a todos que viver é sempre um recomeço, um esperançar, sem ter que, como ele também ensinou, “cobrar tributos da gratidão”. Com o fim de 2022 e a expectativa do que 2023 vai proporcionar, mirar o que está por vir é a energia renovada que o ser humano precisa para se manter de pé e seguir em frente.




 
A fusão entre a gratidão e a esperança são atitudes perante a vida que amalgamam a alma daqueles que alimentam um sentimento de saber que as quedas são inevitáveis, mas que levantar sempre é uma possibilidade.
 
 
 

Wânia Lúcia Divino Pereira da Rocha

(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D. A Press )
 
 
Wânia Lúcia Divino Pereira da Rocha, de 67 anos, laboratorista aposentada e estudante do curso de maturidade da Estácio Belo Horizonte, tem a gratidão como uma referência entre as retas e curvas da vida. “Agradecer sempre é receber mais. Mesmo diante das coisas ruins, as adversidades podem se manifestar de maneira positiva, se transformar em ensinamentos. Por isso, gratidão é reconhecer as coisas que a vida lhe deu e ter esperança sempre.”
 
Para Wânia, gratidão não vive sem esperança. “É preciso parar de reclamar. Reclamar é ingratidão. Se não está bem, saiba que há situações piores. Acho importante pensar em pontos de vista diferentes. A maioria só enxerga o próprio umbigo. Sempre tive uma doença desde pequena, era ruim, mas hoje estou muito melhor. Aos 4 anos, fui diagnosticada com reumatismo infeccioso que me limitou muito e ainda convivo com uma artrose. Mas nunca deixei de viver, apesar das dificuldades”, conta. 




 
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“Criança, obrigada a ficar de repouso, brincava de boneca em cima da cama. Tive de tomar uma injeção de Benzetacil, famosa por doer muito, demais. No entanto, sempre depois ganhava um pastel e era uma alegria. Adoro dirigir, mas a vista não é mais a mesma e tive de parar. Mas dirigi por 20 anos e, agora, meu marido me leva por aí e ainda ganho a carona de amigas. Então, acredito que tudo tem um lado bom. É fundamental olhar por outra perspectiva, a de que vai melhorar e ser grato. É assim que procuro ser.”
 
Wânia lembra que sem esperança ninguém sai do lugar. “Nunca desisti do que sonhei para a minha vida. Mesmo com artrose, dançar era um desejo de criança. E agora, aos 67 anos, consegui realizá-lo. No curso de maturidade, faço dança flamenca. Fiquei sem andar, batalhei e aqui estou, feliz, buscando usufruir o melhor para a minha vida. E também faço teatro, mesmo sem enxergar direito. A professora aumenta a letra dos textos e sigo em frente. Se a esperança morrer, a gente morre junto.”

VÁ EM FRENTE

Por isso, o balanço do fim de um ano e recomeço de outro para Wânia é visto com os olhos de positividade, de que tudo ocorreu como era para ser e que a única postura é “ir em frente”. Para ela, “2023 será o ano do renascimento, já que 2022 ainda foi bem difícil, mesmo com o controle da pandemia. O medo de tudo vai arrefecer. Desde 2020, foi terrível, eu tive COVID, nos tornamos solitários, obrigatoriamente isolados, mas precisamos ter consciência de nos cuidar e ver 2023 como um ano de alegria, se Deus quiser, com muita luz e saúde”, diz. 




 
“Tenho fé, crença, apego à vida e procuro que ela seja mais leve, ao lado do meu marido, Altamirano, de 73. Estamos juntos há 44 anos, e dos meus filhos Bruno, médico-veterinário, e Gisele, professora e fazendeira. A família, aliás, é outro alicerce para que eu possa exercer a gratidão e a esperança. Tendo o exemplo da minha mãe, Zely, de 92, que mora comigo, e me ensina todos os dias a sabedoria de viver. Sou muito grata.” 
 
A filosofia da gratidão entende que tudo depende da forma como olhamos para a vida, se de forma positiva ou negativa. Gratidão e esperança, mais do que explicar o sentido, é fundamental que cada um saiba viver a experiência. É ser grato sem esperar nada em troca, fazer o bem, ter o coração aberto e adotar uma atitude perante a vida que garante transformação, ganhos emocionais, sentimentais, faz bem à saúde física e mental e, assim, quem consegue ser grato e ter esperança cria um ciclo virtuoso no qual possa estar a tão desejada felicidade. Ainda que em pílulas.

Modernidade aumenta potencil da ingratidão

Marcelo Galuppo, professor de filosofia do direiro da PUC-Minas e UFMG e coautor, com Davi Lago, do livro “#Umdiasemreclamar”, da Editora Citadel, destaca que a ingratidão não é um problema exclusivo do mundo moderno, mas sem dúvida a modernidade aumenta o potencial de ingratidão, porque coloca pessoas diferentes vivendo em um mesmo espaço, com projetos e valores distintos.
 
“O filósofo Alain de Botton diz que, na Idade Média, os homens viviam em meio à miséria, mas, como todos eram igualmente miseráveis, ninguém se sentia privado de um direito. Hoje, compro o carro mais caro de uma montadora nacional, mas, quando olho para o lado, meu vizinho comprou um carro importado, e me torno ingrato com a vida e com os outros. Se não formos capazes de construir valores comuns na sociedade, se não formos capazes de construir uma sociedade justa, livre e igualitária, seremos sempre ingratos em uma sociedade que é dividida contra si mesma.”
 
Para o professor de filosofia, fim de ano e a chegada de um novo ano é uma ocasião especial na vida de todas as pessoas. “Em todas as culturas, a ideia do fim de um ciclo cósmico é importante, porque precisamos ter a chance de recomeçar. Cometemos erros, mas sempre queremos viver de tal modo que nós mesmos e aqueles que amamos se orgulhem de nós. Isso tem a ver com a gratidão e com a esperança – uma encerra um ciclo, a outra inicia um novo ciclo. O que é importante é sempre ter isto em mente: devemos viver uma vida que julguemos valer a pena ser vivida.”
 
 

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