Raquel Miranda Rocha

A servidora pública aposentada Raquel Miranda Rocha, buscou um hobby equivalente a uma meditação e na qual pudesse se expressar de forma original e criativa

Ramon Lisboa/EM/D.A Press
Um hobby pode surgir de várias maneiras. De um sonho adiado. Da curiosidade. Do desejo de aprender e fazer algo novo. Do inusitado; de repente, algo arrebata o coração e passa a fazer parte da sua vida. Por indicação médica, até.

Enfim, há quem tem bem claro o que gosta e quer fazer e quem, pelas curvas e estradas do caminho, descobre uma paixão, uma habilidade, uma prática que a toca e só faz bem.

E tudo está relacionado com o fazer manual, com o criar e, assim, tem o poder de conectar corpo e mente. É onde habita o efeito do bem-estar para cuidar da saúde mental, tão necessária para lidar com a imprevisibilidade da pandemia da COVID-19.

Raquel Miranda Rocha, de 56 anos, formada em design gráfico, atuou como servidora pública por 30 anos nas áreas de planejamento e comunicação. Aposentada no meio do redemoinho da pandemia, ela se redescobriu e encontrou novos desejos, amores: “Tenho um lado artístico forte e sempre desenvolvi alguma atividade paralelamente com a minha atuação profissional. Já fiz velas, papel artesanal, papel marché, pintura, estudei música, canto, percussão e um monte de outras coisas. No início do isolamento social, me mudei para uma chácara em Rio Acima e decidi que iria me aposentar. Mas como sempre fui muito inquieta e curiosa, vi que precisava buscar algo que me ajudasse a lidar com essa nova situação”.

Com o “nascimento” da nova Raquel, ela revela que buscou uma atividade equivalente a uma meditação e na qual pudesse se expressar de forma original e criativa, sem seguir padrões ou regras engessadas.

Ela  comprou um curso on-line de macramê e outro de tecelagem. E depois alguns materiais. E outro curso, e outro, e mais materiais. Como estava morando no meio da natureza, procurou  inspiração em seus elementos, cores e texturas. 

Raquel conta que, quando se senta para criar e desenvolver um trabalho, coloca uma música e se esquece do mundo à volta. “Eu me sinto leve com essa conexão comigo mesma e com meu lado criativo. É um misto de terapia e relaxamento e, em tempos de tanta tristeza e do isolamento prolongado, me mantém equilibrada.”

FORMAS DE SE EXPRESSAR

Com a criatividade fervilhando, Raquel começou fazendo algumas peças de tapeçaria para paredes, que é o que ainda mais faz. Também criou algumas esculturas em galhos de árvore e, agora, tem pensado em criar uma linha de colares e acessórios femininos. “Quando iniciei essa atividade, comecei a divulgá-la nas redes sociais, no meu Instagram (@raquelmirandarocha), e em alguns grupos do Facebook. Vendi algumas peças por meio dessas redes e participar de alguns grupos.”
 
Depois que a pandemia passar, ela pretende participar de feiras de artes e decoração para divulgar mais o  hobby, que hoje já considera como trabalho. “Cada vez me sinto mais apaixonada por esse universo de possibilidades infinitas e sinto falta quando não é possível praticá-lo.”

AS ARMADILHAS


psicóloga

Haline Amorim diz que ter um hobby é o que nos ajuda, e muito, a não ficarmos estagnados, presos no estresse e na ansiedade

Leandro Couri/EM/D.A Press


A psicóloga Haline Amorim enfatiza que hobby é aquela atividade prazerosa que as pessoas escolhem para passar bem o tempo, às quais nos dedicamos para reabastecer as energias, recarregar as forças, ter alegria e diversão, relaxar ou experimentar algo estimulante sem ser estressante. "Esse tempo livre é fundamental para a saúde mental, pois é por meio dele que podemos ter a oportunidade de melhorar a qualidade de vida e nos resguardar de chegar a um esgotamento mental causado pelo estresse e a ansiedade do dia a dia."
 
Haline Amorim diz que, diante da atual sociedade acelerada, e pauta na produtividade e busca do sucesso, o hobby pode ser uma válvula de escape. Viver nesse ritmo acelerado, cheio de obrigações pessoais e profissionais, sobrecarregado de atividades, ficando 'muito ocupado', virou sinônimo de ser bem-sucedido financeiramente, de ser produtivo e de ter sucesso.
 

O hobby também é uma saída para o sofrimento, nem que seja esquecê-lo por algumas horas. Diante de uma dor, de uma perda ou de um sofrimento, o hobby pode vir como aquele momento em que você permite se entregar a outros tipos de pensamentos, a uma atividade prazerosa e que dê um descanso físico, mental e/ou emocional do período difícil que esteja passando

Haline Amorim, psicóloga



Então, uma pessoa separar tempo e, em alguns casos, dinheiro para ter um hobby pode soar como algo fútil, só para quem tem esses privilégios. Mas esse tipo de pensamento é uma grande armadilha. “Ter um hobby é o que nos ajuda, e muito, a não ficarmos estagnados, com o pensamento embotado e presos no estresse e na ansiedade. Longe de ser uma futilidade ou de representar uma 'perda de tempo', essas 'horas de respiro' podem ser fundamentais para uma pessoa ser bem-sucedida e alcançar um excelente desempenho de forma saudável.”
 
O hobby, afirma Haline Amorim, também é uma saída para o sofrimento, nem que seja esquecê-lo por algumas horas. Diante de uma dor, de uma perda ou de um sofrimento, o hobby pode vir como aquele momento em que você permite se entregar a outros tipos de pensamentos, a uma atividade prazerosa e que dê um descanso – físico, mental e/ou emocional – do período difícil que esteja passando.
 
Isso, segundo a psicóloga, pode contribuir para se evitarem comportamentos nocivos à saúde, a não nos entregarmos a vícios, por exemplo: em compras, em álcool ou drogas, em internet. Em vez de entrar nesse mecanismo de fuga, envolver-se com atividades que trazem bem-estar, relaxamento, prazer e alegria será uma recompensa ou uma compensação mais saudável diante da árdua rotina enfrentada. Além disso, os efeitos positivos são mais duradouros.
 
Para a psicóloga, ao procurar por um hobby é preciso que cada um fique atento ao seu perfil, personalidade e estilo de vida. “Abra-se às surpresas: descobrir e se ver realizando uma atividade que jamais cogitou pode gerar uma alegria ímpar.”

NECESSIDADE HUMANA DE SER CRIATIVO 

Haline Amorim destaca que a rotina, principalmente no início da pandemia, ficou extremamente monótona, ainda que seja necessária na vida. Mas ninguém precisa fazer as atividades de todo dia sempre igual, sempre da mesma forma, do mesmo jeito. A pandemia escancarou a necessidade humana de ser criativo, de ter de fazer coisas novas, diferentes e concretizar atividades que tenham valor para cada um. Para sair dessa monotonia pandêmica, as pessoas começaram a buscar coisas diferentes ou colocar em prática atividades sonhadas ou de que sempre gostaram, mas que não tinham tempo de realizar.
 
Por isso, cresceu a procura por aprender e praticar um novo idioma, meditações, ioga, culinária, aromaterapia, cuidar de plantas ou de um animal de estimação. Os quebra-cabeças, as palavras cruzadas e os jogos de baralho e tabuleiro foram resgatados. Voltar a ler, escrever, atuar, dançar, cantar, tocar um instrumento, fotografar, bordar, tricotar, fazer crochê e tantas outras práticas se apresentaram com força total. E cada uma dessas atividades colaboraram demais para a sanidade mental de cada um.

Diante de todos os benefícios, a psicóloga faz um alerta sobre uma outra armadilha que pode atropelar o hobby e desmontar sua essência. Se o hobby tem a armadilha de ser visto como futilidade, o outro lado dessa mesma armadilha é o hobby ser visto como fonte única de trabalho e renda. É importante gostar do trabalho, mas mesmo gostando, o trabalho em si pode ser fonte de estresse, ser cansativo e repetitivo e terá de executá-lo todos os dias. E o hobby é o oposto disso, é uma atividade para trazer alívio, um respiro, um prazer.
 
“Claro que não significa que um hobby não possa virar um trabalho exclusivo. Acredito que todos conhecemos alguém que se encontrou profissionalmente por meio de um hobby e ficou feliz e realizado. Mas, aí, já deixou de ser hobby, entende? O objetivo mudou e essa pessoa, provavelmente, irá encontrar outro hobby para seus momentos de lazer, reflexão, relaxamento ou o que precisar.”

Ilustração

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